segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

MADURO




A piada seria inevitável, se a situação não fosse tão séria. O Presidente da Venezuela está para cair de maduro... Mas, trocadilho numa hora destas?!

A nação venezuelana passa neste momento por uma situação pouco comum. É um país desfazendo-se por dentro, esgarçando o tecido de sua organização social, esfrangalhando sua economia e baixando a patamares mínimos o nível de vida de grande parte de sua população. Um quadro deprimente de um povo sobre o qual se abateu a pior das tempestades perfeitas. Uma debâcle financeira, uma liderança incompetente, uma ratoeira institucional e um choque de poderes.

É evidente para todos que a permanência de Nicolás Maduro na presidência está com os dias, ou até as horas, contados. E é também de se presumir que ele próprio sabe disto. O desequilíbrio total da organização política e o repúdio internacional ao seu governo são fatores determinantes. As pressões vão aumentar, é claro, apertando ainda mais o torniquete na garganta econômica da Venezuela. Como está, não há sobrevida viável para o bolivarianismo no país.

Maduro é o exemplo típico do despreparo. Assumindo o poder, como Vice-Presidente interino, após a prematura morte de Hugo Chávez em 2013, esse ex-maquinista do metrô de Caracas havia construído sua carreira política à sombra do chavismo, educado na cartilha do socialismo bolivariano, cujos dogmas ancoram-se no conceito de um Estado enorme e no controle total da grande fonte de riqueza do país. O petróleo.

A significativa queda do preço do barril colocou a nu a malversação dos proventos obtidos com a exportação do produto, já iniciada na época de Chávez, mas encoberta pela bonança do dinheiro farto quando o petróleo estava em alta. Maduro herdou a banda podre do negócio. E, sem o carisma de seu mentor, acabou por descobrir que não há chavismo sem Hugo Chávez.

Tentando manter o poder em suas mãos com bravatas, e incompetente para reverter a descida ladeira abaixo da economia e dos meios de produção, Maduro conduziu a Venezuela para a beira de um precipício social e institucional.
Cada vez mais sozinho, ele provavelmente já pressentiu sua queda próxima e deve estar negociando sua saída. Para aumentar a aposta, subiu o tom nos confrontos fronteiriços, apoiado ainda pelos pretorianos da Guardia Nacional Bolivariana e por grande parte do exército. Um apoio que começa a ruir.

Esperemos que esta péssima experiência venezuelana sirva de alerta para vizinhos e amigos.

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2019

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

CHUVAS



É só fevereiro, e duas bofetadas do destino já explodiram no rosto de um Rio de Janeiro que resfolegava no verão mais quente de sua história. Um aviso? Um castigo? Ou, na sua simplicidade seca, apenas o resultado de um “país sem alvará”, como muito bem definiu o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos.

Na sua febril procura por culpas no varejo, o carioca e, por extensão, o brasileiro, toda vez que uma tragédia nos golpeia, saem à caça de responsáveis. Na maioria das vezes, é uma caça desordenada, e de pouca duração. Na maldição de nossa memória curta, passado o estardalhaço da raiva, esqueceremos, como esquecemos de Mariana até acontecer Brumadinho, da Chapecoense até acontecer o Flamengo, de Nova Friburgo até acontecer o Vidigal.

No caso das chuvas da semana passada, a síndrome persiste. Procuraram-se réus na atual Prefeitura, na Defesa Civil, no Serviço de Meteorologia. Têm sua parcela de culpa? É claro que sim, mas se os que acusam prestassem um pouco de atenção e calibrassem mais sua justa revolta, poderiam ver o óbvio.

Um temporal como o da última quarta-feira traria graves transtornos a qualquer grande cidade. Há dois anos, passei por uma tempestade semelhante em Berlim. A capital alemã virou um caos. Engarrafamentos monstruosos, ruas interditadas, alagamentos por toda parte. Mas, a diferença entre lá e cá não foi a superior qualidade dos serviços públicos berlinenses.

Uma diferença foi a topografia. Berlim é plana como um tabuleiro de xadrez. O Rio esgueira-se entre as montanhas e o mar. O que o faz uma maravilha da natureza, condena-o a sofrer os horrores das enxurradas em dilúvios estivais.

Mas, a segunda, e enorme, diferença, é a ocupação criminosa, ilegal e desenfreada dos morros cariocas. Temos as maiores favelas urbanas, agora eufemisticamente batizadas de “comunidades”, do mundo. São milhares de casas, barracos, “puxadinhos”, pequenos prédios, estabelecimentos comerciais precários, armazéns clandestinos construídos em terrenos invadidos, levantados em cima de declives sem qualquer precaução, criando vielas íngremes e tortuosas, escadarias improvisadas, becos para onde o lixo é atirado com abandono. Tudo sem planejamento. Tudo à margem dos registros imobiliários, dos impostos e da fiscalização. Tudo deixado ao acaso.

E tudo isto cresceu ante os nossos olhos plácidos. Tudo isto recebeu o aval cúmplice de Prefeitos e Governadores eleitos pelo nosso voto inconsciente e descuidado. Se prestarem mesmo atenção, as consequências mais gravosas destes destemperos climáticos ocorrem exatamente onde habitações tornadas vulneráveis por sua localização de risco e fragilizadas por sua construção primária são abatidas pela fúria das corredeiras de suas vielas estreitas.

Nem todo o aparato dos órgãos de defesa civil de Berlim, ou, mesmo, de qualquer outra cidade do mundo civilizado, seria capaz de remediar uma situação tão dramática quanto a do Rio, numa noite de horrores como a do dia 6 de fevereiro.

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2019