quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

DISCURSO INAUGURAL



O discurso de posse de um Presidente, seja de qualquer país, traz sempre uma aura de transcendência. Vai ficar na História, ou pelo menos num rodapé dela, dependendo da importância daquele país na comunidade planetária. Mas, será guardado, gravado e, em função de sua qualidade literária ou sua importância política, lembrado para sempre nos arquivos nacionais.

Quando este país é os Estados Unidos da América, então, o eco desse pronunciamento solene é imenso, haja vista a inegável influência global da nação americana. O ritual vem desde George Washington, do berço da Independência, e tem sido observado com mis-en-scène e divulgação cada vez maiores. Hoje, dado o crescimento da presença americana no cenário mundial, é um espetáculo midiático transmitido para todos os povos, e assistido com atenção e interesse.

Como vivemos no reino da informática e da informação ao alcance de um click, descobri um site que reproduz TODOS os discursos inaugurais, desde Washington até Trump. Leitor inveterado que sou, li a maioria deles e, descontadas as idiossincrasias de época e o rebuscado das frases, de rigueur nos séculos XVIII e XIX, as mensagens são claras e afirmativas, proferidas por homens que se sabiam encontrar num momento único de suas vidas, como políticos, cidadãos e estadistas.

Assim, o tom é, invariavelmente, de celebração e de compromisso com as ideias e princípios da Democracia e de obediência à letra da Constituição. Especialmente nos momentos de turbulência interna, como a Guerra da Secessão, de esgarçamento do tecido social, como na Grande Depressão ou nos protestos dos anos 1970, ou dos conflitos das duas Grandes Guerras, o discurso aumenta seu fervor no desejo de fraternidade, de preservação da unidade e da grandeza nacionais e de esperança no futuro. Os que tomam posse após acirradas disputas eleitorais pregam a união e o esquecimento das farpas trocadas nos embates de campanha.

Há momentos sublimes, como o de Thomas Jefferson, em 1801, buscando amparar os primeiros passos da nova nação, de Abraham Lincoln, em 1865, festejando o fim de uma guerra cruel e a reunificação do país (seria assassinado um mês depois), de Franklin Roosevelt, em 1933, revertendo a maior crise econômica da História, de Ronald Reagan, em 1981, espalhando otimismo e mudando as leis da Economia para fugir da Recessão, de Barack Obama, em 2009, fazendo o mesmo.

E, é claro, o insuperável discurso de John Kennedy, em 1961, em que ele anunciava que a tocha havia passado para as mãos de uma nova geração de americanos, que nunca se deveria negociar pelo medo, mas nunca se ter medo de negociar (estávamos em plena Guerra Fria), que seus concidadãos não deveriam se perguntar o que a América podia fazer por eles e, sim, o que eles podiam fazer pela América.


O que vimos (e ouvimos) no passado dia 20 das escadas do Capitólio não foi nada disto. Nem de longe. Trump foi, bem... Trump. O que ele derramou em 16 minutos foi o seu script de campanha, seus bordões e suas promessas, seus ácidos comentários sobre a Administração Obama, seu gesto repetitivo, sua war face. Nada para a História.

Não sei o que vai ser daqui para a frente. Donald Trump, ou a persona que ele criou, e da qual não poderá mais afastar-se, é uma aposta, um jogo de apenas duas opções. Ou será um dos maiores nomes a ocupar a Presidência dos Estados Unidos, ou vai meter os pés pelas mãos de tal maneira que poderá não terminar seu primeiro mandato.

Em ambas as opções, o Mundo nunca mais será o mesmo...

Oswaldo Pereira
Janeiro 2017





sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

LA LA LAND



Assim que comecei a me entender como gente o suficiente para ir ao cinema, o mundo encantado de Hollywood era dominado pelos musicais. O Technicolor havia sido inventado há pouco e suas cores hiper-reais aumentavam a fantasia alegre das fantásticas coreografias, dos cenários pintados ao infinito, os céus muito azuis, as matas muito verdes, do guarda roupa exuberante.  Nos filmes, a leveza do ser era, sim, sustentável, Fred Astaire, Gene Kelly, Ginger Rogers e Ann Miller provavam isto com seus passos de dança flutuantes zombando da lei da gravidade, seus gestos naturalmente graciosos, feitos aparentemente sem um mínimo sequer de esforço.

KELLY & ASTAIRE
Junto a esta magia, vinha a Música. Ah! a Música, brotando no ar de repente, na brisa de uma manhã de Primavera, na hora em que um sorriso antecipava uma declaração de amor, ou a seguir à queda de uma estrela numa noite suave, em que pirilampos competiam com as constelações. Todo mundo cantava. Alguns, maravilhosamente, como Doris Day, Howard Keel, Jane Powell. Outros, com charme e bossa, como Danny Kaye, Marlon Brando (sim, em Guys and Dolls), James Steward.

