quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

OSCAR 2014



Não sei se já aconteceu, mas, este ano, seis dos nove filmes candidatos à estatueta são baseados em histórias reais. Só três (Her, Gravity e Nebraska) têm roteiros ficcionais. O que isto quer dizer? Não sei.

Mas sei, e todo mundo sabe, que a indústria passa por um momento delicado. A audiência está em declínio e salas de cinemas estão fechando em todo o mundo. As mega distribuidoras estão tentando descontar o prejuízo explorando o filão dos video clubes das TV a cabo, das edições em blue ray e em 3D, para assegurar o interesse de quem, refestelado em seu sofá diante de um telão de 60 polegadas e cercado pelo surroundsound do seu home theatre, acha deveras incômodo sair de casa numa noite chuvosa e ir enfrentar trânsito, fila e procura de vaga para assistir a um filme. O grande problema é que a porta aberta da internet vem permitindo, com pequeno esforço, zero risco e nenhum investimento, descarregar para qualquer hard disk menos nobre a cópia de segurança de uma obra cinematográfica que pode ter custado dezenas de milhões de dólares para criar. Daí para um pen drive e para o escurinho de uma sala de estar é um passo. Desde o aparecimento da televisão, nos anos 1950, que os estúdios não enfrentam uma tempestade tão negra.

Nos últimos anos, Hollywood e suas congêneres têm procurado enfrentar a tormenta lançando blockbusters recheados de mirabolantes efeitos especiais, na esperança de que o público se convença das vantagens de assistí-los na tela grande e com som Dolby. Tem funcionado, mas, não sei se porque o gênero começa a cansar, desta vez, nas muitas noites de gala de premiação (SAG, BAFTA, Golden Globe e, agora, o Oscar) houve apenas um postulante que seguiu a linha, o realmente magnífico Gravity (sem dúvida, muito melhor visto num bom cinema do que numa LCD...) Os outros se dedicam a dramas pessoais, familiares ou políticos e usam mais a ilha de edição do que o estado da arte dos visual effects.

Neste ponto, é bom esclarecer que em termos de cinema, e como apanágio dos meus muitos anos, sou das antigas. Cresci flutuando na magia do celulóide, numa época em que ir ver um filme era uma epopéia em si mesma, num tempo em que algumas salas exigiam gravatas e vestidos de soirée, havia intervalos ao som de pianos ao vivo e poltronas de veludo. Amo a tela grande e, evidentemente, preparo-me com preceito e ritualístico fervor para a noite dos Academy Awards, e não há Carnaval nem desfile de escolas de samba que me desvie de assistí-la.

À exceção de Nebraska, vi todos os candidatos. E, como todo bom cinéfilo, tenho os meus vencedores. Para mim, the Oscar goes to...

Filme:                           DALLAS BUYERS CLUB
Diretor:                        Alfonso Cuarón (Gravity)
Ator:                             Matthew McConaughey (Dallas Buyers Club)
Atriz:                            Meryl Streep (August: Osage County)
Ator Coadjuvante:     Jared Leto (Dallas Buyers Club)
Atriz Coadjuvante:    Julia Roberts (August: Osage County)


Não quero, entretanto, ser dono da verdade. Resolvi então pedir à Turma do Bar (aquela, cujos papos às vezes aparecem nestas páginas) para também dar sua opinião.


“Melhor filme? The Wolf of Wall Street, claro! Scorcese botou prá quebrar, jogou na cara de todo o mundo o bas-fond do inacreditável universo financeiro americano, o imenso poder dos manipuladores do mercado de ações, onde se fazem e desfazem fortunas incalculáveis a partir do nada. Um grande alerta para a populaça que ainda crê no jogo limpo e transparente dos analistas, das corretoras e dos xerifes das agências reguladoras. Jordan Belfort contou tudinho no seu livro e Leo di Caprio incorporou a sua ganância nua e crua numa interpretação poderosa. Oscar também para ele, para o Diretor e, last but not least,  para Jonah Hill, como coadjuvante, que arrasa na pele do “escada” de Belfort.  Cate Blanchett e Sally Hawkins, a dupla de Blue Jasmine, completam a minha lista.”

