quarta-feira, 31 de maio de 2017

ISABEL



Em 2012, a produtora espanhola Diagonal TV lançou a primeira temporada da série Isabel. Havia esperado um ano para fazê-lo, pois enfrentara problemas financeiros enquanto aguardava que a TVE (a estatal televisiva do país) decidisse distribuí-la. Nesse meio tempo, aproveitou para retificar a sua linha conceitual, transformando o que seria apenas um romance de época numa epopeia medieval de alta qualidade. A compensação veio com o seu enorme sucesso, que propiciou a montagem de mais duas temporadas.

O êxito é mais do que merecido. Tive a oportunidade de assistir aos primeiros 13 capítulos recentemente e encantei-me, principalmente, com dois dos atributos mais reconhecidos da série. Sua refinada ambientação e sua impecável acuidade histórica. Javier Olivares, um madrileno formado em História e com um master em Estética, e que foi o responsável pela mudança de rumo do trabalho enquanto se aguardava seu lançamento pela TVE, informaria depois que pelo menos 12 diálogos por capítulo eram baseados em relatos e crônicas da época.

A ação começa em 1461, ano que marca o início das lutas internas ligadas à sucessão do Rei Henrique IV de Castela. Na disputa estão dois de seus irmãos, Alfonso e Isabel, e sua filha Juana. Espanha é um conceito que ainda não existe e a região divide-se em reinos que vivem numa dança frenética de confrontos, alianças e traições. Para complicar, ao sul ainda estão os mouros do reino de Granada, uma espinha na garganta da Cristandade e, ao norte, uma França interessadíssima em tirar partido da situação. Num dos momentos mais influentes de sua existência, a Igreja Católica detém um poderoso comando sobre uma Europa assombrada pela Peste e pela Inquisição.

A quem está habituado ao tenebroso espetáculo político que preenche os nossos dias, tudo soa familiar. Para abocanhar o trono, vale tudo, literalmente. Nobres, cortesãos, cardeais, papas, príncipes e reis vendem-se e compram-se. Todos têm um preço. E todos têm um objetivo. O Poder.

Para não adiantar nenhum spoiler, a não ser o histórico, a primeira temporada termina com Isabel, já casada com Fernando II de Aragão, herdando o trono de Castela. Não sei o que a série vai apresentar a partir daí mas, se seguir os livros, deverá mostrar um dos mais fantásticos períodos do país ibérico. O casal, entronizado nos registros como Los Reyes Católicos, uniu os espanhóis, expulsou os árabes da península, patrocinou o sonho de Colombo e dividiu o mundo conhecido com os portugueses. Um mundo que, exatamente neste instante, deixava a Idade Média e entrava na Idade Moderna.

Resumindo, uma ótima série sobre um momento único.

Oswaldo Pereira

Maio 2017

terça-feira, 23 de maio de 2017

A DESPEDIDA DE UM 007


O primeiro dos seis a nos deixar.

Roger Moore “assumiu” o cargo em 1973, depois do breve interregno de George Lazenby e do retorno apenas protocolar de Sean Connery. Connery estava cansado do papel (enfado claramente visível na atuação para cumprir tabela em Diamonds Are Forever) e despediu-se em 1971.

Coincidentemente, Moore também aborrecera-se com The Persuaders, apesar do grande sucesso do seriado, em que encarnava um playboy aristocrático inglês ao lado de Tony Curtis. Os dois tinham fama de serem os atores mais belos da época e a produção contava com isto para seduzir o público feminino. O problema é que, ao mesmo tempo, outra atração desviava a audiência e disputava a primazia nos televisores de todo o mundo. Era Missão Impossível.

Assim, logo que foi sondado para ocupar a vaga por Albert Cubby Broccoli, o produtor dos filmes de James Bond, Roger Moore aceitou. E aí começou a mais longeva, até agora, associação de um ator com o personagem. No total, 12 anos e 7 filmes.

Foi uma mudança de estilo. O lado bruto de Connery deu lugar ao viés gentleman de Moore, ao que não faltavam pitadas de humor britânico e uma atuação mais relaxed. Muita gente torceu o nariz, mas o sucesso garantiu-se. Moore, além da experiência de The Persuaders, havia dominado a telinha com seu trabalho como Simon Templar, o Santo, que reinou durante a década de 1960. Tinha estrada. E soube usá-la.

A bilheteria confirma isso. Os sete episódios estrelados por ele renderam líquidos US$ 1,1 bilhão aos cofres da franquia e assegurou sua sobrevivência no período morno que se seguiu com Timothy Dalton no papel.

Em 1985, Roger Moore aposentou-se como 007. Logo após, foi nomeado Embaixador da UNICEF, posto a que se propusera desde que se horrorizara com a miséria no subcontinente indiano, durante as filmagens de Octopussy, e que lhe valeu receber o título de Cavaleiro do Império Britânico.

Fare thee well, Sir Roger Moore.

