quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

PAPO DE BAR - INFERNO ASTRAL




ENTÃO, O QUE ACHOU?


















DO OSCAR? BEM... ACHO QUE O  BIRDMAN...


















«Que Oscar, cara! Estou falando de coisa séria. Da inflação, da greve dos caminhoneiros, da ameaça do Lula...»

«Ué, você não sabia? Acabou o Carnaval e 2015 começou... É hora de pagar a conta»

«Não me venha com brincadeiras. Estou perdida, desorientada. Já não chega o massacre diário do Petrolão? As balas perdidas, a Guiné Equatorial vencendo o desfile, a famigerada crise hídrica? Que diabos de inferno astral é esse?»

«Lá vem você procurando um motivo esotérico para esta tempestade perfeita nos céus de Pindorama. O que você acha que iria acontecer, depois da farra eleitoral armada para reeleger a “Presidenta”? Da varredura para debaixo do tapete do aumento das tarifas dos serviços públicos? Do desvio das verbas governamentais destinadas a remediar a infraestrutura de energia, estradas e educação para pagar a bilionária campanha política?»

«Ora, isto já aconteceu no passado. Campanhas de reeleição sempre se valeram de maquiagem de índices, garfadas na bolsa do erário, uso da máquina estatal para aumentar os índices de popularidade do Governo. E nunca criaram uma confusão tão grande»

«É que agora os tempos são outros, minha querida. E só alguém muito desatento, ou mal intencionado, não percebe isto. A partir de 2008, o mundo começou a entrar em outro ciclo. Desde os tempos bíblicos que é assim. Lembra-se das “vacas magras”? Pois então. Os grandes motores mundiais, China e Índia, diminuíram a rotação. Daí, o preço do petróleo caiu para a metade e quebrou a Rússia. Para distrair, o Putin criou um foco de tensão na Ucrânia e só Deus sabe onde isto vai parar. A União Europeia já estava quebrada e agora tenta sair da UTI. Isto é, se a Grécia deixar... Ao nosso Norte, temos o Obama paralisado por um Congresso Republicano e hostil. Quer mais?»

«OK. Mas isto são, como você falou, ciclos. E ciclos vão e vêm, não é nada de novo...»

«Concordo. Só que há um ingrediente tupiniquim que azeda o caldo. A velha bruxa da corrupção. Você pode até argumentar que ela voa em sua vassoura desde o tempo de Tomé de Souza e que suas irmãs assombram outros continentes. O problema é que aqui, com o tempo e a permissão da sociedade, ela entrou na corrente sanguínea, invadiu as artérias da Nação, em cujo útero plantou o gigantesco ovo da impunidade. E tornou-se tão grande, tão onipresente, tão endêmica que estamos diante do absurdo dos absurdos. Se a Polícia Federal decidir investigar e prender os envolvidos em todos os casos de corrupção do País, o Brasil para»

«Aí eu discordo. Corrupção são pessoas. Instituições podem sobreviver. Basta substituir os corruptos, fazer uma faxina. Grandes empresas internacionais também se meteram em tenebrosas transações e se autorregeneraram»

«Não, minha querida. Instituições são as pessoas que as administram. Empresas são a soma das decisões das pessoas que estão no seu comando. Partidos políticos também. Foi a cúpula do PT, por exemplo, que engendrou a estratégia do Mensalão e seu filho bastardo, o Petrolão. Tudo com o objetivo de se perpetuar no poder sob o manto da Democracia. E o irônico de tudo isto é que exatamente a reeleição da Dilma pode determinar o esfacelamento do Partido. A bomba que estouraria no colo do Aécio, acabou por rebentar na cara do PT. Por isso, o Lula está tão brabo. Cometeram um erro estratégico. Deviam ter deixado a oposição ganhar...»

«Bem... E agora?»

«Não sei... A esotérica aqui é você. Por que não consulta a sua bola de Cristal?...»


Oswaldo Pereira
Fevereiro 2015



terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

OSCAR 2015






Acabamos sempre sendo apanhados pela magia e mais uma vez nos rendemos à festa. Cada ano é um ano e a premiação da Academia tem este pendor de, mesmo dentro do formato tradicional de música e dança, piadas, abertura de envelopes e discursos de agradecimentos, alternar estilos. Em 2014, tivemos a farra irreverente de Ellen DeGeneres, brincando com todo mundo, aproveitando a onda nascente dos selfies e até encomendando uma pizza em pleno show. Agora, o humor contido e rápido de Neil Patrick Harris fez um Oscar mais disciplinado, até businesslike, meio no “padrão”. 