“Adoro cinema. Mas, não este cinema pasteurizado de Hollywood. Sou fã dos grandes mestres europeus, da poesia dos japoneses, dos recentes iranianos. Filmes cabeça, por que não? É a arte mostrando a vida como ela é, trazendo mensagens, histórias de carne e osso. Soube que o Grupo Estação vai fechar. Temos de impedir uma tragédia destas! É o último baluarte do cinema de qualidade. Sem ele, só nos restará o “circuitão”... De qualquer maneira, fui ver os candidatos (não posso negar que a cerimônia do Oscar tem a sua magia) e amei Philomena. Judi Dench tem de levar a estatueta. No mais, achei Christian Bale que, além de gato é um verdadeiro camaleão,  ótimo em American Hustle. No mais, prefiro dar os meus palpites para o Urso de Berlim ou a Palma de Cannes...”


12 Anos Escravo merece o prêmio. E o Diretor Steve McQueen também. Aliás, todos eles, Chiwetell Ejiofor, Lupita Nyong’o. É preciso nunca deixar morrer a história da raça negra escravizada nas Américas. Aquilo é que foi genocídio, físico e moral. Um genocídio que se perpetuou e se repete no preconceito, na intolerância, na discriminação. Como ator coadjuvante, ainda coloco o somali Barkhad Abdi, impressionante em Captain Phillips. Se a Academia tiver um grão de coragem, vai homenagear estes grandes atores negros. Black is Beautiful!


Vamos conferir domingo próximo.

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2014






domingo, 23 de fevereiro de 2014

TEATRO GREGO




Há muitos e muitos anos, na época de ouro dos fascículos, foi lançada no Brasil uma coleção sobre Mitologia Grega. Se bem me lembro, eram quase 50 capítulos, ricamente ilustrados e escritos por uma excelente equipe de historiadores, e que poderiam, depois de colecionados, ser encadernados em capas também distribuídas em espaços regulares, tornando-se uma obra de referência da melhor qualidade. Em suma, um item obrigatório na biblioteca de um apaixonado pelo assunto desde a leitura dos livros de Monteiro Lobato, como este que vos escreve...

É claro que, para isso, era necessário possuir a férrea vontade de, por 50 semanas consecutivas, comprar os fascículos no jornaleiro com religiosa disciplina. Evidentemente que, para decepção da editora brasileira que publicou a coleção, muito pouca gente conseguiu interessar-se a ponto de persistir na rotina e o número de exemplares comprados, já a meio do caminho, começou a diminuir significativamente. Como contrapartida, a gráfica passou a imprimir menos exemplares e, nos últimos números, era particularmente difícil achá-los à venda. 

Não só porque adorava o assunto, como também porque admirava a superior qualidade da obra, eu fui até o fim, contando com a ajuda do dono de uma banca de jornais que, nos derradeiros capítulos, era o único a recebê-los no bairro. A ele, algumas vezes, expressei minha indignação pelo desprezo dedicado a tão belo trabalho pelo público carioca.

Não sei se por coincidência, ou se intencionalmente programado pela editora, o último fascículo falava sobre o Teatro Grego. E discorria sobre as suas origens nas dionísias, seu apogeu em Atenas, tragédias, comédias e sátiras empolgando um povo e despertando gênios como Sófocles, Ésquilo, Eurípedes, sua importância no dia-a-dia da Grécia Clássica. Depois, lentamente, como num lamento, descrevia a sua lânguida decadência, o afastamento do público, o desaparecimento dos mecenas.

E terminava com a descrição de uma apresentação teatral em que os atores surgiam no palco e constatavam que não havia viv'alma na plateia. Apenas a ausência. E, com a morte na alma, representavam a peça para o silêncio. Percebi, então, a referência – um teatro às escuras, uma coleção sem leitores.

O derradeiro capítulo fechava com a frase:

Não há nada pior para um artista que um teatro vazio.

Quem pinta, canta, representa ou escreve sabe disto, mais do que ninguém...


Oswaldo Pereira
Fevereiro 2014


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

SUPERHOMENS







Nós, homens, somos fortes. Nascemos para vencer e dominar. Dominus. Está no sangue, no instinto, no gene fabricado pela adrenalina de sair para a savana e ir matar a caça, sem ser transformado em presa pelo tiranossauro de plantão. Caça que iria saciar a fome da mulher e dos filhos, protegidos no fundo da caverna. Preservar a raça, este era o imperativo, a razão de ser. Foram centenas de milhares de anos assim, geração após geração.

