terça-feira, 27 de agosto de 2019

AMAZONIA




Que interessante! De repente, todo mundo, desde Chefes de Estado europeus até ambientalistas de poltrona, passando por artistas alheios e pátrios, políticos verdes de todas as cores, gente com cocar na cabeça a pensar que são indígenas desde criancinha, jornalistas e comentaristas de todos os continentes, achou-se no direito de declarar, peito estufado por um repentino amor à Natureza, que entende de Amazônia. Aqui em Portugal, há jornais que abrem manchetes para informar seus espantados leitores que o Presidente Nero Bolsonaro estava destruindo o pulmão do mundo. No principal telejornal do país, um repórter da RTP, transmitindo de Mato Grosso do Sul, carregava na expressão facial para mostrar uma queimada que ocorria atrás de si, declarando soturno: “a Amazônia está a arder”. Só que Mato Grosso do Sul fica a uns 1.000 quilômetros de distância do Amazonas...

Menos, gente, menos.

É preciso entender que Amazônia é um mundo à parte, engloba uma gigantesca área de 7 milhões de quilômetros quadrados (maior que a União Europeia), seis países, vários climas, inúmeros habitats animais e quatro fusos horários. Como última reserva florestal significativa do nosso planeta e repositório de incalculáveis reservas minerais e vegetais, além de abrigar povoações silvícolas em estado primitivo, a região exerce um fascínio que, além de tornar a preocupação com seu futuro um nervo sensitivo no tecido dos debates internacionais, propicia a criação de incontáveis mitos e lendas. Alguns deles:

.a Amazônia é o pulmão do mundo
Não é.  99% da renovação ambiental gerada na floresta é absorvida pela própria biomassa amazônica. Sua contribuição para a atmosfera global é insignificante. O verdadeiro pulmão planetário são os oceanos e as algas que neles existem. Esses mesmos oceanos cruelmente poluídos e estrangulados pelos bilhões de toneladas de plástico atiradas ao mar, principalmente pelos grandes poluidores europeus e pelos Estados Unidos.

.o Brasil não tem política ambiental
Falso. A Agência EMBRAPA (Empresa Brasileira de Proteção Ambiental), em recentíssima apresentação, divulgou os seguintes dados:
A Área de Preservação Ambiental no Brasil é de 257,3 milhões de hectares (equivalente a 15 países da comunidade europeia). Somando 154,4 milhões de hectares de área protegida e outros 117,9 de reservas indígenas, este número corresponde a 30,2% de todo território brasileiro. Só para efeito de comparação com outros países de dimensões continentais, a Austrália preserva 19,2%, a China 17,0%, os Estados Unidos 13,0%, a Rússia 9,7%, o Canadá 9,5% e a Índia 6,0%.

.o agronegócio brasileiro está acabando com a Amazônia
Errado. Novamente, vamos comparar. Mesmo sendo o maior produtor global de grãos, a área de cultivo brasileira usa apenas 8% do país. Nos Estados Unidos, a taxa de ocupação é o dobro. Na Europa, esta taxa de ocupação varia entre 50% e 70%.

Há uma afirmação, entretanto, que está corretíssima. Existe, sim, um imenso e internacional jogo de interesses, acobertado por uma capa espessa de protecionismo, que vem protagonizando uma poderosa e ilegal corrida às riquezas amazônicas. E isto não é de hoje.

Em 2004, estive eu em Manaus, para um encontro com oficiais do Exército, no Centro Integrado de Guerra na Selva. Já nessa altura, os comandantes militares da região externavam sua preocupação com a delimitação de terras indígenas em zonas de fronteira que, por consequência, ficavam desguarnecidas de supervisão policial e militar. Em várias apresentações, os mapas de levantamentos geológicos mostravam que a maioria dos sítios onde o subsolo era mais rico em minerais estratégicos coincidia com aquelas demarcações.

Madeira, plantas medicinais, nióbio, ouro, manganês, bauxita. E água, muita água. Isto e muito mais faz da Amazônia a cereja do bolo da cobiça internacional. Por trás da retórica ambientalista de um sem número de Organizações Não Governamentais (as ONG’s), grassa uma invasão criminosa e silenciosa. O Brasil sofre uma infestação de ONGs. São 270.000 delas. 100.000 só na Amazônia. Qualquer pessoa em seu santo juízo há de admitir que algo não está certo, principalmente quando se verifica que algumas organizações são financiadas por grandes corporações multinacionais e até por Governos, cujos líderes esquecem de olhar para o próprio umbigo e criticam abertamente o Brasil.

Temos culpa? É claro que também temos. A velha serpente da corrupção empeçonhou uma boa parte das agências e dos postos de fiscalização, cuja função seria impedir e denunciar este vertiginoso saque.