Como não consegui ver todos os indicados (um dia ainda vou conseguir...), não posso julgar o acerto da escolha. Mas, intimamente, nutria uma predileção pelo Grande Hotel Budapeste, por todo o seu nonsense elegante e seu ritmo frenético. Vi Birdman, o vencedor, mas não me deixei empolgar, mesmo com a soberba atuação de Michael Keaton. Mas, no quesito Melhor Ator, concordei inteiramente com os membros da Academia: Eddie Redmayne transmutou-se em Stephen Hawkins, assim como no passado, por exemplo, Ben Kingsley havia-se transmutado em Gandhi, Meryl Streep em Margaret Thatcher e Daniel Day-Lewis em Lincoln (todos ganhadores da estatueta). Por fim, foi o ano dos indies, os filmes de produção independente e o bicampeonato dos mexicanos na Direção (Alfonso Cuarón, em 2014, e Alejandro Iñárritu anteontem).

Além das premiações, é claro, o que sempre distinguiu a cerimônia foi o seu invólucro de cores, seu inigualável mise-en-scène em palcos suntuosos, como só os americanos são capazes de fazer. Isto e mais os belos números musicais. A receita é infalível. E proporciona surpresas magníficas, como foi ver a multifacetada Lady Gaga “arrasar” na homenagem aos 50 anos do The Sound of Music, com direito à presença de Julie Andrews. O poderoso discurso de aceitação do rapper Common, vencedor com a canção Glory, do filme Selma, foi outro destaque, assim como o grito de Patricia Arquette pelas mulheres. E, evidentemente, a paródia de uma cena de Birdman, levada a cabo pelo apresentador Neil Harris e que o fez aparecer de cuecas no palco mais visto no planeta...

Este é o encantamento que nos leva a ficar acordados numa noite de domingo, com os olhos presos na telinha e sonhando com o universo mágico do cinema, esta arte que é a sétima e que nos faz flutuar num mundo paralelo. E, de repente, revendo atores com quem “convivemos” por anos a fio e constatando que eles também envelheceram. Tanto quanto nós...