Por isso, também somos objetivos, diretos, funcionamos pelo sistema de resultados, quanto mais rápidos e descomplicados, melhor. Assim, escolhemos a primeira camisa que nos agrada numa loja, o mesmo prato de um cardápio diversificado no restaurante de sempre, achamos perda de tempo perguntar por direções numa cidade estranha. Nosso instinto vai achar o caminho, certo?

Errado!

Isto é o que pensamos ser. Isto é a canção de ninar que nos foi cantada ao nascer, o conceito folclórico que nos foi passado por pais preocupados com a nossa fibra de vencedores. “Homem não chora!” e outras bullshits que nos venderam no jardim de infância.

O que acabamos por aprender, nos duros bancos escolares da vida, é que temos dúvidas, temos dor, temos medo.  E aí, partimos para ser “valentes”, interiorizando os sentimentos e mantendo o sorriso firme, mesmo quando a alma se dilacera por dentro. Das tripas, coração, não é assim que reza a lição? Os ícones estão por toda parte. O soldado que, mesmo ferido de morte, não deixa a bandeira cair. O gentleman que cede seu lugar no último bote do Titanic. O Sir Galahad que terça armas até o fim pela honra da donzela.

Bonito, muito bonito. Numa tira de história em quadrinhos, num filme em 3D, numa canção medieval.

Na realidade, não passamos, mesmo, de superheróis de carne e osso, paladinos com armadura de papel, cavalheiros sem fraque e cartola. Elas sabem. Basta uma dorzinha de dentes, um resfriado mais brabo, uma decepção no trabalho para transformarmo-nos em infantes desmamados e desesperados por carinho, aconchego e proteção.

Fortes? Sim. Quando tudo vai bem e o sol brilha no horizonte. Aí, somos de novo o Superhomem, capazes de para elas demonstrar nossos superiores dotes de destreza e força. É só termos cuidado para não quebrar-lhes as costelas...


Oswaldo Pereira
Fevereiro 2014

PS.: O meu LIVRO DE CONTOS continua disponível. É só clicar no ícone da capa, no alto, à direita. Como mencionei no post de lançamento, o livro está em formato pdf, ou seja, pode ser copiado, impresso, arquivado ou distribuído à vontade. 




sábado, 15 de fevereiro de 2014

LIVRO DE CONTOS


PDF quer dizer portable document format, ou formato portátil de documento. Desenvolvido pela Adobe Systems em 1993, e aperfeiçoado desde então, é uma ferramenta de arquivo que permite, além de preservar documentos de alterações e modificações, conferindo-lhes uma forma equivalente a uma versão “impressa”, proporcionar sua transferência sem obstáculos para qualquer tipo de plataforma, podendo ser lido, distribuído, divulgado, impresso ou guardado sem a necessidade de programas especiais ou conhecimentos mais profundos de informática. Por isso mesmo, tem sido o meio por excelência utilizado por escritores anônimos e ignorados pelas editoras para publicar seus livros. Como eu.

Resolvi, então, valer-me de mais esta maravilha da era virtual e lançar o meu primeiro LIVRO DE CONTOS, em que reuni  sete textos que escrevi  entre 2008 e 2012. Alguns dos visitantes deste PALAVRA ESCRITA já tiveram conhecimento deles pois, antes da criação do blog, tive a desfaçatez de mandá-los por e-mail para resignados amigos. Para estes, só posso pedir quer se munam de sua proverbial paciência para comigo e informar que aquilo que já leram ganhou uma roupagem mais “literária”. Aos demais, faço votos para que se disponham a “baixar” o livro e tirem algum proveito da sua leitura, na tela ou, se preferirem, imprimindo suas páginas. Para tanto, basta “clicar” no ícone da capa, no alto à direita.

Ah! é de graça...

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2014



domingo, 9 de fevereiro de 2014

A NOITE QUE MUDOU A AMÉRICA








MARQUISE DO CBS STUDIO 50: BEATLES APENAS MAIS UMA ATRAÇÃO...















ED SULLIVAN E OS BEATLES (09/02/1964)


Embora já famoso na Europa, os som dos Beatles só chegou ao Brasil depois de passar pelos Estados Unidos. Desde o início da década de 1950, éramos uma “colônia” da música americana. É claro que esta influência vinha de antes, dos musicais das duas décadas anteriores, dos filmes glamorosos de Fred Astaire e Ginger Rogers, da magia de George Gershwin e Cole Porter, do jazz que finalmente penetrava com força na cena artística, do lendário concerto no Carnegie Hall. 

