sábado, 21 de agosto de 2021

SIC

 


A idade avançada traz, ou deve trazer, até como compensação pelos achaques, dores de coluna, artroses e outros inconvenientes, uma visão relativista das coisas. Temos, nós os velhos, a prerrogativa de utilizar o extenso tempo vivido para sedimentar nossas experiências e nos conceder um modus operandi de encarar as coisas temperado de calma e perspectiva.

Os anos, muitos, sevem de amortecedor contra as reações violentas, as discordâncias ácidas, as paixões irremediáveis e os confrontos diretos. Muito pouca coisa tem a força de nos fazer sair da redoma de tranquilidade que o tempo nos conferiu. Este que vos escreve, inclusive, tem por índole sempre tentar descobrir o que move uma posição antagônica à sua, apurar a eventual verdade num contraditório. Meus amigos, creio, podem atestar o que digo, e meu signo de Libra e minha formação de advogado certamente têm a ver com isto.

Mas, há dias, uma coisa me tirou poderosamente do sério.  E, como sei que possuo, na minha modesta lista de recebedores deste blog, vários parentes e amigos em Portugal, senti-me na obrigação de externar esta justificada revolta.

O canal português de televisão SIC (Sociedade Independente de Comunicação) entrou no ar há 25 anos e formou-se como um dos mais vistos no país e, principalmente, como o veículo televisivo por excelência dos expatriados lusos ao redor do mundo. Chegou a ter 35% de audiência. Hoje, este percentual caiu para 19% e sua empresa controladora, o Grupo Impresa, está em recuperação judicial.  

Pois a SIC aprontou o seguinte.

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal brasileiro determinou a prisão, a intimação e a apreensão de dados de vários jornalistas e comunicadores que apoiam Jair Bolsonaro, inclusive impondo medidas para proibir a monetização de seu trabalho de divulgação o que, praticamente, o extingue.

Pois não é que a SIC, em seus noticiários, teve o descaramento de informar que Bolsonaro é quem havia solicitado a prisão de jornalistas opositores, numa inversão canalha da verdade?

Você pode não gostar do homem, pode ser até um antagonista ferrenho, detestar tudo o que ele diz ou faz, mas, retorcer deliberada e abjetamente um fato constitui, especialmente levando em conta a responsabilidade da SIC como fonte de informação de milhões de portugueses, dentro e fora do país, um ato de suprema covardia, desonestidade e, para extrapolar o vernáculo, filhadaputice desavergonhada.

Falam tanto de fake news. O que dizer, então, desta falcatrua informativa? Não é assim que se joga limpo.

Infelizmente, não tenho amplitude suficiente para disseminar este meu repúdio como desejo. Mas, eu lhes peço, meus amigos portugueses, que procurem repor a verdade junto à sua roda de contatos. E, daqui para a frente, desconfiar de tudo o que a SIC informa...

Oswaldo Pereira

Agosto 2021

 

terça-feira, 17 de agosto de 2021

TAMBORES AO LONGE

 


Faltam 3 semanas. E o próximo dia sete de setembro vai marcar o 199º aniversário da independência brasileira. Mais um ano, e chegamos ao nosso segundo século como nação. Uma data alvissareira? Seria, se não fosse a circunstância de que, neste mesmo momento de celebração, o país encontrar-se num redemoinho de paixões.

Há tambores ao longe. Há um eco crescente de vozes enraivecidas. Há um ruído se avolumando. Há um movimento em pauta. E não se precisa de muito estudo histórico e nem de um avançado discernimento social para entender o que se passa. Pelo menos para mim, a mensagem é clara. No Brasil de hoje, a classe política, os membros do supremo judiciário e a imprensa tradicional perderam o contato com a realidade.

Embriagados dentro de uma impunidade auto conferida, cheios de sua arrogância obscena, enleados no pântano mais escuro e profundo de favores, jabaculês e troca-trocas, os nossos políticos não entenderam o recado que as urnas trouxeram em 2018. Quem foi eleito naquele ano foi um grito de BASTA, de repúdio ao mar pútrido de corrupção que consumia os impostos e retorcia o futuro nacional. Bolsonaro foi apenas o fio condutor de um anseio, de uma revolta.