Por isto tudo, as queimadas na Amazônia disparam esta grotesca histeria de Macron & Cia. Há dois anos, as queimadas foram muito mais extensas. Ninguém no mundo reparou. Como antes referi, em 2004 o alerta já estava ligado. Ninguém no mundo se importou. Invectivar contra Bolsonaro é um expediente fácil. Pega bem junto aos já citados ambientalistas de poltrona. Mas, atenção. Enquanto alguns levantam cartazes e gritam slogans, o Governo brasileiro está enviando 46.000 soldados para conter o fogo da floresta e um bom número de investigadores para abrir a caixa-preta de muitas ONGs.

Oswaldo Pereira
Agosto 2019

domingo, 11 de agosto de 2019

O FUGITIVO II





Estava ouvindo-o passar pela minha janela. Não era o vento.
Fui espreitar no passado de meus escritos, e descobri que escrevera sobre ele. Lembro-me que chamei a pequena crônica de O FUGITIVO. Ei-la:

“O tempo.  Melhor em maiúsculas: O TEMPO.
Tente tê-lo. 
Colocá-lo em perspectiva, retalhá-lo em momentos, reparti-lo em tranches. Tente guardá-lo em gavetas, arquivá-lo em pastas, virtuais ou não. Tente enfiá-lo em envelopes, colocá-lo debaixo de pisa papéis, prendê-lo em gaiolas, amarrá-lo na memória.
Tente anotá-lo em agendas, colá-lo em álbuns, gravá-lo em CD’s. Tente prendê-lo com as mãos, segurá-lo com a alma, aprisioná-lo com o pensamento.
Tente de tudo para não o deixar fugir. Ele não volta para traz, não faz concessões. Com ele, não há replays, melhores momentos. Os valeapenaverdenovos são apenas fragmentos guardados no cérebro por neurônios que, aos poucos e inexoravelmente, se apagarão.
O Tempo. Uma sucessão de amanhãs que, como rabisco de um relâmpago, cortam o céu do hoje e se tornam num ontem inerte, já gasto e imutável. Na grande maioria das vezes, sem você sequer ver o clarão do raio, ouvir seu estrondo abafado, entender sua mensagem. Um grande estoque de horas que já se foram, sem remissão. Não se regrava o passado.
O Tempo. Um cronômetro que recebemos ao nascer e, por anos a fio, nem sabemos o que fazer com ele. Um trem veloz que tomamos na maternidade em direção ao futuro e em que passamos a maior parte da viagem simplesmente a olhar pela janela, a ver as estações que passam, a cumprimentar e a se despedir de gente que entra e que desce.
O Tempo. O mais imaterial dos bens, o mais perecível, o de obsolescência mais imediata. E, no entanto, o mais precioso. Aquele que não se vende, que não se pode comprar, de que não há barganhas, future tradings, balcão de ofertas.
Com ele não se indulge, não se obtempera, não se tergiversa. Vai seguir seu caminho sem volta, sem ouvir nossas promessas, nossas resoluções de ano novo, nossas súplicas, nossas orações. Vai seguir, senhor de si mesmo, sem olhar sobre os ombros, indiferente ao nosso pecado ou ao nosso valor.
Só há um jeito, uma maneira. Para não deixá-lo escapar.
Ande com ele. Reprima o cansaço, vença a sonolência, livre-se do torpor. Prepare as pernas, ele caminha rápido, é incansável e obstinado. Nem sempre a estrada vai ter pavimento, há rios para cruzar, florestas para vencer. Mas, não perca o ritmo. Não o deixe afastar-se, sumir na bruma, perder contato e fazer aquilo que o Tempo mais gosta.
Fugir.”

Depois de sentir o medo encrespar os pêlos na minha nuca, fui ver a data. Fevereiro de 2012. Sete e meio transitados anos. Um enjoado pânico. Para amansá-lo, resolvi entrar na contabilidade do que deixei feito e do que deixei de fazer. Com alguma benevolência, o saldo saiu-me quase positivo. A minha própria exortação de 2012, afinal, serviu-me. Ande com ele...

Oswaldo Pereira
Agosto 2019


terça-feira, 6 de agosto de 2019

DESTINOS CERTOS: MADRI



No século IX, auge da idade de ouro islâmica, a região fazia parte do Al-Andaluz. Sua planície e o rio que a cruzava pertenciam ao emirado de Córdova, governado por Muhammad (ou Maomé) I. Maomé tinha bom gosto, cultura e dezenas de excelentes arquitetos à sua disposição. Nas margens desse rio, cujo nome era Fonte de Água, ordenou a construção de um palácio para seu deleite e seu harém. Fonte de Água em árabe escreve-se al-Majrit. Quando, 700 anos depois, o rei de León, Afonso VI, a conquistou durante sua avançada para Toledo, a pequena vila que crescera ao redor do palácio já havia transformado o nome al-Majrit. Ela agora se chamava Madrid.