Oswaldo Pereira
Fevereiro 2015







sábado, 21 de fevereiro de 2015

A TOMADA DE MONTE CASTELLO - 70 ANOS






“Seis e meia. Como uma maré enchente, um mar
verde-oliva e caqui começou a movimentar-se. Saindo de
detrás de muros de pedra, de dentro de celeiros, para fora
de estábulos e galpões, do fundo de fox-holes, centenas de
homens como que impulsionados por uma gigantesca mola
foram cercando o sopé do morro, transpondo a primeira
linha de arame farpado, galgando as primeiras inclinações
da subida, espalhando-se pela encosta. Nos instantes iniciais,
só a batida da sola dos coturnos no chão enlameado cortava
o silêncio sepulcral. Durante uns cinco minutos, assim foi.
De repente, o inferno desabou. Primeiro foi o som distante
das granadas dos morteiros saindo do tubo; a
seguir, o cacarejar das metralhadoras, a fuzilaria das armas
automáticas, o estampido das granadas de mão. O Tenente
se adiantou e ordenou:
«Vamos!»
Começaram a subir o morro. A esta altura, centenas
de homens tentavam galgar a subida o mais rápido que
podiam; mas a lama escorregava debaixo dos pés. Alguns
ninhos de metralhadoras alemães estavam a algumas
dezenas de metros acima.
Apesar do fragor da metralha, Genivaldo só
conseguia ouvir a sua respiração ofegante; o ar parecia
queimar os pulmões, a boca secara. Subiu os primeiros
metros a correr. Depois, o ímpeto inicial arrefeceu; os
deslocamentos eram por espasmos: correr, parar, abaixar-se.
E começar de novo. As balas zuniam como abelhas
raivosas, às vezes silvando um assobio agudo quando
ricocheteavam numa pedra, às vezes terminando num
estalido seco quando encontravam o tecido de alguma farda
e penetravam a carne – talvez o ruído mais difícil de
esquecer para quem o ouve. Os brasileiros tentavam revidar.
Aos poucos, os pelotões de morteiros e as seções de
metralhadoras foram respondendo ao fogo. Genivaldo olhou
em torno. Canarinho estava logo atrás; Moterani, Jair e
Benedito, aferrados ao chão à direita. Fez sinal para ficarem
mais afastados. Granadas de 88 começaram a cair longe, à
esquerda, onde estavam os soldados do Batalhão Sizeno.
“Pobres diabos”, pensou Rocha. Tentou achar o resto de seu
grupo. De repente, Adão passou correndo por ele, morro
acima, gritando como um louco:
«Vâmo, putada! A cobra vai fumar!»
Rocha gritou:
«Adão! Abaixe-se, porra!»
Mas Adão pirara. O bom crioulo brincalhão, que na
véspera ainda fizera graça, havia chegado ao seu ponto de
ruptura. Continuou subindo, peito aberto, indiferente ao
perigo.
Sem pensar em mais nada, Genivaldo levantou-se e
foi correndo atrás dele; os outros também.
O carioca estava a uns dez metros na frente. De
repente, uma bola de fogo acendeu debaixo de seus pés e
seu corpo subiu ao ar num salto mortal e caiu no chão, já
sem uma perna, arrancada na altura do torso e jogada à
distância. Pisara numa schumein.
Rocha chegou nele. No meio da fumaça, viu o rio
vermelho que descia do corpo do soldado e encharcava a
lama. Adão tinha os olhos arregalados e cuspia sangue; a
cor chocolate de sua pele virara um cinzento baço. Gemia
baixinho. Não gritava.
Rocha sentia o coração apertar. O soldado agarrou a
sua mão.
«Cabo... não me deixa morrer aqui sozinho...»
«Tu não vai morrer, crioulo. Padioleiro!»
Berrou mais forte.
«Padioleiro!»
Canarinho se acercou, rastejando.
«Cabo, vamos sair daqui. Estamos a descoberto.»
Adão continuava segurando a mão de Rocha:
«Pelo amor de Deus, Cabo. Não me deixa aqui
sozinho...»
E Genivaldo ficou ali, debaixo de chuva e fogo, até
que a vida foi-se esvaindo daquele corpo, a mão afrouxando
o aperto, a voz sumindo; até que a cabeça de Adão pendeu
para o lado e um último gemido escapou.

O ataque falhou. Mais uma vez, Monte Castello
negava aos brasileiros o sabor de sua conquista. Os
comandantes passaram os dias seguintes procurando
identificar as causas do fracasso; os soldados procurando
esquecer os horrores passados na encosta. A maioria não
havia conseguido nem iniciar a subida; ficaram presos nos
arames farpados, entrincheirados em buracos, agachados
atrás de pedras, resfolegando na lama, e levado bala de todos
os lados. Com os flancos expostos, eram alvo fácil para os
alemães postados no alto do morro, em Abetaia, em
Mazzancana. Antes das 3 da tarde daquele fatídico 12 de
dezembro, a ordem de retraírem-se já tinha sido dada. Os
vivos retiraram-se para trás da linha de partida. Os mortos
ficaram onde caíram.”

Este é um trecho do meu livro A Fórmula Etrusca, uma história ficcional que envolve um soldado brasileiro na Segunda Guerra Mundial, um príncipe imortal e um repórter investigativo à procura de aventuras. O trecho acima foi inspirado na malograda tentativa de conquistar uma colina descalvada dos Apeninos Setentrionais onde os alemães haviam colocado um posto fortificado. A elevação detinha um importante significado estratégico, pois dali a Wehrmacht podia controlar a movimentação das tropas aliadas na Rota 64, impedindo o avanço do 5º Exército Americano para Bolonha.

VISTA AÉREA ATUAL DO MONTE CASTELLO

Era a terceira tentativa. No final de novembro, duas arremetidas da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária brasileira também haviam sido contidas pelos alemães. As causas do fracasso eram as mesmas: terreno difícil, visibilidade precária para um apoio aéreo eficaz, efetivo empregado insuficiente para a missão. E uma tenaz resistência germânica. Naquele ponto, o cinturão de defesa da Linha Gótica era guarnecido pela 232ª Divisão, uma tropa que misturava meninos de 14 anos recém-saídos da Hitler Jugend (a Juventude Hitlerista) com experimentados veteranos do front russo, todos decididos a manter sua posição a qualquer custo. Na sua cabeça, a guerra ainda poderia ser ganha.

