sexta-feira, 28 de junho de 2013

FIESTA




CAPA DA PRIMEIRA EDIÇÃO

















Parataxis é uma forma de escrever que coloca duas sentenças em igual plano, sem subordiná-las. A correlação vai ser feita por quem lê. Exemplo:
O sol estava brilhando. Saímos para passear.
Em vez de
O sol estava brilhando, e então saímos para passear.

Parataxis também é conhecida como a Teoria do Iceberg.

Foi assim que Ernest Hemigway descreveu seu próprio estilo literário, no livro “Death in the Afternoon” (Morte ao Entardecer), em que ele o compara à dignidade do movimento dos blocos de gelo sobre o mar. Sua característica principal é a de descrever o mínimo, dizer o essencial e deixar ao leitor a tarefa de descobrir o que está debaixo da linha d´água.

O estilo, também conhecido por Teoria da Omissão, ficou evidenciado logo em seu primeiro romance. The Sun Also Rises (O Sol Também se Levanta) foi escrito em dois meses, no ano de 1925. Antes de sua publicação, Hemingway ainda fez uma última revisão e cortou 30 páginas do texto original. O resultado foi um livro seco, cru, onde os onipresentes diálogos pintam o dia-a-dia de expatriados americanos e ingleses na Paris dos loucos anos 20 e a viagem de um grupo deles a Pamplona, para a festa de San Fermín. Inicialmente, o escritor intitulou-o Fiesta, em razão das celebrações impregnadas de tradições tauromáquicas que permeiam a narrativa. Depois, adotou uma citação do Eclesiastes para resumir a filosofia fatalista das principais figuras do texto. Independente das vontades, o sol se põe e também se levanta todos os dias.

HEMINGWAY & AMIGOS EM PARIS

No que foi aclamada como a primeira obra modernista da literatura americana, o autor utiliza sua própria vivência como correspondente do Toronto Star na capital francesa como enredo e as pessoas com quem convive como modelo para os personagens. O que sai é um retrato quase fotográfico da Lost Generation, a geração perdida de Gertrude Stein, que incorporou o nihilismo do entre guerras na Europa. Mutilada fisica e moralmente pelo conflito terminado em 1918, a juventude desencantou-se de futuros e de promessas e criou um mundo sem propósitos, uma religião do viver por viver e seus próprios deuses, como a indiferença pela morte, o absinto e o sexo casual. No fundo, um prelúdio do apocalipse que viria em 1939.

Muito devido a Hemingway, essa Paris enlouquecida inspirou uma multidão de pintores, escritores e compositores. E continua a fazê-lo, como a Woody Allen, no recente Midnight in Paris. Há alguns anos, outro Allen, o músico australiano Peter Allen, retratou-a na estranha e magnífica canção Paris at 21, uma ode à miragem de viver na cidade em 1921 com 21 anos.

Com pouco mais de 200 páginas e texto enxuto, lê-se O Sol Também Se Levanta rapidamente. Acho que a intenção do autor era exatamente esta. Ao terminar, entretanto, fiquei esperando por uma revelação. Afinal, era Hemingway! Deixei passar um dia, dois, para ver se, como um bom vinho reserva, os sabores escondidos pelos anos aflorariam na boca lentamente, encantando-me com os mistérios de sua história. Nada disto aconteceu. Do livro ficou apenas a sensação de ter lido um diário de viagem linear, uma visão pessoal e quase jornalística das experiências de um grupo de amigos pelos bistrôs de Paris e pelas ruas de Pamplona. Da parte submersa do iceberg, nada apareceu.

Sorry, Papa.
 
 
Oswaldo Pereira
Junho 2013

 

 

 

 

 

terça-feira, 25 de junho de 2013

O GRITO RETUMBANTE


Era tanta coisa presa na garganta que a voz saiu, rouca de raiva, com todos os erres de revolta, repúdio, rancor. Alguns disseram que não há propostas, não há ideias, é só tumulto.

Como não há?