Oswaldo Pereira

Maio 2017

sexta-feira, 19 de maio de 2017

PAPO DE BAR - WHATSAPP


Há vários regimes políticos. Se você pensar bem, o ideal seria se o todo o povo de uma nação, reunido numa grande praça pública, pudesse escolher o destino de seu país, o bem-estar de sua gente, as práticas mais adequadas às suas esperanças e suas necessidades.

É claro que isto não é prático nem viável. Numa agremiação humana de qualquer tamanho, a única solução possível é a entrega do comando a uma elite governativa que, de preferência, transforme em leis e ordenações aquelas práticas e vele pelo seu cumprimento. Tem sido assim, desde os egípcios até hoje, em todas as sociedades.

A divergência é COMO escolher esses líderes. As formas têm sido várias. O poder de decidir os destinos de um povo é, desde as cavernas, um atrativo poderoso para o ser humano. Detê-lo significa conduzir, mandar, ordenar, estar acima do comum dos mortais. E, desde os faraós até a Revolução Francesa, a disputa pelo comando envolveu todos os métodos de luta, traição e esperteza que a mente humana é capaz de engendrar.

A partir do final de século XVIII, uma ideia que vicejara por breves instantes nas polis gregas começou a atrair os novos citoyens emergidos após 1792. Lembrava a miragem da grande praça, da congregação de cidadãos escolhendo livremente seu destino. O Governo definido por Lincoln. Do povo, para o povo, pelo povo. Democracia.

É esse o regime político que temos. Sonho de consumo da maioria das sociedades organizadas de hoje e adotada no Brasil entre hiatos e turbulências desde a proclamação da República, a democracia brasileira voltou com grande estardalhaço e esperança ao fim do regime militar. Vocês notaram que escrevi democracia com D minúsculo.

É porque o que nós temos hoje aqui é uma forma imperfeita. Democracia não é um presente, uma concessão, uma festa. Democracia pede mais do que dá. Demanda profunda conscientização política e dedicada educação cívica. Requer a disciplina constante na vigília dos atos públicos, o trabalho minucioso de decidir com critério quem vai receber nosso voto. E, principalmente, exige que exerçamos a eterna vigilância

Há décadas não fazemos nada disto. Votamos rápido para ir à praia. Esquecemos rápido em quem votamos. Alguns votam por interesses pessoais, para ganhar uma dentadura, para fazer favor a um amigo, para de repente ganhar uma vantagem. Deixamos correr solto. Elegemos e reelegemos com abandono figuras sombrias ou “salvadores da pátria” cínicos e desonestos. Votamos “por protesto” em macacos e palhaços.  

O que temos hoje, assim, não é apenas um grupo de políticos corruptos no poder. É muito pior. É todo um SISTEMA político corrompido, no qual ninguém ingressa sem pagar o pedágio de corromper sua alma. Cientes de sua impunidade, oferecida de bandeja pelo desinteresse da nação, criaram um planeta próprio, erigido em gabinetes municipais, antessalas estaduais e palácios federais. Inexpugnáveis.

Enquanto não nos dermos conta da nossa própria culpa e ficarmos transferindo o débito a eles, como se nos tivessem sido impostos por marcianos, ao Governo ou até a Pedro Álvares Cabral não chegaremos a lugar nenhum. Nunca.

Oswaldo Pereira
Maio 2017

domingo, 14 de maio de 2017

HISTÓRIAS MAL CONTADAS



Há já algum tempo que José Rodrigues dos Santos é um fenômeno literário português.  Invariavelmente, as vendas de seus livros superam a casa dos 100 mil exemplares. Para a grande maioria de brasileiros que nunca ouviram falar dele, Rodrigues dos Santos é também âncora do principal jornal televisivo da Radio Televisão Portuguesa e professor universitário.

Embora tenha eu muitas reservas ao seu estilo literário, que considero bem abaixo em termos de qualidade de outros autores contemporâneos, como José Luís Peixoto, José Eduardo Agualusa e Mia Couto, por exemplo, acabo sempre por lê-lo. Seu mérito advém de sua capacidade de criar boas tramas e colocá-las num ambiente plausível, mercê de suas extensas pesquisas. Rodrigues dos Santos, como professor que é, revela-se um incansável e minucioso adepto da investigação histórica, a que se dedica por incontáveis horas antes de escrever um livro.

Seu último lançamento chama-se Vaticanum e ocupa-se dos escândalos de corrupção que, em história recente, envolveram o Banco do Vaticano e seus dirigentes, com graves respingos na Cúria Romana. A história desenvolve-se através dos inúmeros indícios de improbidade financeira, suspeitas de ligações com a Máfia italiana e operações de origem fraudulenta e fins ilícitos levados a cabo pelo alto escalão da Igreja Católica.  Dentro de todo esse contexto, não podia deixar de aflorar a suspeição com relação à morte de João Paulo I. Com sua característica minúcia, Rodrigues dos Santos despeja nas suas páginas o rosário de incongruências e de contradições que cercaram o desaparecimento desse Papa, cujo férreo propósito era conhecido por todos – acabar com a corrupção no seio da Santa Sé.

Esta é uma das muitas histórias mal contadas que o consciente mundial acaba aceitando, apesar de pouco convencido.  Outras?