Os brasileiros eram novatos.

Em fevereiro de 1942, pressionado pelos Estados Unidos, Getúlio Vargas teve de renunciar à sua tímida neutralidade e romper relações com os países do Eixo. Imediatamente, navios nacionais começaram a ser afundados pelos submarinos que rondavam o Atlântico e tentavam impedir que as Ilhas Britânicas fossem municiadas pelos Aliados. Muita gente morreu e a pressão para uma declaração de guerra contra a Alemanha, a Itália e o Japão aumentou, o que acabou por ocorrer em agosto.  Paralelamente, o Brasil acolheu bases americanas no Nordeste, em Fernando de Noronha e, principalmente, em Natal. Chamadas romanticamente de “Trampolim da Vitória”, eram uma forma de participar do esforço bélico que unia o mundo contra o nazi-fascismo.

Em 1943, entretanto, com a tomada do norte da África por britânicos e americanos, o Trampolim perdeu sua importância estratégica. Para manter ativa a presença brasileira decidiu-se, então, pelo envio de tropas – uma chance de participar, no futuro, do banquete dos vencedores. E criou-se a FEB.

Inicialmente projetada para armar três divisões, a Força Expedicionária Brasileira, dadas todas as dificuldades de logística e recursos, acabou sendo formada apenas por uma. Sua formação começou logo no início do ano, mas somente dezoito meses depois, em julho de 1944, o primeiro escalão embarcou para a frente italiana. Todo esse tempo foi necessário para transformar os recrutas, na maioria com endemias, problemas dentários, alguns semianalfabetos e subalimentados, em soldados de verdade.

E, mesmo assim, logo na chegada à Itália, verificou-se que tanto treinamento quanto equipamento tinham ficado aquém da dura realidade (até o uniforme usado pelos pracinhas provou ser inadequado. Além de pouco funcional, poderia ao longe ser confundido com o dos alemães...). Um esforço extraordinário, com muito on the job training, isto é, aprendendo a guerrear em plena guerra, e uma rápida adaptação - foi desta maneira que a FEB, em setembro de 1943, juntou-se às outras 22 divisões que compunham o 5º Exército.

UNIFORME USADO INICIALMENTE PELA FEB



Após o malogro de 12 de dezembro, um inverno cruel paralisou as ações em todo o front dos Apeninos. Mais uma dura prova para o nosso caboclo, para quem uma temperatura de 20 graus negativos era inimaginável. Mas, assim que o tempo deu um breve respiro, no dia 21 de fevereiro de 1945, os brasileiros de novo atacaram Monte Castello. Era um ponto de honra, um dever com aqueles que tinham tombado nas tentativas anteriores e lá ficado. Desta vez, tudo foi feito como manda o figurino das batalhas. Os aviões da força Aérea atingiram as posições alemãs na hora certa, a nossa Artilharia realizou uma barragem que entrou para os livros de História Militar e os três regimentos de infantaria avançaram em conjunto. No flanco, a 10ª Divisão de Montanha americana deu cobertura e, às cinco da tarde, a bandeira brasileira foi fincada no topo.


ARTILHARIA DIVISIONÁRIA EM AÇÃO

















DEPOIS DA VITÓRIA
















Nestes setenta anos, muita coisa já se falou e escreveu sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Muita gente criticou a nossa falta de preparação, a desimportância estratégica das nossas ações no quadro geral do conflito e até já classificou toda a operação de tomada do Monte Castello como um grande erro tático.

Eu discordo. Em 1942, nosso exército não via uma guerra há quase cem anos. E, é sempre bom lembrar, dois anos antes nem os exércitos francês, inglês, russo ou americano, países que haviam participado da Grande Guerra de 1914-1918, estavam preparados para os alemães. O rompimento da Linha Gótica, embora sem o fulgor das praias da Normandia ou da saga de Stalingrad, apressou a derrocada da máquina nazifascista com a morte de Mussolini e a tomada da Áustria. E, só para comparar, um ano antes de Monte Castello, o aguerrido e experimentado 8º Exército inglês, do festejado Marechal de Campo Bernard Law Montgomery, precisou de quatro tentativas para tomar Monte Cassino, numa operação em tudo semelhante à da FEB nos Apeninos.

