quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

NO TIME...

 


We have all the time in the world (Temos todo o tempo do mundo) ...

Esta música, composta por John Barry e Hal David, e cantada magicamente por Louis Armstrong, foi o tema de On Her Majesty’s Secret Service (007 A Serviço de Sua Majestade), quinto filme de James Bond. Em 1969, na data de seu lançamento, isto poderia ser verdade. Não é mais.

A estreia da última produção da franquia, No Time to Die, programada para acontecer em maio de 2020, foi sendo adiada, graças à ação maléfica de um vilão que Bond ainda não conseguiu vencer. O COVID-19. Hoje, a melhor estimativa para seu aparecimento nas telonas é abril deste ano. Isto é, ERA.

Desta vez, o adiamento não se deve exclusivamente à pandemia. Ocorre que os sucessivos atrasos acabaram por determinar a necessidade de refilmagem de várias cenas.

Entenda-se o seguinte. O personagem do agente britânico com licença para matar caracterizou-se, desde o primeiro filme da série, por valer-se, em suas missões, dos melhores e mais avançados gadgets que a engenharia era capaz de produzir. Todos fornecidos, com uma certa relutância enfezada, pelo proverbial e rabugento Q (o saudoso ator Desmond Llewelyn) e, mais recentemente, por um nerd vivido por Ben Winshaw.

Com o sucesso cada vez mais aumentado da franquia, várias indústrias logo vislumbraram uma fantástica e única oportunidade para a merchandising de seus produtos. Lembram-se da pasta 007, usada por Bond em From Russia With Love? Pois é. Em semanas, todos os aspirantes a espiões charmosos no mundo inteiro incluíram aquele adereço em seus sonhos de consumo e, até hoje, executivos de Tóquio a Nova Iorque ainda a usam.

A partir daí qualquer brinquedinho usado por Connery, Lazemby, Moore, Dalton, Brosnan ou Craig na pele de Bond passou a entrar nas wish lists da moçada.

Cientes desse incomensurável poder de criar desejos, os fabricantes de produtos de tecnologia avançada, que pudessem ajudar o agente secreto a cumprir suas arriscadas missões, passaram a cortejar os estúdios e oferecer patrocínio financeiro, desde que seus carros, aviões, armas, relógios, celulares, óculos, roupas, et caterva entrassem na trama e fossem exibidos pelo protagonista.

Como não podia deixar de ser, No Time to Die, segue a tradição e confere a Bond a costumeira dose de gadgets de ponta. Só que...

Nestes doze meses em que a produção esteve engavetada, o estado da arte de muitos dos apetrechos tecnológicos usados no filme avançou. E os patrocinadores mandaram logo o recado de que seria inadmissível ver 007 usando uma linha ultrapassada de seus produtos. Pressionado, o studio vai ter de refilmar todas as cenas em que Bond não está munido do último lançamento dos itens de seu arsenal de engenhocas.

Moral da história. Não temos mais todo o tempo do mundo. Nem James Bond e nem nós.

Oswaldo Pereira

Janeiro 2021

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

BIDEN

 


Da água para o vinho. Ou o contrário, dependendo da trincheira política em que você se encontre. A mudança do poder na Casa Branca, no meio de um mundo tumultuado por pandemias e polarizações, reflete à perfeição o animus do momento.

São duas personalidades diametralmente opostas, sob qualquer prisma que se observe. Trump dispensa, a esta altura do campeonato, comentários e apresentações. O planeta inteiro já o conhece sobejamente. Assim que foi eleito, em 2016, sua fanfarra já anunciava, aos quatro ventos, o tipo de presidente que sua basta e rebelde cabeleira loura parecia representar.

Eu mesmo, no modesto escaninho deste meu blog, escrevi um texto, “O Elefante na Casa Branca”, que você, caro leitor, pode encontrar neste LINK. O imprevisível assumia o comando da maior potência do globo.

Joseph Robinette Biden Jr pode ser tudo, menos imprevisível. Com uma sólida carreira no seio do Partido Democrata, seu jeito, sua cartilha, seu credo e sua agenda não deixam lugar a especulações. Seus 48 anos de história pública, desde que foi eleito, aos 30 anos, senador pelo Delaware, são mais que reveladores.

Acima de tudo, Joe Biden cunhou uma imagem de sagaz sobrevivente na cena política americana e de hábil navegador de seus meandros e labirintos. Disse e depois desdisse-se em muitas ocasiões, apoiou e abandonou muitas ideias e propostas, foi à frente e voltou atrás vezes sem conta. O proverbial politician’s politician, ou seja, um animal político por excelência.

Suas tragédias pessoais (morte da primeira mulher e de uma filha bebê num acidente em 1972, a de um filho de 42 anos, em 2015, e sua própria quase morte em 1988 por um aneurisma cerebral), certamente devem ter-lhe dado a fibra e a dura força de vontade que é um dos destaques de sua personalidade e que o fez chegar até aqui.

A pergunta é: será Biden, nesta hora de quedas de braço comerciais e ideológicas com a China, de desarranjo econômico nos Estados Unidos e no mundo, de um possível acirramento no Oriente Médio com o posicionamento nuclear do Irã, de uma União Europeia lutando para manter a cabeça fora d’água, o homem certo na hora certa?

