domingo, 28 de abril de 2013

O ESTÁDIO



NOVO MARACANÃ

O estádio ficou pronto. Custou quase 860 milhões de reais, depois de dois anos e oito meses de obras. A antiga marquise de 30 metros, no século passado orgulho da arquitetura nacional, foi substituída por outra com mais do dobro. Agora, há camarotes suntuosos, 60 bares, 231 banheiros, 16 elevadores, 4 telões de  100 metros quadrados, lugares para quase 79.000 pessoas. É o novo Maracanã.

Maracanã...

MARACANÃ EM 1950
Quando entrei nele pela primeira vez, em 24 de junho de 1950, a capacidade estimada beirava os 200.000 espectadores. Era a abertura da IV Copa do Mundo, sem a pompa e circunstância dos eventos de agora. Entenda-se. A Segunda Guerra Mundial acabara há apenas quatro anos. A maioria dos países europeus e várias nações asiáticas ainda lutavam para sair dos escombros. Por isso mesmo, a FIFA aceitara a proposta brasileira para sediar o certame, adiado por duas vezes (em 1942 e 1946) devido ao conflito.  

Não houve eliminatórias. Os países haviam sido convidados, quase convencidos, a participar e, mesmo assim, muitos tinham declinado. Índia e Turquia desistiram logo. Seus apontados substitutos, França e Portugal, também.  Os ingleses, entretanto, depois de esnobar as Copas anteriores, por se considerarem os reis do esporte (bretão, como muitos locutores ainda o chamam) e autossuficientes em sua prática, resolveram comparecer. E serem protagonistas de um dos maiores vexames da história do futebol, ao perderem para uma equipe amadora dos Estados Unidos por um a zero. Enfim, foi uma Copa diferente. Em tudo.  Assim, nenhuma cerimônia precedeu aquela partida inaugural, Brasil e México.

Mas, para o garoto de nove anos que eu era, a entrada no estádio foi uma das maiores sensações que vivi.  Para começo de conversa, meu pai comprara duas “cadeiras perpétuas” (gimmick de venda, que prometia a posse definitiva do lugar) no anel superior, bem ao lado da Tribuna de Honra. Para mim, que estava acostumado a ver as partidas quase à beira do gramado, na Gávea, em Álvaro Chaves, a repentina visão do campo lá em baixo deu-me uma suave tontura e a impressão de que eu “voava” sobre o gramado. Inesquecível.

O Maracanã estava “pronto”. Com aspas, é claro, pois a infra estrutura era mínima e o conforto precário. Mas, quem ligava para isto em 1950? O orgulho de sediar um evento de prestígio internacional perdoava tudo, numa nação ainda no andar debaixo do mundo civilizado.

O Brasil venceu, fácil. Quatro a zero. E dava início à indescritível euforia que envolveu o país inteiro e culminou na apoteótica vitória sobre a Espanha (considerada o melhor time europeu), em que 165.000 torcedores acenaram lenços brancos e cantaram a marchinha de carnaval “Touradas em Madri”. Seis a um! Como, pela única vez na história do certame, o título seria decidido num torneio quadrangular, a acachapante vitória dava ao Brasil a vantagem do empate na última partida contra o Uruguai. Era bom demais.

Quem se lembra, sabe. Às 16:50 de 16 de julho, o silêncio fantasmagórico de duzentas mil pessoas deixando o estádio ensurdecia a alma brasileira com a maior de decepção sofrida por este povo. Quem não estava lá vai achar que eu estou exagerando. “Afinal, é só um jogo de futebol”, dirão. Não é. Não foi.

Pensem num tempo em que pouco havia para nos servir de referência como conquistas internacionais. Nossa pauta de exportações era uma monocultura, nossa indústria apenas nascera em Volta Redonda, nossa única imagem musical lá fora era uma madeirense que usava um turbante com bananas. Brazil era somente um endereço de turismo exótico onde o sol brilhava perene nas calçadas onduladas de Copacabana. De repente, o futebol nos iria resgatar.

Logo após a derrota, a caça aos culpados começou. Falou-se em excesso de confiança, celebrações antes da hora na véspera do jogo que haviam desconcentrado os jogadores, até numa missa antes da partida que os obrigara a ficar duas horas em pé. Mas, foi dentro do campo que o povo elegeu seus réus. Um foi João Ferreira, o Bigode, lateral do Fluminense, que supostamente teria se acovardado perante Obdúlio Varela, o capitão da equipe uruguaia. O outro foi Moacyr Barbosa, goleiro do Vasco. Afinal, a bola passara nos dois palmos que estavam entre ele e a trave esquerda, no que se podia classificar como uma lamentável falha, para não dizer um terrível “frango”.

Sobre este lance, há um curta metragem maravilhoso, filmado em 1988 e dirigido por Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado, com roteiro adaptado dos dois e mais Giba Assis Brasil. Naquele ano, ganhou os prêmios de melhor filme de ficção no Festival de Havana e de melhor edição em Gramado e tem como ator principal Antonio Fagundes. Vale a pena ver, para compreender do que estou falando.




Oswaldo Pereira
Abril 2013

5 comentários:

  1. Osvaldo, gostei muito de sua crônica. Também tenho minha história da 1a. vez no Maracanã. Aconteceu em Dezembro de 1952, nas vesperas do Natal, dia de decisão do Carioca: FlaxFlu. A emoção de conhecer o Maraca foi muito grande em jogo noturno, sábado, com + de 150 mil torcedores, mas voltei para Icaraí, onde morava, muito triste pois o Mengão perdeu e fomos vice. Abraço do Thomaz

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  2. Dilma Roussef, Eike Batista, Lula, Sergio Cabral, Arnold Swatznegger,a mídia, o tal do prefeito, o Maracanã, o Futebol, os 2 mil e tantos operários e famílias, a meia dúzia de gatos pingados índios, banidos das proximidades da nova sede de espetáculos. O coração bate forte é claro! de alegria, de júbilo e tb de medo. Quem serão os futuros exterminadores do futuro? Porque alguém daria um soco num vencedor? Falta de espírito esportivo,tem mais cara de nazi-fascismo.
    Assustador isso, mas sobretudo! Ridículo!

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  3. Espetacular Depoimento, amigo!!!
    História e Emoção!!

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  4. Não conhecia nada disso, assim adorei seu texto que tão bem narra o ocorrido na época, além da emoção que sentimos transbordar dele ...

    Fifi

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  5. maria thereza pinheiro1 de maio de 2013 às 01:12

    História dramática, sem dúvida. Um dia negro para todos os brasileiros que agora revivi através das tuas palavras. É verdade, não foi apenas um jogo de futebol, Foi uma leitura emocionante. E o curta? Simplesmente sensacional!
    Parabéns,
    Tetê









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