Eu vi os pracinhas desfilando na Avenida Rio Branco, às vésperas da ida para a Europa. Vi-os de novo no mesmo lugar, quando voltaram no ano seguinte. Muitos anos depois, conheci pessoalmente vários deles e ouvi suas histórias pessoais. Foram 239 dias de combate ininterruptos. Das 44 divisões, de várias nacionalidades, que lutaram no Norte da África e na Itália, só 12 superaram a marca. Até Winston Churchill, em sua mensagem ao Marechal Alexander em 29 de abril de 1945, em que cita nominalmente as tropas brasileiras, escreveu: This great final battle in Italy will long stand out in history as one of the most famous episodes in this Second World War (Esta grande batalha final na Itália se destacará na História por um largo tempo como um dos mais famosos episódios desta Segunda Guerra Mundial).

Por tudo isto, sempre tive um grande orgulho dos nossos pracinhas.


Oswaldo Pereira
Fevereiro 2015




domingo, 15 de fevereiro de 2015

HOMENAGEM






Era uma segunda-feira, pouco depois do jantar. Era também verão, e o Carnaval estava a duas semanas à frente. Com ele, iriam ter início as festividades dos 400 anos da Cidade Maravilhosa, e, além do frenesi natural da folia, grandes homenagens estavam em pauta. Dois dias antes, um animadíssimo bloco fizera sua estreia na Praça General Osório, renascendo o folguedo carioca das ruas e chamando-se Banda de Ipanema. No mais, discutia-se se haveria eleições naquele ano, se a União Soviética falava mesmo a sério quando repreendia os Estados Unidos por seu envolvimento no Viet-Nam, se o novo disco da Rita Pavone iria chegar aos primeiros lugares da Parada de Sucessos da Rádio Tamoio.

Eu estava quase na porta de casa. Ia sair, não me lembro bem se para um cinema, para ir à casa da minha noiva ou para bater papo com alguns amigos. Minha mãe ligara a TV. Era hora do Repórter Esso. E a primeira notícia acabou com a minha programação.

Seis anos antes, um desastre aéreo terminara com a vida de três jovens expoentes da cena do rock’n’roll americano – Buddy Holly, Ritchie Valens e J. P. “The Big Bopper” Richardson. O dia passou a ser conhecido no folclore da música pop (e imortalizado na extraordinária canção-homenagem de Don MacLean, American Pie) como the day the music died (o dia em que a música morreu).

Pois para mim, a música acabou naquele momento quando, com a porta de casa aberta para sair, eu fiquei sabendo, na voz grave e derramada do Gontijo Teodoro que, vítima de um câncer de pulmão aos 46 anos, morrera Nat “King” Cole.

Os que me conhecem há mais de 60 anos (estão ainda por aí...) sabem da minha predileção pelo cantor, inspirada pela sutil simbiose com que ele combinava seu fantástico talento como pianista de jazz (aos 18 anos já era considerado um dos maiores músicos do pedaço), com uma voz de modulação soberba.

Os que me conhecem por este blog (será que ainda estão por aí?...) já leram algumas postagens em que demonstro minha admiração por ele. Assim, não vou chover no molhado e repetir o que já escrevi. Gostaria apenas que, neste dia dos 50 anos de sua morte, lessem, ou relessem, a crônica que publiquei sobre ele, chamada “O Professor de Inglês” (é só clicar no link abaixo).

http://obpereira.blogspot.com.br/2013/08/o-professor-de-ingles.html

Vai servir como uma homenagem.



Oswaldo Pereira
Fevereiro 2015










sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

BELÍSSIMO ENSAIO








Um elegante ensaio sobre a violência. Violência física, moral, em várias gradações. Violência da mentira, da traição, da incompreensão. Violência da corrupção, do poder, da ganância. Violência do desamor, do abandono, da ira nua, do preconceito.

Um rico ensaio sobre o amor. Amor de mãe, de pai sem o ser, de pai verdadeiro, de pai renascido. Amor desespero, cego, amor perdido, final, terminal. Amor sonhado, de sinal trocado. Amor roubado, culpado, fingido, virtual.