São centenas de milhares de cartazes, centenas de milhares de frases escritas com a espontaneidade de uma letra desenhada às pressas, desenquadradas na urgência do clamor, alguns erros de grafia e sintaxe para dar lugar a um anseio maior do que a gramática. São milhares de palavras esfregadas na cara da indiferença de uma classe política que, distanciada dos cidadãos que a elegeu, acreditando-se onipotente dada a nossa longa complacência,  roubou a esperança de uma geração e traiu o futuro de outra.

Relação de causalidade.

Sempre me perguntei por que o brasileiro não a vislumbrava.

Como um pai que assistia impotente à filha morrer nos corredores de um hospital abandonado pelo poder público não atinava com a relação de causalidade entre aquela tragédia e a desonestidade do político que, meses antes, untuoso e sorridente, conquistara seu voto, para depois abocanhar a verba que estava destinada a equipar aquele mesmo hospital? 

Como não foi capaz de discernir que a condenação de seu filho às trevas de um analfabetismo funcional derivava diretamente dos conchavos escusos da câmara municipal de sua cidade, o dinheiro da infraestrutura escolar surrupiado por vereadores e prefeitos com os quais ele era capaz de esbarrar todos os dias nas ruas?

Como uma população inteira encarava os desmandos de deputados, senadores, governadores, dirigentes de grandes estatais, chefes de agências e repartições públicas, escancaradas todos os dias na imprensa, com fatalismo, com a vaga ideia de que alguém roubava o governo, sem realizar que o governo não possui fundos e que a apropriação indébita era de uma importante parte de seu salário?

O que está ocorrendo agora nas ruas do pais inteiro, finalmente, é a relação de causalidade. Está sendo feita pelos cartazes que são mostrados nas avenidas, no impromptu das declarações gravadas pelo povo nos celulares e divulgadas nas redes sociais. A notícia agora é instantânea, colhida na hora pelos milhares de repórteres anônimos que a disseminam sem censura prévia de redatores-chefes, sem copy desk nem opinião de patrocinadores.

Espero muito que esta recente conscientização tenha bom uso. A mensagem que resultou foi clara. Queremos, enfim, uma democracia que funcione.  É ela que nos permite reclamar, examinar as contas públicas, ter acesso aos atos do governo, em qualquer nível. É ela que nos permite escolher e votar. Mas, é preciso exercê-la com a vigilância e a paixão que vimos desdobrar nas ruas do Brasil.

Dá trabalho? É claro que dá. Mas a recompensa é a desoneração do nosso futuro.

 

Oswaldo Pereira

Junho 2013

 

sábado, 22 de junho de 2013

FILMES CLÁSSICOS (VALE A PENA VER DE NOVO)

 
 
 
 
 
PROGRAMA OFICIAL  DO FESTIVAL DE CINEMA DE BRASÍLIA
 
 


  
 
 
 
 
 
 
 
 
Oswaldo Pereira
Junho 2013


quinta-feira, 20 de junho de 2013

EXERCÍCIO DE CIDADANIA


 
 
 
 
 
Pois é, seu moço.

Eu venho aqui falar com autoridade. Legítima, clara e soberana. Conferida pelos cinquenta e dois anos em que à volta de 40% dos meus vencimentos, ganhos com esforço e dedicação, foram subtraídos pelo Governo antes mesmo que eu os recebesse. Pelas cinco décadas em que outros 30% me foram empurrados pela boca abaixo, ou pelo bolso afora, junto com os bens e os serviços que comprei para prover a minha família. Sete em cada dez das moedas que recebi em troca de meu trabalho escorregaram das minhas mãos, sob forma de imposto. Como, em algum momento desses anos, vivi em outras sociedades, pude constatar que os seus cidadãos também contribuíam para as suas administrações públicas e, em certa medida, quase tanto quanto eu.

Se achei que estava correto?

Para falar a verdade, nunca me deram a oportunidade de achar. Mas, sempre percebi que a grande proposta da distribuição de renda funcionava muito mais lá fora do que aqui. Lá, cheguei a ver excelentes sistemas públicos de saúde, de educação, de segurança e adequadas estruturas de transporte e energia. Sim. Lá fora parecia estar, se não correto, pelo menos adequado ao desejo do povo. Aqui, vi pouco deste retorno, desta mão dupla. Assim, das 3 moedas que me sobraram, quase todas foram usadas para adquirir o bem estar que o Governo me devia e não me entregou. Uma boa escola para os meus filhos. A segurança do meu lar. Um hospital onde eu não corresse o risco de morrer na fila.

