domingo, 30 de novembro de 2014

BINÔMIO ENCANTADO




No mundo da informação de varejo chamado Facebook, onde o dia a dia de centenas de milhões de pessoas enche uma nuvem cósmica, que depois desce em chuva rápida e frenética sobre pc’s, i-pads, i-phones, tablets e outros receptores, abundam fotos e filmes do binômio criança/cachorro.  

Talvez porque nesta semana meus netos americanos, para alegria geral da família, ganharam seu primeiro cãozinho, e também porque as cenas filmadas e fotografadas deles, e de todos os que aparecem na rede, mostrem ternos momentos de encantamento entre gente e bicho, tive a atenção chamada para o assunto.

Registros arqueológicos indicam que a transformação de cães selvagens em animais domésticos começou a ocorrer há 15.000 anos. Caninos com fome numa época de escassez aproximaram-se dos aglomerados humanos e trocaram sua agressividade por comida. E bingo! a relação com o “melhor amigo do homem” teve início pois, no intercâmbio, os animais passaram a guardar seus benfeitores com a mesma diligência que empregavam na defesa de suas matilhas.

É evidente, e nisto todos os veterinários concordam, que nem todo cachorro, e nem toda criança, nasceram para viver este binômio. Os muito agressivos (ambos) poderão tornar a vida familiar e a organização da casa num inferno, além de criar situações de eventual dano à integridade física de humanos e animais. E, sempre, pais precisam entender que, dependendo das idades de filho e filhote, os dois precisarão de cuidado, ensinamento e atenção.

Mas, superados e compreendidos estes requisitos fundamentais, observar o encantamento mútuo de uma criança e seu cachorro e de como se completam em afeição é um grande prazer. Pesquisas informam que um cão com treinamento básico tem a mesma percepção intelectual de um ser humano de dois anos de idade. Assim, pode compreender a hierarquia da família com que vive e a considerá-la como sua matilha, inclusive sua obrigação instintiva de defendê-la, como fizeram os primeiros lobos no Neolítico.

Como criança morando numa casa com um enorme terreno em Botafogo, eu tive um cachorro. Chamava-se Jupi e era um pinscher miniatura. E até hoje, passados quase setenta anos, eu me lembro da terna simbiose de um filho único vivendo num casarão com seu animal de estimação. Tanto das horas boas quanto da tristeza de sua morte, atropelado em plena Rua General Polidoro. Eu tinha oito anos e me deparei pela primeira vez na vida com uma coisa dolorida chamada perda. Mas, os quatro anos durante os quais eu e Jupi jogamos bola, atravessamos florestas imaginárias no quintal, fomos numa nave até o fim do mundo que ficava atrás do galinheiro e cruzamos juntos os mares da fantasia valeram. Ah! Se valeram...


JUPI & EU 1946




Oswaldo Pereira
Novembro 2014



terça-feira, 25 de novembro de 2014

PAPO DE BAR - LARANJAS & ADVOGADOS


A coisa deve estar mesmo feia...


Bem... TUDO está mesmo feio. Inflação, corrupção, futebol... De que você está falando?


















«Do Barco...»

«Barco? Que Barco, Antonia? Mais algum escândalo na costa brasileira?»

«Estou falando do PT. Já viu quanta gente está abandonando o barco nestas últimas semanas? A Marta Suplicy saiu atirando, o Zuenir Ventura deu para falar mal do Governo, o Gabeira metendo o pau na Dilma. Até parece que o partido perdeu as eleições... Há inclusive algumas alas partidárias tradicionais começando a divergir das orientações do Comitê Central. Isto é quase uma oposição dentro de casa»

«Também pudera, com um mega escândalo desses assombrando a turma, tocou o salve-se quem puder. Vai ser um tal de não vi, não sei de nada em profusão. Inda mais se os tribunais americanos entraram na dança e apontarem as baterias para este lado. Muita gente não vai poder botar o pé nos States durante um longo tempo... A não ser que a Dilma mande blindar seus correligionários»

«Acontece que, mesmo que ela queira, não dá mais. Abriram a caixa de Pandora, cara, e jogaram a chave fora. E a Dilma sabe que a sua única saída é apoiar as investigações e as ações penais. O doa a quem doer vai ter que valer desta vez. É a maneira que ela tem de tentar se desvincular do fato de que ela foi Presidente do Conselho da Petrobras no tempo da compra de Pasadena e de que todo este esquema gigantesco de corrupção também já rolava no tempo dela.  Tem de minimizar isto passando a imagem de que a Operação Lava-Jato tem o seu mais completo beneplácito»

