sábado, 29 de julho de 2017

POTSDAM


Fica perto de Berlim. E, depois de se deliciar com os encantos dessa fantástica capital, vale a pena programar uma ida até lá. Estou falando de Potsdam.

Para quem se interessa pelo passado recente, o nome evoca uma histórica Conferência de Paz. Entre 17 de julho e 2 de agosto de 1945, os três grandes vencedores da Segunda Guerra Mundial reuniram-se no Palácio Cecilienhof, uma elaborada construção erigida entre 1914 e 1917 pelo Imperador Guilherme II para seu filho. As reuniões decidiram o futuro do mundo no pós-guerra e, segundo vários analistas, semearam as sementes da divisão que iria, logo a seguir, empurrar o planeta para a Guerra Fria.

CONFERÊNCIA DE PAZ - 1945

Muitos creditam à ausência de dois dos líderes que haviam derrotado os nazistas (Churchill, que já estava em Potsdam quando recebeu a notícia de que não havia sido reeleito para o cargo de Primeiro Ministro, e Roosevelt, falecido em abril), os ganhos obtidos pelos soviéticos nas negociações. Clement Atlee, pelos britânicos, e Harry Truman, pelos americanos, estavam “verdes” demais para enfrentar Josef Stalin.

Outro acontecimento importante foi a ordem, emitida por Truman enquanto se encontrava em Potsdam, para o lançamento das duas bombas atômicas contra o Japão, encerrando o último capítulo da Segunda Guerra.

Dividida a Alemanha, Potsdam ficou no Leste, mas encostada no muro. Lá ainda assombram os edifícios das instalações da sinistra KGB e a Glienicke Brücke, mais conhecida como a “Ponte dos Espiões”, cenário de tensas trocas entre os dois lados.

Mas, se nos encaminharmos para traz no tempo, vamos encontrar uma emblemática figura, a quem a cidade deve inteiramente o seu charme cosmopolita, sua elegância leve e imponente ao mesmo tempo, seu rococó iluminado.

FREDERICO II, O GRANDE

Trata-se de Frederico II, rei da Prússia entre 1740 e 1786. Exemplo mais que perfeito do absolutismo esclarecido, Frederico o Grande foi um homem ambivalente. Músico, poeta e filósofo de um lado, era a antítese de seu pai, o austero Frederico Guilherme, o Rei-Soldado. Na sua outra vertente, foi um dos mais extraordinários comandantes militares de todos os tempos, capaz de liderar e vencer campanhas contra inimigos vastamente superiores em números. Brilhante estrategista, consolidou e aumentou o tamanho da sua Prússia. Simultaneamente, era amigo de Voltaire e exímio flautista. Esta dupla personalidade revela-se de maneira inequívoca em duas magníficas obras de arquitetura que mandou construir.

Uma é o Palácio Sanssousci. Sem problemas. O nome diz tudo. Era aí, numa delicada sequência de salões e quartos, flanqueada por alegorias gregas e tendo à frente um magnífico jardim de vários níveis e inúmeras fontes, que o rei se reunia com sua entourage para se dedicar a intermináveis horas de lazer. Mulheres estavam na categoria de problemas e não eram convidadas. E a homossexualidade de Frederico não é segredo para ninguém.

PALÁCIO SANSSOUCI

Outra é o Neues Palais, o Palácio Novo. Símbolo de poder e de riqueza, foi construído após a vitória prussiana da Guerra dos Sete Anos, justamente num momento em que os cofres do reino estavam vazios. A intenção era mostrar que o país mantinha-se forte, invencível.

NEUES PALAIS
Antes de morrer, Frederico determinou que queria ser enterrado à noite num túmulo singelo num dos lados de Sanssouci. Seu sobrinho e sucessor, Frederico Guilherme II, não atendeu seu desejo. Só duzentos e cinco anos depois, em 1943, seus restos finalmente repousaram onde ele queria.

É uma lápide simples, na ponta de uma pequena galeria de esculturas neorromanas. Ao lado, doze campas menores marcam o lugar onde estão enterrados seus amados cães.

O nome do rei está quase apagado. Em cima da pedra, não há rosas. Há... batatas. Foi Frederico que, vencendo muita resistência, introduziu o plantio do tubérculo na Prússia. Salvou o país da fome. 

Assim como entrelaçou seu nome na alma de seu povo e na aura suave e eterna de Potsdam.

Oswaldo Pereira

Julho 2017  

quinta-feira, 20 de julho de 2017

LULA



É quase impossível falar do Brasil de hoje sem falar de Lula. E é difícil falar de Lula, saber como seu verbete vai entrar para os livros. Como vamos ler sobre ele no futuro?

Se fosse daqui a 20 ou 30 anos, seria mais fácil. O distanciamento dos anos tende a amadurecer o julgamento. O post mortem providencia as datas de começo e fim, encerrando num período definido o legado de uma vida, a obra completa, a mensagem definitiva.

Todas as grandes figuras públicas foram polêmicas em seu tempo. Faz parte. Agradar a todos nunca foi apanágio dos homens e mulheres que saíram de seu anonimato e partiram para abrir sua alma ao mundo, tentar mudar o curso, trazer algo novo, inspirar, liderar ou, simplesmente, transformar seu nome num verbete da História.

