quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

O FIM DA PICADA




O pequeno inseto mede cerca de um centímetro. Podia ser um mosquito qualquer, destes que aporrinham o sono numa noite de verão, que tiram um cristão do sério com sua zoada fininha e enervante. Mas não é. Ou melhor, não é só.

Com o rabo e as pernas zebrados, ele tem a força de um apocalipse. Seu nome para os íntimos é pernilongo raiado, mas todo o mundo o conhece por sua denominação científica. Aedes aegypti. Duas palavrinhas latinas que querem dizer, como uma praga bíblica, o odioso do Egito. Aqui no Brasil, convivemos com ele há mais de século, onde sua raça encontrou condições de insalubridade ideais para estabelecer suas colônias, sua descendência e seu império.

Desde sua aparição, e até recentemente, seu apelido era o mosquito da dengue, uma doença que já era endemia no Brasil Colônia e pariu um vocábulo para a nossa língua. Como um dos sintomas do mal é a sensação de cansaço e prostração, a palavra dengoso nasceu para adjetivar aqueles que gostam de fazer corpo mole...  

Mas estes são outros tempos. De uns dois anos para cá, o odioso do Egito passou a trazer mais um item na sua bagagem, uma outra moléstia, com nome que parece uma dança caribenha – a chicungunha (vamos a bailar la Chicunguña...), de características semelhantes à dengue, cujos desdobramentos podem, eventualmente, levar à morte, no caso da dengue hemorrágica. Mais uma chatice.

Agora, o último presente do mosquitinho é a zika, uma infecção que foi relacionada à ocorrência de microcefalia em bebês ainda em gestação, transmitida pela mãe infectada durante a gravidez. Coisa séria, seríssima, e que começa a assustar a população brasileira e preocupar o mundo. Soou o alarme.

A história nacional do combate ao mosquito é longa. Uma luta nunca vencida pelos órgãos responsáveis pela saúde pública, haja vista que, só no ano passado, mais de um milhão (isso mesmo, um número de sete dígitos) de casos de dengue foram reportados no país. O Governo agora vem admitir que houve “leniência” no tratamento da situação. No meu dicionário, leniência é governês para incompetência, descaso e corrupção.

Mas, com a zika, o buraco é mais embaixo.  Com 4 mil notificações de microcefalia e um megaevento como as Olimpíadas às portas, não há mais tempo para brincadeiras. O próprio Marcelo Castro, Ministro da Saúde, já declarou – “estamos perdendo feio”. Para complicar ainda mais, a rede hospitalar pública do Estado do Rio de Janeiro decretou falência administrativa e o Pedro Ernesto, hospital de referência da região, está mandando os doentes para casa, não porque eles estejam curados, mas porque não há como atendê-los.

Pressionado pela Organização Internacional da Saúde, que vê a infecção espalhar-se pelas Américas, e pela inquietação do Comitê Olímpico Internacional, o Governo finalmente resolveu declarar guerra ao mosquito e vai empregar no conflito 200.000 soldados do Exército. Só para comparar, na Segunda Guerra Mundial, a Força Expedicionária Brasileira arregimentou 50.000 para lutar na Europa.

Mas, nem uma força de um milhão de homens conseguirá vencer a batalha, se um outro componente poderoso não ajudar.  O comportamento do brasileiro com relação ao lixo e à sujeira. Se não nos conscientizarmos de que o sucesso desta empreitada depende muito mais de cada um de nós, da nossa ação do dia-a-dia, do cuidado com o que é nosso, (não) será o fim da picada...

Oswaldo Pereira
Janeiro 2016



  

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

AULA DE HISTÓRIA





Como todo aluno do 4th grade (correspondente à nossa 4ª série do ensino fundamental) das escolas californianas, meu neto de 10 anos recebeu, neste mês de janeiro, a tarefa preparar um trabalho, que inclui a construção de uma maquete, a confecção de um poster com fotografias e ilustrações e um texto explicativo, sobre uma das Missiones. E eu, claro, como avô, fui logo convocado para trabalhar no projeto.

Para entender bem do que se trata, as Missiones constituem um importante capítulo na história cultural da Califórnia. Construídos entre 1769 e 1823, salpicando a costa ocidental da América do Norte desde o sul de São Diego até ao norte de São Francisco, os 21 conglomerados demonstram o esforço dispendido pela Igreja Católica na tentativa de catequese da população indígena.

A região, na época, pertencia ao Reino de Espanha e era habitada por várias etnias dos pele vermelhas, cujos corações e mentes os frades franciscanos que para lá foram se dispuseram a conquistar. Com o objetivo de converter, educar e “civilizar” os índios, e prepará-los para o exercício de uma cidadania colonial, ou o que isso pudesse significar, os padres acabaram por introduzir na cultura nativa o plantio de frutas e vegetais, a criação de gado e, o que viria a ter um forte impacto nas hostes tribais, o cavalo.