Hoje, ela está no centro geográfico, político, econômico e cultural da Espanha. Em 2010, a prestigiada revista Monocle a qualificou como a décima cidade mais habitável do planeta. Dez milhões de turistas a visitam todos os anos. Para quem está passando uma temporada em Portugal, ela está aqui ao lado. Menos de uma hora de voo, e você está no Aeroporto de Barajas. E a aventura começa.

Minha aventura inicial teve um sabor amargo. Logo na primeira viagem de metrô, um ardiloso (ou ardilosa) punguista surrupiou-me a carteira e lá se foram documentos e cartões bancários. Minha manhã de abertura em tierras madrileñas foi um rosário de ligações às agências bancárias e um périplo apressado entre a delegacia de polícia e o Consulado, para obter uma documentação que me permitisse pegar o avião de volta.

Mas aí, de repente, a tarde abriu-se num delicioso sol de verão e, aos poucos, o amargo do início foi sendo substituído pelo sabor de um delicioso prato de presuntos de diversas categorias no Museo del Jamón. Daí para a frente, Madri venceu.

A primeira palavra que os sentidos escolhem é imperial. A cidade foi feita para ser a capital de um império, cujo limite era a metade de um mundo que os espanhóis dividiam com os portugueses. Sua arquitetura, desenhada ao longo de grandes avenidas, parece falar disto em todas as rebuscadas fachadas barroco-clássicas, em seus parques, nas suas fontes e em suas praças.

Onde, no século XVI, os não-crentes ardiam nos autos-de-fé da Inquisição, você hoje, mesmo crendo apenas nos desígnios do destino, pode caminhar num enorme quadrilátero cercado de prédios palacianos e arcadas elegantes, repletas de lojinhas charmosas e restaurantes ao ar livre. É a Plaza Mayor.

PLAZA MAYOR

 Dê alguns passos preguiçosos e encontre outra imperdível experiência, esta deliciosamente gustativa. O Mercado de San Miguel, reino das tapas e das cavas, lugar de eleição dos naturais e dos turistas no pré-poente dourado de uma sexta-feira. Cheire, olhe, prove, beberique. E saia tão leve que a centena de metros para chegar à Puerta del Sol vão parecer um ligeiro flutuar.
PUERTA DEL SOL

Lá chegando, tire logo um selfie de seu pé em cima do Km 0, e saiba que você está bem no centro de Madri e da Espanha, de onde partem e aonde chegam todos os caminhos. Só então olhe a Praça, que vive em permanente adoração ao Sol que lhe dá nome. Coloridas tribos de artistas de rua, estátuas vivas, dançarinos, acrobatas e músicos de toda sorte cutucam o hippie que você deve ter no fundo da alma. Cantarole mentalmente Let the Sun Shine In e faça uma reverência.

Parar para descansar? Nem em pensamento. Mergulhe no caudaloso rio de gente que flui nas largas avenidas radiais que saem da Praça, como a Calle del Arenal ou a Calle de Alcalà. Deixe-se levar pela correnteza e você aportará na Fonte de Cibeles e no início da Gran Vía. Faça uma prece ao deus dos caminhantes e palmilhe essa broadway latina até chegar à Plaza de España. E então, só então, escolha uma esplanada, dê um merecido repouso às pernas e regale o estômago vazio com os petiscos da terra.

GRAN VÍA
No dia seguinte, se bem lhe aprouver, alimente o espírito. Juntinhos, ao redor do Paseo del Prado, estão três dos mais importantes museus de arte da cidade. O Thyssen, o Reina Sofia e o maior e mais famoso deles todos. O Museo del Prado.

Como qualquer dos mais comuns mortais, você já deve ter visto fotografias e reproduções do Las Niñas de Velásquez, dos autorretratos de Rembrandt, das Majas de Goya, d’O Jardim das Delícias de Bosch, do Autorretrato de Dürer, d’O Batismo de Cristo de El Grieco. Pois todas elas, junto com centenas de outras, estão a um palmo do seu nariz no Prado. São horas de puro êxtase.

'LAS NIÑAS" DE VELÁSQUEZ











Se a viagem for curta como a minha, arranje ainda um tempo para ir à Catedral de la Almudena, a imensa igreja sede de Madri. E, impreterivelmente, ao Palácio Real. Construído no mesmo sítio onde Maomé I erguera o seu no século IX e dera origem à cidade, o edifício reafirma o caráter monumental da capital espanhola. Tudo é grande, majestoso, imperial.

PALÁCIO REAL DE MADRI
Por fim, coma uns churros con chocolate no San Ginés e ande. Ande sempre. Há vielas, esquinas, feiras populares, como a de El Rastro, cantinhos, portas, janelas, cheiros sons e cores esperando por você. E depois, volte para casa com a sensação que ainda há muito, muito para ver neste destino certo que é Madri.

Oswaldo Pereira
Agosto 2019