segunda-feira, 25 de novembro de 2019

JESUS



Segunda parte do Hino do Flamengo, composto pelo genial Lamartine Babo em 1945:

“Na regata ele me mata
Me maltrata, me arrebata
Que emoção no coração
Consagrado no gramado
Sempre amado, o mais cotado
Nos Fla-Flus é o ai Jesus!...”

Jorge Fernando Pinheiro Jesus é um português com sólida história no futebol de seu país. Na juventude, chegou a jogar pelo Sporting, mas seu destino estava mesmo fora, ou melhor, ao lado das quatro linhas. Treinou um bom número de equipes, até chamar a atenção quando levou o Belenenses a uma inédita final da Taça de Portugal. Do Restelo foi para o Minho, dando continuidade à sua série de vitórias e conquistas no comando do Sporting de Braga. Como não podia deixar de ser, logo um dos integrantes da tríade máxima do panorama futebolístico português chamou-o para treinador. Foi o Benfica. E, entre 2009 e 2015, Jorge Jesus comandou um dos mais vencedores períodos da vida benfiquista, quase comparável à Época de Ouro de Coluna, Torres e Euzébio. Foram 10 títulos, duas finais da Champions League e um rosário de recordes vitoriosos.

A missão seguinte não foi tão brilhante. Saindo do Benfica para o seu tradicional rival, Jesus não conseguiu reverter a situação de profunda crise em que vivia (e ainda vive), o Sporting de Lisboa. Acabou fazendo um acordo com o clube e foi para a Arábia Saudita. E lá, no início deste ano, uma improvável esquina do destino apareceu em seu caminho. O convite do Flamengo.

Não sei se Jesus imaginava a paixão em que iria mergulhar. O time havia saneado suas finanças e fizera um inteligente programa de novas contratações. A conquista do campeonato carioca, logo no início do ano, já dava indicações de que o trem rubro-negro deixara a estação em que amargara um insípido jejum de títulos. Estava ganhando movimento. Mas, precisava de mais velocidade. Precisava de um maquinista que soubesse disparar a pressão que vinha da caldeira. E, o que este novo maquinista fez, foi dirigir o comboio para além do limite de velocidade da linha. O trem agora parece voar.

Disciplina, plantel e inspiração. Com esta trinca de cartas, Jesus desembaralhou a monótona cena do futebol brasileiro, de partidas e mais partidas sem imaginação nem entusiasmo, de retrancas e caneladas, de passes para o lado. E mais. Sua obsessão com um esquema sempre ofensivo, ao mesmo tempo em que fecha os espaços na defesa, atraiu a admiração dos que se recordavam do espírito atacante que, por muito tempo, foi a característica do jogo brasileiro.

Lamartine adivinhou. O Flamengo de hoje é o Ai, Jesus.

Oswaldo Pereira
Novembro 2019

terça-feira, 5 de novembro de 2019

NAS RUAS


O mundo parece estar com febre. Dos gilets jaunes franceses, aos ninjas de Hong-Kong. Dos desconfiados eleitores bolivianos aos enraivecidos contribuintes chilenos. 1968 todo de novo.  Do burn baby burn dos guetos negros. Dos les jours em Mai de Paris.

Povo nas ruas. Uma onda cíclica que deságua por entre os canyons de concreto das grandes cidades. Um monstro icônico que rebate balas de borracha e inspira gás lacrimogêneo. Estaremos nós novamente sob o império das vontades das grandes marchas populares, as poderosas manifs de 50 anos atrás? Terá a moda voltado?

E o que ela hoje significa? Há meio século, o planeta experimentava um salto quântico. Moral e costumes davam uma acentuada guinada no conceito dos valores tidos como pedras basilares pela sociedade dita civilizada. Saindo da hecatombe da guerra, o comportamento certinho era o padrão default para um mundo cansado, mas esperançoso de um futuro tranquilo e regido pelos denominadores família, trabalho e, se possível, religião.

A contracultura da beat generation, o desencanto com o Establishment, a liberalização da pílula, a floresta mágica das drogas, a desconstrução da arte e os mantras hare-krishnas sobre a Era de Aquarius viraram, a partir do início da década de 1960, o mundo engomado e esterilizado, saído da Segunda Guerra Mundial e mantido refém do medo da Bomba, de pernas para o ar. Ir para a rua protestar era de riguer ou, melhor dizendo, IN.

Tudo indica que estamos em nova mudança de ciclo. Não sei que Era é esta, mas o milênio que nasceu sob a fumaça da Torres Gêmeas vem agitando suas bandeiras. A ferramenta do século, as Redes Sociais, já está mudando, como há 50 anos as flores nos cabelos, os patamares e as etiquetas de comportamento. Inclusive, e principalmente, na disseminação de percepções políticas antes só atingida por esforços imensos de coordenação. Hoje, bastam alguns cliques.

Assim, o povo está vindo de novo para as praças e avenidas. Menos românticos do que há 5 décadas. Mais conscientes, e, por isso mesmo, mais decididos, incansáveis e combativos. Não querem mais mudar o mundo. Seus objetivos são específicos, dizem respeito às suas necessidades e sonhos de agora, aos direitos que entendem como seus. Novos tempos.

Oswaldo Pereira
Novembro 2019