Assim, uma Mission estendia-se como uma pequena aldeia, com igreja, escolas, armazéns, currais, hortas, pomares, lavouras, poços artesianos, praticamente autossuficientes e produtivas. Atraídos para este meio pela oratória e pela energia dos religiosos, os índios trabalhavam na construção dos templos e dos edifícios, cuidavam das plantações e dos animais. Em troca, dentro de uma disciplina monástica, recebiam educação religiosa e secular, além de comida e alojamento. Mas, não eram todos. Muitos não quiseram abrir mão de sua cultura e do seu espaço livre, em troca de uma fé que não entendiam e de uma subserviência que repudiavam.

Desta forma, o resultado final deste obra teve altos e baixos. Como tudo. Com a independência do México, do qual a Alta Califórnia era parte, os padres espanhóis perderam o apoio. Aos pouco, muitas Missões foram abandonadas, suas terras sendo absorvidas lentamente nos ranchos dos californios, os californianos que falavam espanhol. A maior mudança, entretanto, veio em 1848, quando a região integrou-se nos Estados Unidos e, especialmente, um ano depois, quando notícias sobre descoberta de importante veios de ouro deflagrou um dos maiores deslocamentos de gente da crônica americana – a gold rush de 1849. Por fim, muitos terrenos foram distribuídos pelo Governo a apoiadores políticos ou grandes fazendeiros. Alguns voltaram às mãos da Igreja.

Atualmente, entretanto, os lugares históricos de todas as vinte e uma missões estão conservados e fazem parte de um concorrido roteiro turístico cultural. E sua importância os insere no currículo escolar da Califórnia.

E então, a “equipe” familiar teve de se por em marcha. O que envolveu uma belíssima viagem até uma das missões para tomada de fotos, visita aos prédios antigos, absorção in loco da sua saga e de suas lições. A mim, coube trabalhar na montagem da maquete, que não pode utilizar nenhum recurso profissional. É só cola, papelão, tesoura, fita crepe, pincel e tinta. Uma linda aula de americanidade.

 SAN GABRIEL ARCÁNGEL: A MISSÃO ESCOLHIDA PARA O TRABALHO 

Todos os anos, milhões de meninos e meninas de 10 anos fazem esta mesma coisa. Assim se perpetua e se reverencia este capítulo do passado. Dá gosto ver como um país “moderno” como os Estados Unidos prioriza tanto em seu ensino o culto de sua História.

Não sei o que acontece aqui em Pindorama, mas desconfio, pelo que leio às vezes na imprensa, que a nossa História está desaparecendo nos ralos abertos por programas didáticos medíocres, professores mal pagos e mal preparados, política educacional equivocada ou mal intencionada, desprezo institucional e descaso generalizado. Nosso presente é o que é, nosso futuro está na balança. Se apagarmos o passado, o que restará?


Oswaldo Pereira
Janeiro 2016



quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O ESTADO DA NAÇÃO





Mais uma praxe da democracia americana. No início de cada ano, o Presidente faz o seu discurso sobre o Estado da União (State of the Union Address). É uma prestação de contas ao país, na qual o Chefe do Executivo procura descrever a atuação do Governo, o resultado de suas ações, políticas e administrativas, e o seu efeito sobre a situação e o bem-estar do povo.

A cerimônia tem lugar no Congresso, com a presença de deputados, senadores, os juízes do Supremo, os Chefes do Estado-Maior das Forças Armadas, e mais convidados a critério do Presidente, que vão desde CEO's de grandes corporações, dirigentes de órgãos de classe e desportistas com destaque até cidadãos comuns, inclusive, como assim desejou Obama, pessoas que se manifestaram abertamente contra as suas decisões.

Transmitido por extensa rede televisiva, o discurso costuma ser campeão de audiência, com as famílias americanas atentas em suas salas de estar às palavras do Presidente. E, no dia 12, como ainda estava nos Estados Unidos, participei desta contrita audiência.

Foi o último State of the Union Address de Barack Obama. E ele resolveu falar para a História. Embora tenha usado a parte inicial de sua oração de quase uma hora para ressaltar as conquistas recentes, como a retomada do crescimento econômico, a criação de 14,1 milhões de empregos em 2015, o fortalecimento de seus programas sociais, como o Obamacare e as vantagens de sua política externa de uso da diplomacia em vez da força, seu foco principal foi o Futuro. O que queremos ser no futuro, como Nação e como povo? Como fazer uma sociedade mais justa e igualitária? Foram suas perguntas. As respostas que deu baseiam-se no mesmo credo que vem pregando desde sua posse. Controle maior do Big Business, incentivo maior ao pequeno e médio empresário, maior integração social e racial, maior investimento em tecnologia, principalmente aquelas que poderão proteger melhor o meio ambiente, mais apoio ao indivíduo na sua adaptação a um novo e mutante mercado de trabalho.