Esperei para ouvir o seu discurso de posse. Há quatro anos, assisti ao de Trump, e dei minha opinião num post intitulado “Discurso Inaugural” (podem lê-lo neste outro LINK. Sempre achei que a fala inaugural era o momento em que o novo presidente anunciava ao país e ao mundo qual seria o caráter e a marca de seu mandato.

Biden, se não foi brilhante, pelo menos tentou ser inspirador e escolheu como tema predominante de sua oração e homilia a procura do que, talvez, seja o que mais falta há por aí. Compreensão, respeito e união.

Oswaldo Pereira

Janeiro 2021

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

RELAX!

 


Quer queiram quer não, estamos vivendo uma era de confrontos. Não os grandes, que sempre foram os alicerces das profundas modificações, das guerras que destruíram impérios e construíram outros, das cruciais reviravoltas que mexeram com a História.

Estou falando do pequeno confronto, da divergência quase tribal e de esquina, da discussão a varejo. Estamos, como nunca, na era da polarização social. Até a primeira frase deste texto, quer queiram quer não, já é uma introdução ao ambiente polarizado em que vivemos.

Discute-se tudo. Da forma da Terra ao cabelo de Trump, todos os assuntos são abordados de forma antagônica e oposta, bastando para isto existirem duas pessoas tentando (em vão) comunicar-se. Há um estoque de argumentos para ambos os gostos, provas e citações que se contradizem diametralmente, ditas sempre em tom belicoso e no ritmo de quem não está comigo...

O meio termo foi para as cucuias. Ninguém procura, ou está minimamente interessado, em ceder terreno em suas convicções. As palavras que abrem qualquer interlóquio, invariavelmente ditas com alguns decibéis a mais, as famosas na minha opinião, já anunciam que o que vem por aí é um dogma, uma verdade monolítica e insofismável que não admite divergências.

Tudo hoje tem o fervor que antigamente era apanágio apenas das paixões futebolísticas e das profissões de fé. Atualmente, até um mero desacordo sobre o tamanho correto do colarinho do chopp tem o condão de suscitar arrepiantes libelos e longas batalhas verbais.

Nos lugares onde antes procurávamos informação, o fato desapareceu da notícia. Na TV e na Web, o que resta são as interpretações do fato, tão distantes uma da outra quanto for a linha dogmática de quem as divulga. Há um buraco no meio, e a verdade caiu nele.

Eu sei, eu sei...  todo mundo fechado em casa, ou amordaçado quando sai, os abraços foram postos fora da lei, o álcool gel é o perfume da moda. Há uma irritação globalizada.

Mas, mesmo assim, ou até por isso mesmo, acho que está mais do que na hora de baixar a bola da agressividade, tentar ouvir antes de falar e, já que não se deve estender a mão, fazer pelo menos um sinal, um aceno, um polegar para cima. Algo que torne as mensagens menos abrasivas e cáusticas.

Relax, gente.

Oswaldo Pereira

Janeiro 2021

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

ESCUTA AQUI, 2021

 


Parecia um portal. A entrada para uma nova dimensão. Um espelho líquido que nos iria transferir para a Terra Encantada. O novo ano parecia tudo isto. E o céu também.

Bastaram cinco dias e 2021, deste outro lado do espelho, é um duende de testa franzida e maus bofes. Nem está aí para as nossas dores e as nossas esperanças. Me lembra a piada do aspettate il barítono, que já contei aqui, mas vou repetir.

Uma vez, na Itália, uma plateia enfurecida vaiava impiedosamente o tenor. Em dado momento, ele parou de cantar e, antes de se retirar do palco, disse: esperem pelo barítono. Que provou ser muito pior que seu antecessor.

Que todos os bons espíritos esconjurem, mas, me digam, será que depois de um 2020 de sinistra memória, 2021 vai ser o barítono?

E isto é maneira de começar? Nova cepa do COVID, colocando em dúvida a eficácia das vacinas. A crescente compreensão de que a sua aplicação será mais lenta do que o imaginado. A ideia, cada vez mais prevalente, de que o grau de eficácia da imunização vai ficar, na média, bem abaixo do 90%. E a certeza de que ainda vai levar muito tempo, até que possamos nos livrar das máscaras, do confinamento, do distanciamento social, dos lockdowns e desta pegajosa sensação de que estamos parados enquanto o tempo passa.

Muita gente foi dormir na noite 31 de dezembro embalada por sonhos e champanhes. 2020, finalmente, chegara ao fim e as fadas do calendário iriam substituir a folhinha por outra, como antigamente, cheia de paisagens de montanhas cobertas de neve pura brilhando ao sol, florestas da Nova Inglaterra com suas folhas de cores inconcebíveis, praias com coqueiros e ondas azul-esverdeadas.

Este era o cenário. Esta era a promessa.

Assim, vamos ter de encarar 2021, chamá-lo para uma conversa dura e adverti-lo.

Nem pense em nos decepcionar!

Oswaldo Pereira

Janeiro 2021