Um precioso ensaio sobre sexo. Sexo como profissão, como jogo, como arma. Sexo redenção, sexo liberdade, sexo com gosto. Sexo oposto, liberal e proibido, sexo que leva à morte.

Em minha opinião, a minissérie “Felizes para Sempre?”, levada ao ar pela Rede Globo nas últimas duas semanas, foi isso tudo. E mais.

Foi uma lufada de ar novo naquele formato televisivo, especialmente por sua magistral linguagem cinematográfica. Produzida pela O² Filmes, uma produtora independente brasileira, responsável por outras obras-primas como Cidade de Deus e Blindness (Ensaio sobre a Cegueira), e dirigida por um dos seus sócios, o premiado Fernando Meirelles que, além dos dois filmes citados acima, também foi o realizador de 360 e The Constant Gardener (O Jardineiro Fiel), a série realmente tinha de bombar.

Começando pelo roteiro. O enredo é uma releitura que o próprio autor, Euclydes Marinho, fez de outra obra sua, Quem Ama Não Mata, de 1982. O tema, à época, estava na moda, dada a frequência com que delitos passionais alimentavam a crônica policial. Ainda matava-se em nome da honra, por ciúmes e por despeito. O assassinato da socialite Ângela Diniz pelo seu namorado, Raul “Doca” Street, na Praia dos Ossos, em Búzios, gerara uma onda de discussões apaixonadas sobre os agravantes e os atenuantes dos crimes por amor.

Quem Ama Não Mata fez um grande sucesso e Marinho resolveu homenagear os atores da primeira versão de Felizes Para Sempre? dando seus prenomes aos atuais personagens, como Marilia Pêra, Claudio Marzo, Denise Dumont, Hugo Carvana, Tania Scher, Dionísio Azevedo, Daniel Dantas e assim por diante.

E aí podemos falar do presente elenco. Não sei quem foi o responsável pelo casting, mas quero acreditar que o faro de Fernando Meirelles teve influência. Especialmente na escolha de Maria Fernanda Cândido e de Enrique Diaz para o casal de mais destaque na trama. Ele, perfeito no crápula sem escrúpulos cujo retrato se vê, nos dias de hoje, repetido nos escândalos reais que submergem o país (não por acaso, a ação se passa em Brasília...). Ela, um contraponto suave no charco de ganância e intriga engendrado pelo marido, prenhe de amor para dar, à espera de uma redenção. Jogando no time com maestria, há nomes de respeito da dramaturgia da Globo e do cinema nacional, como Adriana Esteves, João Miguel, Cássia Kis Magro e Perfeito Fortuna.


MARIA FERNANDA CÂNDIDO COMO MARÍLIA


ENRIQUE DIAZ COMO CLÁUDIO
















Mas foi na escalação da atriz para representar a personagem central da história que a inspiração não poderia ter sido mais efetiva. Paolla Oliveira conseguiu compor Denise, ou Dany Bond, a garota de programa que se torna o fio condutor de toda a trama (desencapado, diga-se de passagem...), com uma eletricidade pouco comum de se ver todos os dias na telinha. Falar somente da cena em que ela aparece de costas, vestida apenas com uma mínima lingerie preta, como referência da sua atuação, como parece ser a preferência dos colunistas em geral, é uma injustiça com a dramaticidade demonstrada pela atriz em todo o trabalho.

PAOLLA OLIVEIRA COMO DANNY BOND

Um belo ensaio, um real presente de início de ano para nós, espectadores ávidos de boas produções.

Quem não viu, procure ver. Vale a pena.


Oswaldo Pereira
Fevereiro 2015







sábado, 7 de fevereiro de 2015

JABUTICABAS






SE SÓ EXISTE NO BRASIL, E NÃO É JABUTICABA, É BESTEIRA...”

Este antigo ditado tem sido repetido vezes sem conta, toda vez que alguém quer acentuar muitas das nossas incongruências, falhas ou deficiências. É uma maneira meio jocosa, e meio autopunitiva, de reconhecer realidades pouco ou nada recomendáveis, imputadas ao nosso DNA, ao nosso caldeirão étnico-cultural, ao nosso tropicalismo e até à propalada isperteza que conferimos a nós mesmos no trato com o cotidiano.