BRANDO EM GUYS & DOLLS
O artista de cinema, nessa época, tinha de fazer de tudo. Cantar, dançar, sapatear. Até representar... E seduzir as audiências, convencê-las a pagar o ingresso e ir às salas escuras viver quase 120 minutos em completo enlevo, para depois saírem ainda envoltas na magia de um resto de melodia, um pas-de-deux  apaixonado à luz do poente, um conto de fadas em Cinemascope.

Depois, o gênero mudou. Agentes secretos, caubóis italianos, catástrofes planetárias, naves espaciais e o cinema novo vieram ocupar os telões. E os musicais ficaram mais densos, mais comprometidos com mensagens sociais, ou da contracultura, símbolos de protesto e de rebeldia. Alguns foram magníficos, como West Side Story, Hair, Jesus Christ Superstar, Cabaret. Mas, a antiga leveza, os cenários ingênuos e multicoloridos deram lugar a bailados vigorosos, filmados em backgrounds de periferia, cotidianos, às vezes cruéis.

WEST SIDE STORY

Há sete anos, a antiga magia teve um auspicioso renascimento, com Mamma Mia. Atores sérios, como Meryl Streep, Pierce Brosnan, Stellan Skarsgård e Colin Firth calçaram as sapatilhas e amaciaram a garganta, e nos brindaram com inesquecíveis sequências de música e dança, daquelas de nos dar vontade de despregar da cadeira e seguir a melodia.

MAMMA MIA


Agora, veio LA LA LAND.

Logo nos primeiros cinco minutos, a cena do engarrafamento ao som de “Another Day of Sun” dá a dica. Estamos de volta aos velhos tempos. Daí para a frente, é um encantamento, um revival inédito, uns toques de American In Paris pintados em Los Angeles do século XXI, um pouco de Brigadoon salpicando uma linguagem jazzística de terceiro milênio, Singing In The Rain sem precisar da chuva. Há até uma citação real ao clássico Rebel Without a Cause (Juventude Transviada), o icônico “clássico” de James Dean de 1956.

Novamente, atores insuspeitadamente musicais, como Ryan Gosling e Emma Stone (ambos ótimos), levam com extrema competência os números de dança e de canto. Mas, acima de tudo, paira a requintada e encantadora trilha sonora deste novo gênio chamado Justin Hurwitz. Quando for assistir, preste atenção às delicadas joias compostas por ele. A Lovely Night, City of Stars e, é claro, Mia & Sebastian’s Theme o farão sonhar sonhos perdidos lá nos anos 50, se é que você entende do que estou falando...

A mensagem é simples. Não percam.

Oswaldo Pereira
Janeiro 2017






domingo, 15 de janeiro de 2017

OPOSTOS



Água e vinho. Não. A diferença não é só essa. Fogo e água. Mais perto.

Vamos pelos signos. Um é Leão, com ascendente em Aquário. O outro é Gêmeos, ascendente em Leão.

Não entendo de Astrologia, mas se alguém me disser que estas cartas zodiacais não implicam uma total incompatibilidade, eu deixarei imediatamente de acreditar nos astros.

Estou falando de Barak Hussein Obama e de Donald John Trump. Desde que Thomas Jefferson sucedeu a John Adams, em 1801, que tamanha dissociação de personalidades não ocorre na crônica política da grande nação norte-americana.

E, desta vez, outros ingredientes vêm jogar mais lenha na fogueira. Um é negro. O outro é esfuziantemente louro. Um tem um nome que revela suas origens multiétnicas e transnacionais. O outro crava as origens de seu sobrenome nas linhas mestras da imigração branca do século passado que iria abocanhar o sonho americano. Obama vem da academia, do campus, onde as ideias circulam livremente entre pontos e contrapontos instigantes. Trump vêm da selva do empreendedorismo, do mata-mata instigado pela disputa de mercados e de fortunas.

Basta olhar para os dois. Basta ouvi-los. Não é só uma dicotomia partidária, uma questão de postura inspirada pelas cores opostas de democratas ou republicanos. Obama e Trump são visceralmente diferentes, opostos, antagônicos.

Se alguma dúvida incomoda seu espírito, caro leitor, esta já deveria ter sido dissipada pelos acontecimentos da semana passada. Demore-se sobre o discurso de despedida de um, em Chicago, e compare com a entrevista coletiva do outro, em Nova Iorque.  

Em quase duas horas, Obama desfiou os feitos de sua administração, o que fez e o que não conseguiu fazer, no mesmo tom calmo que permeou sua passagem histórica pela Casa Branca. Sabia que falava para os arquivos do porvir. Mesmo assim, ainda achou tempo para, numa lindíssima homenagem, declarar seu amor por Michelle.  

Trump, como se esperava, partiu para a briga com a CNN, reafirmou todos as suas polêmicas promessas de campanha, auto elogiou-se como um emissário dos deuses e jurou desfazer as iniciativas de seu antecessor.

Fogo e água.

Daqui a algum tempo, olharemos para hoje do futuro. Os anos terão passado e os amanhãs de agora serão um grande estoque de ontens. Aí, saberemos. Quem estava certo, quem melhorou o mundo, a nossa vida, os nossos sonhos. Quem os prejudicou ou os destruiu. A História sempre sabe. Mas, ela só olha para trás...

