quarta-feira, 10 de agosto de 2016

ABERTURA



Esperei um pouco. Achei melhor deixar a emoção do momento arrefecer, aguardar a poeira de purpurinas baixar. Respirar fundo, antes de escrever.

E agora, quase uma semana depois da festa, eu penso que já posso me arriscar a falar da Cerimônia de Abertura destes XXXI Jogos Olímpicos. Comecemos pelas expectativas que a antecederam.

Marcada para acontecer num momento nada propício, a Olimpíada do Rio foi chegando como um desastre anunciado. Na cabeça de muitos, tanto brasileiros como estrangeiros, havíamos dado um passo maior que as pernas e, inconsequentes, nos comprometido com algo muito acima da nossa capacidade e competência. Algo para o qual o jeitinho nacional provaria ser inoperante, expondo-nos ao ridículo e ao opróbrio, quando nos comparassem com os anfitriões precedentes.

Além das catástrofes vaticinadas sobre a impontualidade no cronograma de construção das instalações desportivas, sobre deficiências da malha de transporte coletivo urbano, sobre os problemas de segurança pública, sobre a inadequação dos meios de transmissão de dados, sobre a poluição da baia da Guanabara e até sobre a vaia que o nosso Presidente interino iria receber, o grande receio recaia sobre o espetáculo da Abertura do Jogos.

Todos citavam com enleio as montagens anteriores, a Rainha e 007 em Londres, as cores e os dragões de Pequim, a epopeia mitológica de Atenas. Até a farsa da flecha flamejante em Barcelona e o ursinho Misha de Moscou eram celebrados. Aquilo sim é que foi festa..., diziam, murmurando nas entrelinhas a descrença de que pudéssemos sequer igualar aqueles grandiosos feitos.

Esqueceram-se de um fato importante. Neste Rio de Janeiro, todos os anos em fevereiro, tem lugar um dos maiores shows do planeta, com milhares de pessoas evoluindo num mundo de fantasia construído com isopor, papelão, cola e muita criatividade. Somos craques em colocar na rua um desfile monumental, um cortejo de carros alegóricos gigantescos, coortes de ritmistas, alas e mais alas posicionadas como as ondas de um rio que corre no canyon da Sapucaí e conta uma história mágica. Somos os mestres da improvisação, mas com Carnaval não se brinca.  Tudo funciona como um relógio.

Esqueceram-se também da enorme qualidade da equipe que criou a festa. Fernando Meirelles, Andrucha Waddington, Daniela Thomas e Deborah Colker já dispensavam apresentações. Seu currículo era suficiente para garantir pelo menos um voto de confiança antecipado.

E o que se viu foi deslumbrante, agora eu posso afirmar com a certeza da cabeça fria. E mais. Foi a “nossa” festa. Feita com a mesma dose de imaginação no uso do simples e barato, a mesma explosão criativa a partir de recursos escassos. A famosa gambiarra que faz a glória e a majestade das escolas de samba.

Contamos a nossa história, demos o nosso recado, mandamos uma mensagem para o mundo, e fizemos isso misturando bossa-nova e Giselle, funk e MPB, índios, descobridores e imigrantes, usando apenas elásticos, caixas de papelão, computação gráfica e muito, muito talento.

É...  Pensei que a emoção passara. Mas, agora, escrevendo estas mal traçadas linhas, vem o mesmo nó que travou a minha garganta no momento em que Paulinho da Viola cantou o hino. Não sei se o decorrer dos Jogos vai trazer à tona alguns, ou vários, problemas. Espero sinceramente que não. Mas, no quesito Abertura, não teve para ninguém...


Oswaldo Pereira
Agosto 2016




11 comentários:

  1. Lindo Tio Oswaldo! Aquele abraço de Lisboa. Filipa

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    1. Brigadão, Pipas. Pena que você não esteja no Rio neste momento. A cidade está banhada de felicidade e emoção. É difícil dizer que está mais alegre - se os turistas ou os da terra...

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    2. Adorava estar aí, sobretudo perto de vocês. Beijos

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  2. Tive a mesma sensação que você teve. Que espetáculo para ninguém botar um defeito sequer.Uma história contada de cabo a rabo do Brasil.O que me fez arrepiar foi a homenagem ao Jobim com seu neto Daniel ao piano com o mesmo chapéu que o avô usava, Maravilha. bjs Zezé

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    1. Achei esta cena tão linda que escolhi a imagem da Bundchen desfilando para encabeçar este texto...

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  3. Bela e majestosa imagem da Gisele, e da festa que foi, realmente, acima de todas nossas certezas. Escolher bem é sinal de inteligência e isso aconteceu. Abraço,
    Cleusa.

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  4. Caro Primo,
    Se você voltou a sentir o nó na garganta, comigo foram as lágrimas que tomaram meus olho durante o belíssimo espetáculo de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro, que novamente se fizeram presentes quando da leitura de sua crônica.
    Já ganhamos algumas medalhas e certamente conquistaremos outras, mas isso já nem importa, depois da festa inaugural e do transcurso organizado e tranquilo dos Jogos Olímpicos na nossa Cidade Maravilhosa. Nesses tempos de tanta decepção e desilusão com o meio político, a realização da Olimpíada nos dão alento e enchem nosso peito de orgulho.
    Abraços,
    Geraldo

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    1. Uma linda prova de que, quando queremos e acreditamos, tudo pode ser feito.

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