Mas, por aqui, nos anos 30 e 40, a música francesa ainda tinha vez, com os seus chansoniers, o charme simpático de Maurice Chevalier, o mistério da voz de Dany Dauberson, os nervos à flor da pele da Piaf. Também chegavam às ondas de rádio os potentes tenores italianos, suas baladas napolitanas e O Sole Mio, Torna a Surriento e Santa Lucia eram peças de riguer no repertório de qualquer cantor aspirante ao estrelato.

A partir do término da Segunda Guerra Mundial, tudo mudou. Primeiro, foi a maciça invasão da cultura norte americana. Vencedores em toda a linha, tomaram de assalto o mercado global com seus hábitos, seus produtos e sua música. Depois, em 1953, explodiu o tsunami do rock’n’roll. A partir daí, só davam eles.

Assim, apesar de terem já atingido o topo das paradas no Reino Unido em 1962 e se tornado o foco central de uma histeria coletiva em vários países europeus, no Brasil só sabia-se da existência dos Beatles pelas notas de jornal de algum colunista musical mais antenado. O desconhecimento era tão grande que alguns amigos meus estranhavam os nomes. Confundiam John Lennon com Jack Lemmon (grande ator cinematográfico), Paul McCartney com o General MacArthur, George Harrison com George Hamilton (famoso galã de Hollywood). Ringo Starr, bem, isto era um nome esquisito por si mesmo.

Mas, a partir de 7 de fevereiro de 1964, isto começou a mudar. Nesse dia, os meninos de Liverpool chegaram ao aeroporto de Nova Iorque, recém batizado com o nome de John F. Kennedy e os 3.000 jovens que lotavam o saguão deram início ao fenômeno da beatlemania. Vinham num avião da PanAm para aparecer, dois dias depois, no mais prestigiado show da TV americana, o Ed Sullivan Show, com uma audiência contabilizada em mais de 73 milhões de telespectadores – quase metade da população dos Estados Unidos. Essa noite será celebrada hoje, cinquenta anos depois, em todo USA, como “The Night That Changed America” (A Noite Que Mudou a América) com um monumental recital na rede CBS. Meu amigo Homero Ventura, blogueiro de escol, beatlemaniaco histórico e profundo expert dos Fab 4, disse tudo no seu post, cujo link está a seguir.


Nos dez dias seguintes, tempo da permanência do quarteto no país, tudo aconteceu. Shows lotados, desmaios de adolescentes, pernoites de fãs no frio da noite à porta dos hotéis, engarrafamentos de trânsito. Alguma imprensa ainda tentava minimizar a onda, como o TIME Magazine, que os havia classificado como “shaggy Peter Pans, with mushroom haircuts” (Peter Pans desmazelados, com cortes de cabelo parecendo cogumelos”)...

Mas, como diz a canção sobre Nova Iorque, “if you can make it there, you'll make it anywhere” (se você consegue acontecer lá, você acontecerá em qualquer lugar). A Grande Maçã é uma caixa de ressonância planetária e nada conseguiu impedir a epidemia. Assim que voltaram a Londres, reuniram todo o material registrado na viagem e montaram o filme-documentário  A Hard’s Day Night. Em março, os cinco primeiros  top hits da parada de sucessos americana eram deles.

E, então, a febre chegou ao Rio. No dia 1 de abril (dia seguinte à Revolução de 31 de março), sai com o meu carro pela Praia do Flamengo, juntamente com milhares de pessoas que celebravam a queda de João Goulart. No rádio, tocava o novo hino da juventude – I Wanna Hold Your Hand.

O resto é história. O quarteto inglês superou tudo o que havia acontecido antes em termos de música popular. As grandes idolatrias anteriores, como Bing Crosby, Frank Sinatra e até Elvis Presley, não chegaram aos pés da importância dos Beatles. Até porque sua obra transcendeu os limites do convencional, explorou nuances nem sequer imaginados por quem os tinha precedido. Obras-primas de experimentação musical que vêm encantando gerações em cadeia (meus netos de dez anos de idade cantam suas músicas) e que, sem a menor dúvida, perpetuarão seus autores na memória do futuro da mesma forma como hoje se reverenciam os grandes compositores clássicos do passado.

Long live the Beatles!


Oswaldo Pereira
Fevereiro 2014




quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

PRIMEIRO ANIVERSÁRIO

UM ANO DE BLOG!