«Mesmo que isto comece a atingir alguns quadros do Partido?  E a ameaça de perder o apoio parlamentar no Congresso? Lembre-se que o PT já esvaziou as CPI`s anteriores, pressionou para amenizar as penas do Mensalão. Eu não seria tão categórico. Já se encobriu muita coisa neste país de memória curta. O Natal já vem por aí. E depois férias e Carnaval. Será que o Petrolão vai sobreviver a estas catarses nacionais?»

«Vai, amigo. Desta vez, vai. O escândalo na Petrobras é o refluxo do Mensalão. A garganta e o esôfago da Nação não aguentam mais este amargor, esta farra obscena com o nosso dinheiro. Passamos do point of no return. Não tem volta»

«Você acha? Pois eu acho que isto vai morrer num ambiente parecido com o balanço do terror nuclear...»

«Como assim?»

«Lembra-se da Guerra Fria? Durante três décadas o mundo esteve à beira de uma Terceira Guerra Mundial. Só não aconteceu porque tanto a União Soviética como os Estados Unidos possuíam um enorme arsenal nuclear. Ambos os lados sabiam que qualquer iniciativa bélica de um deles teria como resposta a mesma dose de destruição em seu território. Ironicamente, este balanço de poderio destrutivo preservou a paz»

«E?...»

«Você acha mesmo que este tipo de negociata, favorecimentos, propinas, superfaturamentos e que tais aconteceram, e acontecem, somente na Petrobras e com o PT? Qualquer investigação mais profunda no relacionamento de empreiteiras com órgãos públicos de qualquer tamanho e de qualquer cor política tem grande chance de encontrar coisas semelhantes, espalhadas por este nosso vasto território. Quantos dos mais de cinco mil municípios brasileiros podem abrir sua contabilidade sem receio? Pois então. É esta corrupção endêmica que vai travar o processo investigatório. O tamanho da maracutaia é tão grande, tão onipresente e seu alcance tão disseminado que todos os esforços vão morrer na praia. É o balanço dos interesses. Tem muita gente fingindo apoiar as ações da Polícia Federal e, escondidinho, tentando apagar rastros e entrando em contato com bons conselheiros legais. É tempo dos laranjas e dos advogados...»

«Não posso acreditar nisso. Não quero... Tem de haver uma saída...»

«Pelo contrário. Temos é que fechar as saídas. Se não, todo mundo escapa. Parte da grana já foi para a Suíça...»


Oswaldo Pereira

Novembro 2014

sábado, 22 de novembro de 2014

NOVO PATAMAR?




Dois alunos foram flagrados com facas em suas mochilas escolares. Sua intenção era agredir um colega com quem haviam tido uma rixa dias antes. Isto aconteceu ontem, num dos mais conceituados e tradicionais estabelecimentos de ensino do Rio de Janeiro, o Colégio Cruzeiro. E os alunos tinham sete e oito anos. Colégio CRUZEIRO?! SETE e OITO ANOS!!?

E aí o medo bate. Será que estamos chegando a outro patamar?

Violência infantil não era novidade por aqui. Pivetes, trombadinhas, aviões do tráfico já encheram as páginas policiais dos meios de comunicação. Uma criança de onze anos, com um tresoitão pendurado na cintura de um bermudão maior que ela, era até considerada mais perigosa do que um bandido mais velho. Era mais assustadora e assustadiça, o dedo moleque mais propenso a puxar o gatilho, a consciência ainda virgem, pronta para ser estuprada sem remorso. Vinha de um mundo sem lei, sem família, sem professora, sem primeira comunhão, sem passado, sem futuro. Sua cartilha era o beco da favela, seu recreio o cheiro da cola, seu mestre o chefão da droga. Sem deus, sem sonhos.

Os dois mini-delinquentes de ontem não são nada disto. São membros de uma classe média alta, têm um lar, tênis da moda, TV em cores, ensino da melhor qualidade, comida na mesa, presentes de Natal, proteção e mimo. Como é que a violência crua penetra nessas cabeças? De onde vem esse instinto bárbaro que move uma criança a se armar e desejar ferir um colega?