Exemplos? Juscelino Kubitschek é hoje uma quase unanimidade. Brasília, 50 anos em 5, o Presidente Bossa Nova, a indústria automobilística. São ícones poderosos que acalentam a imagem pura de um governante esclarecido. Na sua época, estava longe de ser isto. A roda inflacionária disparada pelo afã de construir a nova Capital, os muitos fios de corrupção espalhados pelos meandros do empreendimento, o esvaziamento dos cofres dos Institutos de Previdência. Houve rebeliões armadas contra seu Governo. Unanimidade? É claro que não.

Mais para traz, temos Getúlio Vargas. Venerado hoje como o “pai dos pobres”, o hábil negociador que nos deu a Siderúrgica de Volta Redonda e a legislação trabalhista, foi um ditador implacável com seus inimigos, um político matreiro e exímio na arte do conchavo. Seu segundo termo foi um desastre, expondo um tenebroso submundo gerenciado por apaniguados, o tristemente famoso “mar de lama”.

Evidentemente, este viés de polêmica não é só característica dos homens pátrios. Excelsas figuras de outros panteons também conviveram, em sua época, com antagonismos e contradições. George Washington foi acusado de alterar em seu proveito suas despesas de viagens, Abraham Lincoln teve metade do país contra si, Winston Churchill nem conseguiu ser reeleito ao término da Segunda Grande Guerra, dizem que Frederico o Grande era gay. Havia até, no início do século XVIII, quem achasse a música de Mozart rebuscada e brega.

Só o tempo vai apagando os pecados, soterrando os desvios, depurando a memória, “limpando” a biografia. Lula ainda está escrevendo sua história e sua imagem ainda está sendo composta. Qual será o veredito final? Ladrão cínico? Líder carismático? Perguntem-me daqui a 50 anos...

Oswaldo Pereira
Julho 2017




domingo, 9 de julho de 2017

PÂNTANO


Foi num documentário sobre a Segunda Guerra Mundial.  A entrevistada era uma inglesa, casada com um alemão e vivendo em Berlim nos anos que precederam o conflito. Perguntada como experimentara ela o crescimento do nazismo e as profundas mudanças ocorridas na sociedade debaixo de Hitler, a inglesa declarou que a vida seguia normalmente e era só quando um acontecimento atingia alguém próximo ou algo modificava uma rotina ou um procedimento é que a realidade aparecia. Ela cita que havia chamado o seu pediatra para atender um filho doente e que, após a visita, o médico perguntou-lhe se desejava continuar como sua cliente. Ele explicou. «Várias famílias estão me proibindo de tocar em suas crianças.» Ele era judeu.

Há tempos que o descalabro das contas públicas brasileiras é mencionado pela imprensa. Especialmente, no Estado do Rio, a situação já ultrapassou a fronteira do simples problema para virar uma catástrofe. A incúria, a incompetência e, principalmente, a corrupção, jogaram a administração do Estado num atoleiro sem fundo, num pântano tenebroso onde a vida pública não existe mais. O Rio faliu.

Isto são as notícias, trágicas por si mesmas, que ouvimos diariamente, que lemos nas manchetes, que nos azeda o café da manhã e nos tira o sono nos noticiários vespertinos. Acontece que agora, como na Alemanha dos anos 1930, há fatos e indícios que começam a mostrar a cara verdadeira do descalabro, a figura real de um abismo cruel.

De janeiro até hoje, foram registrados 2.800 tiroteios no Rio de Janeiro. 15 por dia. A cada 7 horas, uma pessoa é atingida por uma bala perdida. Num momento como esse, a Polícia Militar informa que, por falta de verbas, vai diminuir a intensidade do policiamento. Outra Polícia, a Rodoviária, também vai reduzir o patrulhamento nas estradas, nas quais, só no Carnaval, o número de acidentes graves aumentou 30%.

Quer mais? A maior universidade pública do Rio, a UERJ, ainda não iniciou o ano letivo de 2017 (no Brasil, as aulas começam em fevereiro). Motivo? Os professores estão sem receber desde janeiro. As trilhas da Floresta da Tijuca e do Corcovado, um dos atrativos turísticos da cidade, vão fechar. Não há dinheiro para pagar os guardas.

Isto para não falar de hospitais públicos onde não há médicos (para não falar em material hospitalar), escolas estaduais sem condições mínimas, estádios e decorações urbanas construídas para as Olimpíadas do ano passado abandonados e em franca deterioração.

Um dos artífices deste desastre está perfeitamente identificado. Sergio Cabral, Governador do Estado até 2016, cuja folha corrida levantada pela Polícia Federal mostra ter ele surrupiado aos cofres públicos centenas de milhões de dólares. É um dos maiores casos de corrupção do mundo.

Sua mulher, Adriana Ancelmo, cúmplice do marido, segundo a Polícia, em boa parte das ações criminosas, recebeu recentemente a benesse de uma prisão domiciliar. Para situar bem o caso, ela voltou para seu belo apartamento na orla. E, aí, estes dias, eu me irritei com o povo carioca. Por que uma gente que vai de madrugada a um aeroporto para receber seu time de futebol, para celebrá-lo ou hostilizá-lo, não tem stamina suficiente para postar-se junto ao edifício onde mora a corresponsável pela desgraça que se abateu sobre o Rio e fazer da sua vida um inferno?

Sabe o que me disseram? O prédio está permanentemente sob vigilância da Guarda Municipal, para garantir a paz e o sono tranquilo de Adriana... Adivinhem também que está pagando a conta desta vigilância...

Oswaldo Pereira
Julho 2017