No ponto mais divergente entre ele e os Republicanos, a ameaça do terrorismo e as políticas de imigração, Obama sutilmente criticou aqueles que semeavam o pânico e envenenavam a opinião pública contra o mundo islâmico. “O terrorismo não representa uma ameaça à integridade da Nação”, disse, para concluir que o inimigo viceja em garagens, porões, na maioria jovens vivendo dentro do território nacional, doutrinados e convertidos através da Internet. É preciso combatê-los, sim, mas não às expensas do relacionamento internacional com as nações muçulmanas, o fechamento de fronteiras ou o envio de tropas. Quanto às críticas de que o país havia enfraquecido durante sua Administração, Obama falou, textualmente: Os Estados Unidos são a nação mais poderosa do mundo. E ponto final.

Foi a única vez que os chefes militares se levantaram para bater palmas. Embora o discurso tenha provocado frequentes e calorosos aplausos da maioria dos presentes, os Republicanos na plateia se manifestaram com parcimônia. Coisas de um ano eleitoral. Mas, as pesquisas de opinião, publicadas logo após a cerimônia, deram um percentual de aprovação acima de 60%. Foi o melhor índice de Obama neste segundo mandato. Uma indicação de que, embora manietado por um Congresso hostil durante grande parte destes sete anos, Barack Obama conseguiu avanços que o farão ser lembrado no Futuro que ele tanto procurou visualizar em seu derradeiro State of the Union.

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En passant. Assisti há dias a uma entrevista do Donald Trump no canal Fox. Aos que acham que ele não passa de um bufão e que suas chances eleitorais são quase nulas, atenção! O cara é extremamente articulado, defende suas posições com os pés no chão e com a cabeça bem firme em cima dos ombros. É perigoso porque não tem nada a perder e diz o que muito americano da Middle America gosta de ouvir. Não estou fazendo qualquer comparação de fundo ideológico, mas ainda em 1933 tinha muita gente na Alemanha que classificava um certo político extremado da Baviera como um bufão e sem a menor hipótese de chegar ao poder.

Oswaldo Pereira
Janeiro 2016





sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

BOM SENSO






A semana americana foi dominada por dois assuntos. O propalado teste nuclear norte-coreano (ainda não confirmado pelos órgãos de defesa dos Estados Unidos) e a “executive order” de Barack Obama sobre a venda de armas.

Para que se entenda melhor do que estamos falando, uma executive 
order (literalmente traduzida como ordem executiva) é uma peça de legislação promulgada, com força de lei, pelo Presidente, sem passar pelo Congresso. No Brasil, seria mais ou menos o equivalente à Medida Provisória, sendo que esta, como o nome diz, tem efeito limitado no tempo e, para vigorar para além de seu limite temporário, precisa ser aprovada pelo Legislativo. Diferentemente, a “ordem executiva” é permanente e só pode ser derrubada por ações legais. Por isso mesmo, ela só é permitida constitucionalmente para regular assuntos da administração interna do Executivo ou em casos de excepcional perturbação nacional, como revoltas internas, greves agressivas e predatórias ou graves ameaças externas. Franklin Roosevelt foi o maior emissor de executive orders (mais de 3.500 em doze anos de governo) mas, é preciso lembrar, em seu mandato aconteceram a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial.

De qualquer maneira, num país medularmente democrático como os Estados Unidos, um ato individual do Executivo, sem o respaldo do Congresso, costuma provocar um franzir de sobrancelhas e murmúrios maliciosos sobre abuso de poder ou iniciativas ditatoriais do Presidente. Num ano eleitoral como 2016, tudo fica mais sensível e os Republicanos não perderam tempo em tirar o maior partido possível da situação. Até porque o assunto é explosivamente polêmico.

A Segunda Emenda à Constituição americana, de 1791, assegura o direito ao indivíduo de keep and bear arms (ter e portar armas). A origem deste direito vem do fato de que, nos seus primórdios e durante a Guerra da Independência, o exército das colônias rebeldes era formado por milícias, ou seja, cidadãos comuns armados com seus próprios rifles e espingardas de caça. Mantê-los era uma necessidade. Depois, para os peregrinos que corriam atrás de terras e riquezas no Velho Oeste, aonde a lei não havia ainda chegado, uma arma de fogo era sua garantia pessoal de segurança e sobrevivência. E o que dizer da figura lendária do cowboy justiceiro, com seus colts pendendo de ambos os lados das ancas, prontos a serem sacados numa fração de segundo. Imagem-símbolo de um povo, entronizado no seu imaginário por milhares de estórias, livros e filmes.