Pode ser um caso isolado? Pode. Mas também pode não ser. Há tempos, escrevi uma crônica aqui neste blog, intitulada “Contos da Carochinha”, em que comparava a retórica da violência nos contos infantis do passado com a agressividade explícita dos joguinhos virtuais de hoje. E terminava com o seguinte parágrafo:

“Espero que seja só um achaque nostálgico. Entretanto, me aflige observar um aumento gradativo de agressividade entre os jovens. Os fatores devem ser vários, mas algo me sussurra que jogos nos quais a ação violenta é um objetivo em si têm um pouco de culpa no cartório. 

Com a palavra, o futuro.

Será que este futuro já chegou?


Oswaldo Pereira
Novembro 2014



quarta-feira, 19 de novembro de 2014

sábado, 15 de novembro de 2014

FUNDO DO POÇO






Há muita gente, inclusive colunistas de respeito, dizendo que chegamos ao fundo do poço. O escândalo da Petrobras já é, em termos do montante desviado e de amplitude de envolvidos, o maior episódio de corrupção nacional de todos os tempos. E olhe que estamos falando de um país recém-saído do espetáculo midiático que foi o processo do Mensalão, de um povo que convive com relatos de falcatruas esfregados diariamente em sua cara pela imprensa, das incontáveis denúncias de malversação do erário que saem pelos poros do tecido da sociedade brasileira.

Foram contabilizados, até agora, R$56 bilhões (para os que me ouvem nos Estados Unidos e na Europa, o equivalente a US$22 billion ou €16 mil milhões), desviados, propinados, lavados e enxugados em paraísos internacionais, por uma teia pegajosa composta por políticos, lobistas, funcionários, diretores, empresários, doleiros e outros profissionais do ramo. É estarrecedor imaginar que todo esse esquema, aparentemente vicejando impune nos corredores da maior e mais emblemática empresa do Brasil, passou despercebido de fiscais, dirigentes, conselheiros e auditores por tanto tempo. Quero contritamente acreditar no que dizem os colunistas. Que este seja mesmo o fundo do poço, o ponto final, o fim da linha. Não há mais estômago para aguentar outra dose destas. Mas, aqui em Pindorama, quem sabe?...

E a pergunta chave é: como conseguimos chegar até a este ponto? Quais são os ingredientes venenosos que cozinharam este caldo pútrido que escorre viscoso por todos os níveis de atividade, sejam eles públicos ou privados? Que vento é este que corrói o mais puro propósito, que afoga as consciências, que ceva a ganância e assassina o pudor?

Muitos vão dizer o que sempre ouço quando falo neste assunto: A corrupção existe em toda a parte, até no Vaticano. A roubalheira não é apanágio nosso... Concordo. Parece até que a desonestidade está no DNA do poder e da proximidade com o dinheiro. Mas, para mim, a diferença entre nós e o resto do mundo, além da escala desproporcionalmente grande da malandragem pátria, é o caráter endêmico do mal que nos assola.

Então, como viemos parar nesta situação? Acho que cada um de nós deve ter sua resposta, sua explicação. A minha baseia-se em dois fatos acontecidos comigo. Há muito, muito tempo.

Como já devo ter contado aqui neste blog, em 1957 (isto mesmo, galera, há cinquenta e sete anos), eu fui passar uma temporada nos Estados Unidos. Aí fiquei por deslumbrados três meses, a maior parte do tempo em Nova Iorque, que devorava com os meus olhos de adolescente. Quando voltei, relatando as maravilhas do mundo mágico ao Norte, expliquei que lá não havia a figura do vendedor de jornais. Os exemplares eram colocados em pilhas nas calçadas e os compradores simplesmente pegavam o seu e deixavam o montante correspondente numa caixa que ficava ao lado. O impacto nos meus amigos foi enorme. Como era possível isto? Quer dizer que ninguém deixava de pagar, ou levava dois e pagava um? Que absurdo...