Oswaldo Pereira
Janeiro 2017



segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

OUTRO PORTUGUÊS


Uma semana após António Guterres ter assumido a Secretaria-geral da ONU, outro português vem ocupar as manchetes da imprensa internacional.  Desta vez, uma despedida.

Mário Soares, morto no passado dia 7 aos 92 anos, dominou o cenário político de seu país durante mais de vinte anos, desde que regressou do exílio dois dias depois da Revolução dos Cravos, na mesma revoada de outros expatriados pelo Estado Novo, romanticamente apelidada de “Comboio da Liberdade”, até o término de seu segundo mandato como Presidente da República, em 1996.

E mesmo depois disto, apesar de ter sua importância atenuada por alguns revezes eleitorais e se declarar afastado da política ativa em 2006. Seu nome era grande demais para ser descartado. Assim, sua presença continuou a ser sentida ainda no avançar de sua idade e na corrosão natural que os mitos sofrem com o passar dos anos.

E, ironicamente, é a morte que salva a memória dos homens históricos. À medida que suas ações, suas escolhas e seu legado vão resvalando do noticiário cotidiano para os arquivos do passado, sua imagem tende a crescer, a evocar uma reverência silenciosa, que talvez em vida não lhe tenha sido oferecida.

É como se ascendessem a outro patamar, o pedestal da posteridade perdoando seus pecados.

Mário Soares não é, e nem nunca foi, uma unanimidade. Mas, é um pedaço da História de Portugal, um importante pedaço de transição dos anos Salazar para uma democracia plena. Soares foi um dos artífices dessa transição. Por isto, não pode nem deve ser esquecido.


Oswaldo Pereira

Janeiro 2017

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

UM PORTUGUÊS NO TOPO DO MUNDO



Eleito pela Assembleia Geral, por recomendação do Conselho de Segurança, o português de 67 anos António Manuel de Oliveira Guterres acaba de tomar posse como Secretário Geral da Organização das Nações Unidas.

Seus compatriotas o conhecem bem.

Político atuante desde 1974, Guterres é um dos maiores nomes do Socialismo luso. Eleito para a Assembleia da República em 1976, logo destacou-se nas fileiras de seu Partido, presidindo uma série de comissões e secretarias. Por cinco mandatos, foi presidente da Assembleia Municipal, o equivalente ao nosso Prefeito, da cidade de Fundão, na região Centro de Portugal. Em 1992, chegou ao cargo de Secretário-Geral do Partido Socialista e, em 1995, foi eleito Primeiro Ministro. Reeleito em 1999, acabou por demitir-se em 2002, ao verificar que disputas políticas internas do PS ameaçavam jogar o país num “pântano político”, segundo suas próprias palavras. A partir daí, retirou-se da cena pública, assumindo um cargo de consultoria na Caixa Geral de Depósitos.

Em 2005, entretanto, efetivou uma aproximação que já se desenrolava há algum tempo com a ONU, sendo nomeado Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Quem acompanha com interesse a História moderna não terá dificuldade em compreender a importância que o momento reservava para esse cargo. A data coincidiu com o enfraquecimento das ditaduras norte-africanas e do Oriente Próximo, em seguida à invasão do Iraque pela coalizão liderada pelos Estados Unidos. Esta situação iria desaguar na Primavera Árabe e, posteriormente, na desestabilização política de toda a zona e no advento do radicalismo islâmico.

Tudo isto acabou por acender o estopim de inúmeros conflitos internos nos países da região e, eventualmente, no surgimento de uma imensa onda de refugiados, nunca vista desde os tempos da Segunda Guerra Mundial. Guterres previu este tsunami. Já em 2012, intuiu que grandes massas de fugitivos iriam vir. Restava só saber “como iremos administrar sua vinda e quão humanamente o faremos”, conforme ele próprio declarou à época.

Ainda bem que, segundo as pessoas que o conhecem desde os bancos escolares, onde sempre se destacou como o melhor de sua turma, Guterres não tem medo de problemas. O que o espera a partir de agora, como Secretário-Geral da maior organização internacional do planeta, é um receituário de problemas para ninguém botar defeito.

O fluxo permanente de refugiados, a ameaça sinistra das falanges do ISIS, do Boko Haram, do Al-Shabab, a queda de braço assassina na Síria, o Brexit e seus possíveis efeitos negativos na união do Euro, o crescimento da Direita em países de topo na Europa, o infindável empurra-empurra entre judeus e palestinos, uma pedra no sapato do Extremo-Oriente chamada Coreia do Norte, os piratas somalis, as discussões internas sobre ampliação do Conselho de Segurança... Que tal?

E, como se fosse pouco, here comes Trump e suas ameaças de retaliações à decisão do Conselho de Segurança de condenar os assentamentos judaicos na Cisjordânia.

Sensato e inteligente, António Guterres tem agora a oportunidade histórica de se tornar um respeitado líder mundial. Que os heróis da epopeia lusa dos Descobrimentos o inspirem e protejam.

Oswaldo Pereira
Janeiro 2017