Mas, quem merece mesmo os Parabéns são os abnegados leitores que fizeram com que o número de visitas nestes doze meses ultrapassasse a marca de 11.000!

Obrigado, Thanks, Gracias, Merci, Grazie, Danke, Cпасибо e mais outras expressões de agradecimento nas muitas línguas dos muitos países de onde estas visitas se originaram.

Sensação gostosa, que o milagre da www (world wide web) nos permite, de poder lançar para o mundo este modesto impulso de divulgar a PALAVRA ESCRITA.

Mais uma vez, MUITO OBRIGADO!

Oswaldo Pereira

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

ROMANOS, MOROS Y CRISTIANOS


Há terras que contam sua história pelas pegadas das civilizações que as palmilharam. Geralmente, são campos férteis ou bacias hidrográficas, de clima bom ou pelo menos adequado ao plantio e à criação de animais, cujos atrativos propiciaram uma fixação contínua ao solo. Às vezes, o poder de retenção das gentes ao lugar tinha a ver com a existência de metais preciosos, facilidade de defesa, além de água e comida abundantes.

Com o passar do tempo, os ativos naturais dessas regiões transformavam-nas em motivo de cobiça de culturas supervenientes e, assim que um povo exauria sua força de dominação, outro, mais forte, vinha ocupar seu lugar e, no processo de ocupação, não raramente tratava de erradicar os traços deixados pelo que o precedera.

Mas, felizmente, nem sempre conseguiam. Há civilizações tão poderosas, com expressões culturais, principalmente religiosas, tão profundas, cujos templos e cidades não puderam ser apagados com facilidade na poeira dos séculos.

E, se há um lugar no mundo em que tantos e tão imponentes traços de três grandes épocas sobrevivem em esplendor, esse lugar é o sul da Espanha, numa área que cobre parte da Extremadura e da Andaluzia.

MÉRIDA

PONTE ROMANA
Ao final do século I a.C., o mundo romano experimenta um breve momento de calma. É a Pax Augusta, uma clara confirmação do mando de Roma, estendido desde o norte da Germania ao sul do Egito, do leste da Judeia às praias do Atlântico. O Imperador decide então criar, às margens do Guadiana, uma cidade para abrigar os soldados licenciados (os emeritus) de duas valorosas legiões, a V (Alaudae) e X (Gemina), cuja maestria bélica havia assegurado o controle sobre as terras que vão do Sul do rio Douro ao Mediterrâneo – a Província Lusitana.

MERIDA NO SÉCULO I a.C.
Emerita Augusta é assim fundada em 25 a.C. e logo torna-se um importante centro cultural e administrativo, um exemplo vibrante das tradições e do modo de viver romanos. Logo, é elevada à condição de capital da província, o que demanda o estabelecimento de um imponente foro, um teatro com 6.000 lugares, um anfiteatro para 15.000 espectadores, um Circo para 25.000 e vários templos para seus deuses. É Roma no seu apogeu.



TEMPLO DE DIANA
A cidade manteve sua importância até os estertores do império. Quando este sucumbiu, vieram os visigodos. E depois outros, todos procurando suplantar o passado com suas marcas. Até as tropas de Napoleão fizeram estragos. Mas nada conseguiu apagar a presença de Roma, que ressurge com nítida clareza nos diversos sítios arqueológicos que fazem a visita a Mérida uma volta aos tempos de César Augusto.



TEATRO ROMANO



GRANADA


PAREDES DO ALHAMBRA

Allahu-akbar! (Alá é grande). Escrita centenas de vezes nos volteios dos pórticos do Alhambra, esta invocação não deixa dúvidas. Os muçulmanos aqui plantaram o pujante germe de sua cultura, que sobrevive, seis séculos depois de sua expulsão do continente europeu, no lamento do flamenco, nos nomes começados com al, nos números arábicos e no tom de pele da paisagem humana de Andaluzia. Amorenado, isto é, da cor do mouro.


EXTENSÃO DA INVASÃO ISLÂMICA EM 730
A invasão da península pelos árabes foi fulminante. Em abril de 711, as tropas lideradas pelo general Tariq bin Ziyad desembarcaram ao pé de um cabo rochoso. Num gesto que seria hipoteticamente imitado quase novecentos anos depois pelo espanhol Hernán Cortés, Tarik mandou queimar os navios. Vitória ou morte.