Quando voltei a morar no Brasil em 1971, depois de passar sete anos na Itália e em Portugal, espantou-me o comportamento dos brasileiros no trânsito. Principalmente, nas estradas onde, a cada engarrafamento, a turma não hesitava em escapar pelo acostamento. De onde eu viera, isto era um crime de lesa-pátria, uma esperteza unanimemente condenável. Certa ocasião, observando com raiva surda este nefando procedimento numa estrada para Minas, verifiquei que, à frente, a Patrulha Rodoviária estabelecera um posto de controle. Antegozando a minha vingança, aguardei ansiosamente chegar até onde estavam os policiais e poder assistir ao doce espetáculo de ver os transgressores impedidos de prosseguir e punidos com a devida multa. Para minha incredulidade e profundo desencanto, vi, quando lá cheguei, que os guardas paravam os que estavam na mão correta e abriam passagem para a alegre turma dos ispertos.

Deseducação cívica e Impunidade.

Este coquetel letal vem, há mais de cinquenta anos, minando o organismo da sociedade e secando suas reservas morais. Há cinco décadas que observo este processo. Quase três gerações. Será que estamos mesmo no fim?...


Oswaldo Pereira
Novembro 2014













   

domingo, 9 de novembro de 2014

CIDADES QUE DÃO MÚSICA III






RIO DE JANEIRO


Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil
Cidade Maravilhosa, coração do meu Brasil...”
Cidade Maravilhosa. André Filho e Silva Sobreira. 1934.


Quando a expedição exploratória de Gaspar de Lemos, descendo a costa brasileira, passou em frente ao que parecia ser a foz de um rio, a extraordinária beleza da paisagem deslumbrou o coração curtido daqueles marinheiros - dois montes aconchegados na saída do delta, uma cintilante praia na outra ponta, as águas infinitamente azuis dos trópicos exalando o cheiro doce da maresia, o sol de verão dourando o verdor das suaves colinas.  Era o dia primeiro de janeiro do ano de 1502. O cartógrafo de plantão prontamente desenhou os contornos daquele acidente geográfico de mágico esplendor e deu sua certidão de batismo. Daí, e para todo o sempre, o lugar passou a ser chamado de Rio de Janeiro.


“Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro
Estou morrendo de saudade
Rio, teu mar, praias sem fim
Rio você foi feito prá mim...”
Samba do Avião. Antonio Carlos Jobim. 1963.


Os navegadores portugueses, e uma legião de visitantes depois, chegaram ao Rio por mar. Mas, a partir da década de 1930, outro meio de transporte, tornado realidade pelo pioneirismo de homens como Alberto Santos-Dumont, dominou a cena. E passou a proporcionar uma das mais incríveis experiências visuais de uma viagem aérea – chegar ao Rio de Janeiro de avião. Você pode repetir isto centenas de vezes, de manhã, quando o brilho do amanhecer tropical reflete na pedra dos morros, de tarde, com o pincel do poente desenhando em carmim um céu abençoado, de noite com a luz da cidade refletindo as estrelas. E você jamais deixará de se apaixonar pelo poema de uma cidade aninhada entre o mar e as montanhas, abrindo seus braços morenos para o viajante que chega.


“Moça do corpo dourado do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar...”
Garota de Ipanema. Vinícius de Morais e Antonio Carlos Jobim. 1962.


Na língua dos indígenas que habitavam a região antes do Descobrimento, ipanema significava água ruim ou água sem peixes. Mas, quem iria querer saber de peixes, quando a famosa garota passou, seu ritmo de ingenuidade sensual na cadência da brisa que vinha das ondas, colorindo a tarde menina e desatando a inspiração galopante nos dois marmanjos que, entre um chopp e outro, viram-na e viram-se golpeados pela epifania do momento. A genialidade de Vinícius e Tom Jobim transformou-a na canção mais tocada em todo o mundo. Cinco anos antes, os dois também haviam participado de outra descoberta, ali mesmo em Ipanema, num apartamento de classe média. Uma batida diferente de violão, uma voz suave, quase em surdina, uma letra falando de amor e felicidade e, com a iluminada cumplicidade de João Gilberto, nascia o fenômeno da Bossa Nova.


“Chego ao Rio de janeiro
Terra do samba, da mulata e do futebol
Vou vivendo o dia a dia, embalado na magia
Do seu Carnaval
Explode coração, na maior felicidade...”
Peguei um Ita no Norte (samba enredo da Escola de Samba do Salgueiro). Demá Chagas, Arizão, Bala, Guaracy e Celso Trindade. 1993.