Mexer com este direito é mexer num vespeiro. E foi o que Obama fez esta semana. No fundo, a corajosa iniciativa do Presidente tem toda a razão de ser. Os Estados Unidos têm registrado, nos últimos tempos, mais de 30.000 mortes por arma de fogo ao ano. Desde o ano 2000, e só em escolas americanas, foram 193 mortos e centenas de feridos em 147 tiroteios e chacinas, praticados por gente comum, até adolescentes, com poucos ou nenhuns antecedentes criminais, isto é, pessoas que, num surto de agressividade, utilizaram o arsenal que tinham em casa para espalhar, sem qualquer motivo aparente, a morte. E o que Obama determinou é o que um mínimo de bom-senso aconselha (o próprio título da legislação indica: Common Sense Gun Safety Reform). Proibir a venda de armas de fogo a quem tenha algum registro de criminalidade ou de perturbações mentais. Poucos dos que cometeram as hecatombes anteriores talvez sequer se enquadrassem na proibição. Mas, é um começo. E Obama sabe que este mínimo é o máximo que pode fazer dentro dos seus limites políticos.

Como disse acima, a executive order é uma excepcionalidade. Assim, é de praxe que o Presidente, após sua promulgação, venha a público explicar sua atitude. Isto aconteceu no dia 5. Numa conferência realizada do Salão Leste da Casa Branca, com a presença da imprensa e em transmissão televisiva para todo o país, a que tive a felicidade de assistir, Barack Obama proferiu, no estilo “conversa” que tanto o caracteriza, um lindo discurso. Atrás dele, estavam, além do Vice-Presidente Joe Biden, alguns dos familiares das vítimas das centenas de ocorrências. Foram 37 minutos, em que a emoção o levou, num determinado momento, às lágrimas.


E eu fiquei olhando para a cena e me lembrando da música do Caetano. A lágrima clara sobre a pele escura… E pensando na incongruência do mundo. Além de uma reação furiosa dos Republicanos, o receio de que uma legislação futura venha a controlar ainda mais a comercialização de armas fez com que as vendas batessem recordes nos últimos dias. O tempora, o mores, diria Cícero...

Oswaldo Pereira
Janeiro 2016








segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

A QUERIDINHA DE HOLLYWOOD






Há dias, assisti ao filme Ant Man. Outra produção realizada nesta charmosa cidade onde me encontro mais uma vez. San Francisco.

Já foram mais de 200. Só para lembrar algumas muito famosas e premiadas.

The Graduate (1967)
Bullit (1968)
Escape from Alcatraz (1979)
Guess Who's Coming to Dinner (1967)
Harold and Maude (1971)
Milk (2008)
Mrs. Doubtfire (1993)
The Rock (1996)
The Woman in Red (1984)
American Graffiti (1973)

E, claro, um Bond – A View to a Kill (1985)

Não resta dúvida de que esta cidade californiana é a queridinha de Hollywood.

Também pudera. San Francisco reúne quase tudo o que é necessário para um belo cenário cinematográfico. Uma esplêndida baía, uma ponte histórica, gentis colinas em profusão, o alegre bondinho que as percorre, uma zona portuária gourmet ao lado de uma padaria com griffe. Uma costa virada para o Pacífico sem fim, os ventos do oriente que entortam pinheiros, cedros e carvalhos, o proverbial fog jogando seu edredão macio por cima das montanhas que cercam o Embarcadero.

E tem mais. Tem a tolerância e o savoir-faire que permite a convivência macia entre os descendentes dos chineses que vieram para construir as ferrovias do século XIX, dos peregrinos que atravessaram um continente para buscar a paz e a promessa dos espaços abertos, dos aventureiros trazidos pelo vendaval da Corrida do Ouro de 1849, dos mexicanos que aqui já estavam e haviam salpicado os nomes dos seus santos nos vilarejos. Ainda há os velhos hippies, lembranças coloridas do Summer of Love, o verão do Amor de 1967, cuidando de suas lojinhas, verdadeiras cápsulas do tempo, em Haight Ashbury. Há também o Castro, um bairro inteiro tremulando a bandeira do arco-íris, celebrando com orgulho e elegância sua opção sexual.

E a adrenalina controlada de se estar em cima da Falha de San Andreas…

Pois é… San Francisco está com tudo. Acho até que, nos filmes em que aparece, os letreiros iniciais deveriam apresentar, como personagem principal, o nome da cidade...

Oswaldo Pereira

Janeiro 2016