Há muitas coisas que só existem aqui e que são jabuticabas estranhas e sem motivo, como a proibição do jogo num país como forte apelo turístico, o efeito colateral do jogo-do-bicho, praticado em cada esquina com o beneplácito comprado das autoridades, um programa radiofônico governamental que por sessenta minutos diários ocupa obrigatoriamente TODAS as emissoras nacionais, chamado de A Voz do Brasil.

O ditado é então uma espécie de mea-culpa bem-humorado, uma variação mais leve do complexo de vira-lata que por algum tempo nos afligiu como Nação de Terceiro Mundo, subdesenvolvida e, como no Hino, deitada eternamente em berço esplêndido, inerte e preguiçosa.

Felizmente, de meados do século XX para cá, muita coisa mudou, o país cresceu e apareceu, viramos BRIC, fizemos bonito em muitos campos, não só os de futebol, mas em transições políticas dentro da ordem a da lei, no resgate de milhões de famílias do abismo da pobreza, no ressurgimento de um justo orgulho pelo nosso tamanho, nossa tolerância religiosa, nosso respeito às minorias, nossa liberdade de expressão, nossa inclusão social.

É claro que nada é perfeito. Essa moeda tem um reverso (desculpem a rima) perverso. É a face da corrupção, este desgraçado monstro que vem parindo a morte nas filas dos hospitais sem verbas, a ignorância nas escolas sem carteiras e professores, a tragédia nas estradas sem asfalto e sem sinalização, a serpente inflacionária que engole o ganha-pão do pobre, o imposto imoral e desviado que corrói o salário do trabalhador de classe média, o desmantelamento da maior empresa pátria com o objetivo único de financiar com bilhões de dólares de propinas e superfaturamentos um projeto político de poder.

Uma enorme, brutal e amarga jabuticaba que poderá nos envenenar.


Oswaldo Pereira
Fevereiro 2015





quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

DOIS ANOS DE BLOG






OLÁ AMIGOS,


MUITO OBRIGADO PELA PACIÊNCIA,
PELO TEMPO DEDICADO POR VOCÊS, ÀS VEZES ROUBADO DE OUTROS AFAZERES, A ESTE ESCRIBA E AOS SEUS DESAJEITADOS ESCRITOS.

ESPERO, NESTES DOIS ANOS, QUE ALGUMA FRASE OS TENHA INFORMADO, INSPIRADO, EMOCIONADO OU, SIMPLESMENTE, DIVERTIDO.

FORAM QUASE 150 TEXTOS, 3 LIVROS E MAIS DE 21.000 VISITAS. E A GRATIFICANTE SENSAÇÃO DE TÊ-LOS AO ALCANCE DE UM "CLIC". 

MAIS UMA INFINITA VEZ

MUITO OBRIGADO!






segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

SÍMBOLO







Na véspera do dia seis de junho de 1944, o general americano Dwight Eisenhower precisou ter uma conversa sigilosa com o Rei George VI. O objetivo era solicitar ao soberano inglês que ordenasse ao Primeiro Ministro britânico desistir de sua ideia fixa: embarcar num dos navios que seguiriam dali a horas para a costa da Normandia e participar ativamente do desembarque.

Assim era ele. Ousado, polêmico, controverso. Durante os setenta anos em que participou ativamente da cena histórica de seu país e do mundo, Winston Leonard Spencer Churchill esbanjou estas qualidades, para a adoração e a repulsa, a desconfiança e o fervor, a crítica e a admiração de seu povo e o reconhecimento final como símbolo de uma era no momento em que, num dos mais emblemáticos e concorridos funerais da crônica britânica, foi sepultado no cemitério da Igreja de St. Martin, em Bladon,  Oxfordshire, há 50 anos.

Sob todos os aspectos pessoais ou sociais, Winston Churchill soube viver intensamente sua época, uma das mais intrigantes do Reino da Inglaterra, durante a qual o “império onde o sol nunca se punha” enfrentou tempestades políticas nunca antes vistas, com a fragmentação de suas possessões, vendavais internos desencadeados pelas lutas dos direitos trabalhistas, o voto feminino, declínio econômico, uma abdicação real, para não falar em vários conflitos coloniais e duas guerras mundiais.