Deu certo. Em 732, pouco mais de vinte anos depois, os mouros já haviam chegado à França, onde foram contidos na batalha de Tours por Charles Martel, e dominavam quase toda a península ibérica. E o monte rochoso de onde tinham iniciado sua invencível arrancada ganhara o nome de Djebel al Tariq (montanha de Tariq), que transformou-se com o tempo em gib al tariq e finalmente em Gibraltar.


ALHAMBRA
Sua dominação durou oito séculos. No final, a própria fragmentação do poder e as lutas internas facilitaram o movimento da reconquista cristã, começada já no início do segundo milênio. Mas, ainda no século XIII, as artes e o poderio muçulmanos ainda floresciam em cidades como Córdoba e Granada. Nesta última, em 1237, o sultão Muhammad I, fundador da dinastia nasrid, deu início, na colina de La Sabika, à construção de um palácio-fortaleza de apaixonante beleza. A Al-Hamra (a Vermelha), como ficou chamada, ou porque era a cor dominante dos tijolos usados nas muralhas ou porque Muhammad era ruivo, foi erigida como uma cidadela murada e obedecendo a um planejamento arquitetônico utilizado no ápice do estilo granadino. A sequência de pátios, fontes e jardins, todos magníficos, entremeando salões e alcovas ensombradas e ricamente ornadas de azulejos com seus desenhos coloridos e geométricos preservavam um frescor de refúgio, não só do calor andaluz mas, dizem, das notícias sobre as vitórias cada vez mais decisivas dos cristãos.


ALHAMBRA - PÁTIO DOS LEÕES





ALHAMBRA - ESTILO GRANADINO



























Em 1492, Granada cai ante os Reis Católicos Fernando e Isabel. É o último baluarte mouro. O Islã deixa o continente, mas sua alma sobrevive em Alhambra. 


SEVILHA

Em 1248, Sevilha torna-se cristã. Pelos próximos quatrocentos anos, será o centro do império espanhol, onde o sol nunca se punha. 

CATEDRAL DE SEVILHA E GIRALDA
Logo no século XIV, Pedro I de Castela, um rei a quem alguns chamam de Justiceiro e outros de Cruel, enamorou-se da cidade e, nos intervalos de suas muitas guerras contra familiares e outros adversários, faz aí construir seu palácio, o Real Alcázar. Contrariando o preconceito e a intolerância, dá um toque mouro ao edifício, inclusive, para horror de muitos, contratando artistas muçulmanos ao vizinho sultanato de Granada, propiciando o nascimento da arquitetura mudejar, estilo que se espalharia pela península. 

CATEDRAL DE SEVILHA - TÚMULO DE CRISTÓVÃO COLOMBO

Seus sucessores, entretanto, não mostrariam tanta benevolência para com os infiéis e desencadeariam no século seguinte uma sangrenta perseguição religiosa contra árabes e judeus, mandando para as fogueiras da Inquisição todos os que não abjuravam de sua crença. Autos de fé passaram a ser espetáculos frequentes nas praças da Juderia, onde hoje as suas vielas intrincadas com nomes evocativos como calle de la vida e calle de la muerte compõem o charmoso Barrio de Santa Cruz.


BARRIO DE SANTA CRUZ

FLAMENCO

No final do século XV, o mundo se abre para a Espanha. Fernando e Isabel resolvem apostar no sonho de Colombo. O genovês não chega às Índias, mas abre o caminho para as minas de ouro e prata das Américas. Sevilha assume seu papel de ponto de partida e de chegada das expedições que transferem um incalculável tesouro em metais preciosos. E é na Casa de Contratación que todo esse tesouro passa, antes de ser distribuído pelo reino. E é também lá que são armadas as frotas de naus que se lançam pelo Atlântico, à procura de mais riquezas, como as esquadras de Fernão de Magalhães, de Cortez e de Pizarro.

PLAZA DE ESPAÑA

São recursos ilimitados, que permitem a construção de monumentos grandiosos, como a espetacular Catedral, a maior igreja gótica do mundo, e a terceira em tamanho, menor apenas do que São Pedro, no Vaticano e São Paulo, em Londres. É a arte medieval cristã no auge de sua pujança, com inúmeras capelas cobertas de relicário dourado e prateado, altares gigantescos trombeteando em seu silêncio majestoso a glória da fé católica.




Três credos, três culturas, três capítulos da História Universal. No sul da Espanha.

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2014