O assassinato de Kennedy. A explicação que o mundo engoliu, a versão do atirador solitário, a tal bala mágica que deu voltas no ar para atingir o Presidente americano e o Governador do Texas, a eliminação sumária de Lee Oswald, antes que ele fosse devidamente arguido.

O avião que “atingiu” o Pentágono em 11 de setembro de 2001, sem que haja uma simples câmara de segurança (o edifício, sede do poder militar do país, devia ter centenas delas ao redor) mostrando a cena, a inexistência de pedaços claramente identificáveis de uma aeronave nos destroços.

A “morte” de Osama Bin Laden, sem que seu corpo jamais tenha sido mostrado, a estorinha do ritual islâmico (?!) para o sumiço do cadáver do homem mais procurado de seu tempo.

Por que aceitamos estas “verdades”? Por que outras investigações acabaram por se esvaziar num pântano de pistas escamoteadas ou simplesmente caíram no abismo do nada?

Será que há alguém, algures, que controla isto tudo?

Mas aí, é só botar a Teoria da Conspiração para funcionar...

Oswaldo Pereira
Maio 2017


quinta-feira, 4 de maio de 2017

REDES SOCIAIS



Os portugueses são ótimos em ditados. Cheguei até a escrever um post há muito tempo, intitulado de “Anexins”, para descrever essa peculiaridade lusa e mostrar alguns exemplos.

Hoje, ponderando sobre as maravilhas do nosso tempo, lembrei-me de um. Não há bela sem senão. E, nestas minhas graves ponderações, a “bela” é a grande revolução social do século XXI – as redes sociais.

Facebook, Twitter, Snapchat, Linkedin, Pinterest, WhatsApp....  Quem, querendo estar presente, visto e ouvido, enfim, “antenado”, pode dar-se ao luxo de prescindir destes nomezinhos, esconder-se no silêncio e no ostracismo de um mundo desvirtual? Que profissional de qualquer área permite-se hoje desvincular-se destes canais universais de contato? Que adolescente arrisca-se a se isolar do intenso e contínuo tráfico de mensagens de sua “turma”?

As vantagens, para quem precisa, ou sente urgência interior, de comunicar-se, são extraordinárias. Uma comunidade de amigos ao alcance de um clique, a qualquer hora. A multiplicação exponencial de uma teia de conhecidos, disponíveis a um pedido de amizade. Lembretes que nunca mais nos deixarão esquecer de um aniversário. Mensagens prontas para qualquer ocasião, de funerais a bar mitzvahs, emoticons que substituem frases inteiras (com vantagens, em muitos casos...). Curtir & compartilhar tornaram-se os verbos do momento. Tudo fácil, rápido, dinâmico. O planeta aos pés.

A “bela”. E o “senão”?

As estatísticas estão aí. Atualmente, quase 50% da população adulta do mundo civilizado baseiam mais e mais sua percepção das notícias no que lhes chega pelas redes sociais. E esse número aumenta rapidamente. Segundo as previsões mais conservadoras, em cinco anos os jornais e as televisões deixarão de ser o meio informativo por excelência.

Cientes disto, muitos jornalistas já estão abandonando a mídia tradicional e abrindo seus canais informativos nas redes. Sabem que o poder de divulgação de um viral, que pode atingir milhões de pessoas em minutos, é incomensurável. É o fato virando notícia imediatamente após ocorrer, capturado por celulares que estão no local e despejados crus e sem retoques nas telinhas dos smartphones de um universo cada vez maior. É a informação sem photoshops, sem censura, sem copydesks nem revisores.

Isso é mau? Não necessariamente, se tudo o que veiculasse na net fosse verdade. Mas, há o fenômeno cada vez mais presente das Fake News, uma indústria de veiculação da mentira e da desinformação que, se ligada a interesses políticos, econômicos ou simplesmente sensacionalistas, pode provocar danos consideráveis ou reações imprevisíveis.

Outro aspecto que poderia ser um dos atributos de formosura da bela é o livre território no qual qualquer opinião e qualquer mensagem podem ser lançadas no ar, sem restrições nem entraves. Isto acabou por provar-se um desagregador, em vez de um traço de união. Discussões virulentas, venenos destilados sem dó nem piedade, transformam num campo de batalha verbal o que deveria ser uma troca amena de saudações. Algumas extrapolam os limites do virtual e desaguam nas ruas e nos estádios.

Essa imensa caixa de ressonância acaba por afetar o mundo dos adolescentes. Bullyings, invejas, insegurança, inconformismos e necessidade de afirmação, coisas que nós todos experimentamos nessa idade cruel, ganham dimensões brutais quando jogadas na espiral de divulgação alargada das redes. O impacto numa mente jovem e cheia de dúvidas e angústias pode ser fatal. Aí está o fenômeno tenebroso da baleia azul.

Um mundo novo e que se renova a velocidades quase incompreensíveis. Mais uma vez, o ser humano terá que se adaptar para sobreviver.

Oswaldo Pereira

Maio 2017