Nascido na aristocracia, filho de um carismático político e de uma socialite americana, o pequeno Winston pouco via os pais, sendo criado na tradição dos colégios internos e das nannies empertigadas.  Bebê prematuro, mau aluno, rebelde, e com um defeito labial que lhe impunha um s estranho e sibilante, virou um menino introspectivo que detestava matemática e possuía uma vasta coleção de soldadinhos de chumbo. Aos dezessete anos, felizmente para ele e para a História, resolveu ingressar na prestigiada escola militar de Sandhurst. Teve de fazer o exame três vezes, até passar. E sua vida mudou.

Rapidamente desenvolvendo um desejo nato de viver no centro da ação, conseguiu, usando o prestígio do seu nome de família, estar presente em quase todas as campanhas bélicas do exército britânico na virada do século. Foi para Cuba, para a África e para a Índia, como soldado e como correspondente de guerra, atividade-embrião de sua futura carreira de escritor.

Em 1899, em seu segundo livro “The River War”, sobre a guerra no Sudão, ele escreve um premonitório parágrafo. “Individual Moslems may show splendid qualities. But the influence of the religion paralyses the social development of those who follow it. No stronger retrograde force exists in the world.” (Individualmente, os muçulmanos podem mostrar esplêndidas qualidades. Mas a influência da religião paralisa o desenvolvimento social de quem a segue. Não há, no mundo, força retrógrada mais poderosa).

O livro fez sucesso, seus feitos no campo de batalha lhe trouxeram medalhas e citações. Ganhou prestígio e popularidade, ingredientes mais do que necessários para encaminhá-lo a seguir à sua grande vocação: a Política. De 1900 até à Primeira Guerra Mundial ocupou várias pastas no Gabinete do Governo Conservador no poder, desde Secretário do Interior até Ministro das Finanças. Quando começaram as batalhas, foi nomeado Ministro da Marinha, mas o desastre da campanha nos Dardanelos, sob seu comando, onde milhares de neozelandeses foram massacrados, determinou sua exoneração. Para não ficar parado, voltou ao serviço militar, comandando um batalhão na Frente Ocidental.

Do final da Grande Guerra até à queda dos Conservadores em 1929, Churchill continuou tendo parte ativa na administração pública do Reino e, como sempre, tomando posições polêmicas em questões cruciais como a independência da Irlanda, o regime bolchevique na Rússia, as violentas greves internas e a autonomia da Índia.

Com a perda de mandato de seu partido, afastou-se da vida pública e foi dedicar-se a seus escritos, suas pinturas e suas viagens. Quando aparecia em algum púlpito, procurava alertar sobre a expansão socialista, o crescimento do nazismo e o rearmamento da Alemanha. Frequentemente, para ouvidos desatentos, fartos de ouvir falar em conflitos e avessos a notícias desagradáveis.

Tudo muda em maio de 1940. As tropas germânicas chegam às portas de Paris, um resto de exército inglês consegue escapar de Dunquerque e as Ilhas estão à mercê de uma invasão. E aí todos se lembram das previsões de Winston. Nomeado Primeiro Ministro aos 65 anos, Churchill torna-se, mais do que um líder, um símbolo. E a história dos próximos cinco anos, nos quais com sua energia indomável, seu pragmatismo estratégico e sua retórica eletrizante ele reverteu a maré, vocês já conhecem sobejamente.

Silenciados os canhões, ele perdeu as eleições em 1945. Os fleumáticos ingleses davam seu recado. Imbatível chefe nos anos de luta, Winston Churchill não servia para a paz. Mas sua atuação não terminara. Virou suas baterias contra a União Soviética, investiu contra a independência indiana, escreveu obras definitivas sobre a Guerra e o Império. Foi reeleito Primeiro Ministro em 1951 e continuou colorindo a cena mundial com sua verve até partir definitivamente para o ostracismo voluntário em 1955.

Nobel de Literatura, maçom, pintor de aquarelas. Os dedos em forma de “V”, os charutos feitos sob medida e que depois passaram a ter seu nome, o doce abandono com que ingeria generosas doses de uísque com soda. Os ditos e os discursos, as frases, as famosas frases que mexeram com as entranhas de um povo, o “sangue, suor e lágrimas”, o “nunca nos renderemos”, o “nunca tantos deveram tanto a tão poucos”. Noutro viés, o holocausto fumegante de Dresden, os insultos a Gandhi, a hecatombe de Gallipoli.

Ousado, polêmico, controverso. Assim foi Churchill.

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2015