A maior festa do planeta. Como descrever de outra maneira uma catarse de milhões de pessoas, mesmerizadas pelo batuque do samba, pelo colorido das fantasias, pelo canto alegre das marchinhas, pela energia primal que vem das saturnálias romanas, dos bals masqués de Veneza, dos entrudos medievais. Centenas de milhares de turistas acorrem ao chamado e se juntam aos nativos nesta celebração. Há quem vá aos bailes dos clubes, há quem se una aos blocos das ruas, há quem dance nas areias das praias, na subida dos morros ou simplesmente se adorna com uma fantasia singela e se deixa levar pelo fascínio do Carnaval Carioca. Ou participa, como espectador ou integrante, nas arquibancadas ou no asfalto, do maior espetáculo da Terra: o desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro.


“Vento do mar no meu rosto e o sol a queimar, queimar
Calçada cheia de gente a passar e a me ver passar
Rio de Janeiro, gosto de você
Gosto de quem gosta, deste céu, deste mar, desta gente feliz...”
Valsa de Uma Cidade. Antonio Maria e Ismael Neto. 1950.


Em 1565, os portugueses voltaram. Desta vez para ficar. As primeiras casas brancas de cal foram surgindo nas margens da baía. Os tamoios logo usaram seu dicionário para dar-lhes nome: cari (branca) oca (casa) e o gentílico estava estabelecido. O pequeno aglomerado foi crescendo à sombra das colinas verdes e aos afagos do clima ameno. Despertou cobiça, enfeitiçou os franceses de Villegagnon, atraiu os navios corsários de Duclerc e Duguay-Trouin, foi invadida, foi resgatada e, em 1756, foi alçada ao seu posto de direito – Capital do Brasil. Então veio o Rei que daqui não queria mais sair, seu filho que ficou e deu o grito da independência. Aqui nasceram a República, o samba, o Maracanã, a mulata e o malandro, a tanga e o frescobol, a caipirinha e a feijoada. A nossa História, com agá maiúsculo escreveu-se por aqui, no Terreiro do Paço, no Theatro Municipal, na Cinelândia, no Palácio do Catete, na Quinta da Boavista, nas pedras portuguesas de Copacabana. Em 1960, o cetro foi para Brasília. Mas a Majestade ficou.


“Um cantinho, um violão
Esse amor, uma canção
Prá fazer feliz a quem se ama
Muita calma prá pensar, e ter tempo prá sonhar,
Da janela vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo...”
Corcovado. Antonio Carlos Jobim. 1960.


Braços abertos sobre a Guanabara. E sobre todos nós, cariocas de berço e de adoção. O morro e a estátua, lá colocada em 1912, num dueto sublime com o Pão de Açúcar, formam uma das paisagens mais conhecidas em todo o mundo, um ícone que sussurra promessas de um eterno verão, de aguas mornas quebrando suas ondas em areias finas, do encantado pôr-do-sol na ponta do Arpoador, das tardes em frente ao mar, de um cantinho, um violão e de alguém cantando seu amor eterno por esta cidade morena...



Oswaldo Pereira
Novembro 2014

PS.: Esta é a terceira crônica da série "Cidades que Dão Música". As duas anteriores foram sobre minhas outras duas paixões: San Francisco e Lisboa. Para quem não leu ou quiser ler de novo, aí abaixo estão os links para acessá-las. 


http://obpereira.blogspot.com.br/2012/05/cidades-que-dao-musica-1.html

http://obpereira.blogspot.com.br/2013/10/cidades-que-dao-musica-2.html


quarta-feira, 5 de novembro de 2014

TRIBULAÇÕES DEMOCRATAS




Pelas indicações que chegam, os resultados das eleições de meio termo americanas apontam para um crescimento da presença republicana em ambas as casas do Legislativo. Além de significar um maior descontentamento com a administração de Barack Obama, cujo índice de aprovação caiu para 42% no início de novembro, um Congresso mais adverso tornará sua tarefa de governar o país ainda mais difícil. Com o perigo de ver seus programas de governo paralisados pelos próximos dois anos, os Democratas poderão chegar em 2016, ano das eleições presidenciais, com pouca margem política para enfrentar seus adversários e a imagem de um republicano na Casa Branca fica cada vez mais nítida.