Acontece que, mesmo não sendo uma unanimidade na época e longe de ser um ideal de estadista, Jair Bolsonaro acabou por impor sua figura de paladino e justiceiro não muito pelo que fez, mas pelo que os outros fizeram. A insana reação daqueles que começaram a temer pelo fim de suas prerrogativas indecentes, de suas vantagens espúrias, de suas verbas e de seus jeitinhos canalhas, acabou por ungir Bolsonaro com uma inesperada aura de missioneiro.

O açodamento e a virulência dos ataques contra ele acabaram por extrapolar os limites do que seria o normal procedimento de uma oposição republicana. Se tal comportamento já poderia ser esperado de uma classe política corrompida e apodrecida, as ações de inqualificável e anticonstitucional partidarismo do Supremo Tribunal Federal e o evidente e comprometido antagonismo da grande imprensa escancararam um desproporcional conluio de forças.

E o povo, aquele mesmo povo que havia lançado sua mensagem em 2018, graças aos canais que vieram sepultar a imagem da mídia tradicional, estava vendo e ouvindo.

Nestes últimos 30 meses, este mesmo povo, que se aferrara à expectativa de que esse fio condutor conseguisse, finalmente, reverter o tenebroso curso a que o Brasil fora dirigido, foi assistindo a coisas, como o arquivamento de um abaixo assinado de 3 milhões de cidadãos, uma Comissão de Inquérito chefiada por políticos campeões de acusações e processos, juízes do Supremo protagonizando atos ilegais e tortuosos, o corporativismo do Congresso e do Judiciário contra o bom-senso do voto auditável, minarem suas esperanças e suas opções.

Como reagir? A resposta pode vir do som dos tambores.

Oswaldo Pereira

Agosto 2021

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

A RELATIVIZAÇÃO DO BOM-SENSO

 


O que é Bom-Senso?

Em meus devaneios, sempre me pareceu que bom senso era uma coisa auto evidente, reconhecível in loco, claro e indiscutível como o sol, uma verdade insofismável que não admitia circunlóquios ou tergiversações.

Mas estou percebendo que minha romântica visão, tão solene e antiquada quanto os adjetivos acima, está lamentavelmente ultrapassada. E, mesmo se fosse buscar seu correspondente na língua inglesa, common sense, tenho de admitir que ela não tem mais nada de common.

Sujeito a interpretações, escrutínios analíticos e ideologias de variada espécie, a figura antes monolítica do Senso Comum caiu na vala da relatividade.

Isto tudo me veio de repente com a questão do voto auditável.

Na minha proverbial ingenuidade, eu cria ser de bom-senso, já que existe uma razoável dúvida quanto à higidez do sistema de apuração de votos hoje em uso no Brasil; o fato de que esse sistema permanece com a mesma estrutura informatizada do tempo de sua criação, há mais de 20 anos; a percepção geral de que, atualmente, NENHUM sistema pode garantir sua imunidade ao ataque de hackers; e que TODOS os países (à honrosa exceção do Bangladesh e do Burkina-Fasso) que porventura utilizaram sistema semelhante no passado já o dotaram de uma ferramenta suplementar de controle, como o comprovante impresso, aceitar que estava na hora de rever os nossos métodos de votação.

Também não consigo discernir fundamento lógico quando afirmam que inserir um comprovante adicional ao mais importante ato da nossa claudicante democracia seria um passo atrás, quando eu me convenço que seria um passo à frente, um avanço e uma segurança necessária.

Então, nesta hora em que o Congresso brasileiro sepulta uma pretensão que julgava eu legítima, racional e indiscutível, aqui me quedo, desconsolado e inseguro, a verificar que um dos deuses supremos de minha racionalidade, meu querido e inabalável bom senso, é apenas uma miragem, uma visão, um sonho juvenil, indefeso nas mãos da vontade política de uns quantos.

 Oswaldo Pereira

Agosto 2021