Obama já enfrenta uma pauta duríssima. Resistências à implantação abrangente de seu carro-chefe, o chamado Obamacare, uma revolução no sistema de subvenções da saúde pública dos Estados Unidos, agravadas pelo fracasso operacional do site do programa, são apenas uma das tribulações. Ainda vagueiam pelos noticiários as denúncias de Edward Snowden sobre as espionagens indevidas da NSA, a linha dura da direita acusa-o de covarde perante as atrocidades do Exército Islâmico e as decapitações de jornalistas americanos, há o aumento da imigração ilegal de crianças pela fronteira com o México, o debate cada vez mais aceso sobre a limitação da venda de armas, mercê dos frequentes atentados nas escolas. E o ebola chegou a Nova Iorque...

Então, lembrei-me de outro Presidente democrata e de seus semelhantes percalços.

Em 1963, John Kennedy, longe ainda de ser a unanimidade reverenciada com que se entronizou na História, lutava com problemas parecidos. Os Democratas haviam ganhado as eleições de meio de mandato no ano anterior com pouca margem e, mesmo assim, devido à atuação de seu Governo na crise dos mísseis cubanos. Esta vantagem havia-se evaporado no ano seguinte. A decisão de Kennedy em levar avante a aprovação de uma nova legislação de direitos civis, cujo objetivo era praticamente acabar com a segregação racial em todo território nacional, dividia os americanos. No extremo oriente, o dúbio apoio a um governo corrupto e impopular no Vietnam do Sul não dera certo, com a deposição e assassinato de Ngo Dinh Diem e a eventualidade da perda do controle do país para os comunistas.A Guerra Fria chegara ao auge com a situação de Berlim e a construção do muro. Havia o conflito interno com o FBI de J. Edgard Hoover, que detestava o Presidente e mais ainda seu irmão Bob, Advogado Geral da União, e era detestado por eles. Fidel Castro e uma Cuba comunista eram mais uma pedra no sapato e um aumento de impostos sobre a exploração de petróleo ameaçava sublevar até as lideranças democratas no Sul, principalmente no Texas, estado chave para as pretensões de reeleição no ano seguinte.

Foi com a missão de reverter este quadro que, em 20 de novembro de 1963, John Kennedy, acompanhado de Jacqueline, viajou para Houston e, dois dias depois, para Dallas. E a História seguiu seu curso...

É inegável a poderosa influência dos Estados Unidos no mundo. Como maior economia global, seus movimentos mexem com os humores de todo um planeta. Assim, o que lá acontece é assunto. Até para este modesto blog...  


Oswaldo Pereira

Novembro 2014

sábado, 1 de novembro de 2014

CANÇÃO DE COLOMBO









Para desintoxicar um pouco das eleições, resolvi publicar este texto que havia escrito há tempos, depois de uma viagem à Espanha.



Canção de Colombo


Eu vou pro futuro
Eu vou nestas águas que perguntam
Pra onde? Pra onde?
As margens me mostram suas praias douradas
Me mostram suas grutas azuis,
No entanto, eu vejo fadas no branco das ondas
Sinto a promessa no perfume que o vento sopra
Meu coração freme pela linha do horizonte

Lá me esperam as Índias
Lá me espera o Fado
Lá me espera a Glória
Este oceano pelo meio não me mete medo
A catarata do fim do mundo não existe
Nem a hidra de mil tentáculos
Só existe este meu anseio
Esta certeza de ferro

Temo mais o monstro da dúvida
A pouca fé dos meus marinheiros
Os olhos pequenos dos monges de Salamanca
A inveja das almas miúdas
Dos que não são e nada serão
As lágrimas da minha mulher
A sombra no rosto dos pares do Rei
Não me creem, eu sei

Mas eu vou, com as bênçãos de Isabel
Minhas três naus feitas de pinho e esperança
Meu coração todo na cruz que pinta as velas
E no céu
Eu vou, sem presságios
Eu vou confesso de meus pecados
A alma leve e pura beijando a maresia
Desta manhã espanhola

Tenho fé no meu destino
Nas estrelas que me guiam
No vento deste boreste manso
Que me levará a bom termo
Vim de Gênova e irei para o Oriente
Pelo caminho traverso
E lá chegarei, acreditem
E meu nome, em prosa e em verso
Será escrito 
Na pedra da eternidade



Oswaldo Pereira
Novembro 2014