O que eu fiz a respeito?

Durante muitos anos, esperei por D. Sebastião. Explico. O desaparecimento deste Rei em 1580, justamente no momento em Portugal atingia o ponto mais fulgurante de sua história, marcou para sempre a alma lusa. Como seu corpo nunca foi achado, a crença em seu retorno alimentou a esperança de que tudo ficaria bom de novo quando o Rei voltasse, vivo e inteiro. Portugal carregou este sebastianismo por séculos. Nós o herdamos. A situação iria melhorar sempre no futuro. O próprio país carregava este apelido – do Futuro. Iria ser com a eleição de Juscelino. Depois, com o Jânio. E, assim, sucessivamente, com vários dons sebastiões em sequência, o Parlamentarismo,  a volta do Presidencialismo, os militares, a anistia, o retorno da Democracia, as Diretas, o Collor, a nova Constituição, o PT...

Se fomos culpados?

Sim. Acho que, de certo modo, sim. Nós éramos os que pagavam as contas. E continuamos pagando enquanto o sistema político se transformava no monstro insaciável que é hoje. Não soubemos fazer uso da Democracia. Demos votos aos nossos pseudo-representantes com a indiferença de quem cumpre uma exigência chata. Demos votos aos de quem se dizia “rouba mas faz”, aos malufes, aos cacarecos, aos tiriricas. Deixamos aqueles que deveriam honrar suas promessas de campanha enclausurarem-se em seus castelos, construídos com a argamassa dos conchavos partidários, e erguerem as pontes levadiças que os afastaram da nossa realidade, das nossas reivindicações, se auto engendrarem imunidades que agora os tornam inatingíveis.  Deixamos correr. Mesmo quando a imprensa nos abria o baú viscoso de alguma maracutaia, esboçávamos uma justa repulsa. Depois bocejávamos entediados e íamos assistir ao futebol.

Se há solução?

Bem... há caminhos. Vi muita coisa nestes meus anos de vida. Duas ditaduras, uma Revolução, tentativas de golpe, uma renúncia, um impeachment. Vi multidões em ondas cantando hinos, gritando slogans. Fiz até parte delas, com a fé dos sonhos e a alma aberta. Mas, mudar o poder é complicado. Há vias rápidas, às vezes sangrentas. Tomar o palácio pela força tem sido, historicamente, privilégio de generais que acordam mais cedo e, às vezes até chamados pelo povo, vão apear o governo. Já vimos este filme, aqui e na vizinhança. Acho que não queremos uma reprise. Nem as forças armadas o querem. O desgaste foi grande e a história sombria.

Há a resistência fiscal, recusar-se a pagar os tributos, dentro da lógica simples de que, se esses tributos alimentam os salários que a organização pública recebe para prestar-nos serviços, e se esses serviços não são prestados, cessa a nossa obrigação de pagá-los. Só que a maioria dos impostos come o rendimento da classe trabalhadora na fonte, antes que cheguem aos bolsos. Mais estão embutidos nas faturas dos supermercados, nas contas de luz, de gás, de telefone. Sobraria a sonegação, entregar a declaração de imposto de renda em branco. Irmos todos para a malha fina. Teria de ser um compromisso nacional, todos ao mesmo tempo. Milhões de inadimplentes. Teríamos organização para isto?

Se quisermos, entretanto, optar pelo caminho da legitimidade, isto vai exigir o exercício da vigilância diária, que nos faltou nestes últimos tempos. O grande pecado da nossa sociedade foi ter deixado os nossos políticos se afastarem de nós, montarem livremente seu bunkers em Brasília, nas Assembleias Estaduais, nas Câmaras Municipais. Dividirem o Congresso, não em partidos com programas bem definidos, mas em bancadas de interesse dúbio e mãos pegajosas, untadas de corrupção. Onde estávamos nós todo este tempo? Por que só fomos capazes de demonstrar nossa ira quando íamos hostilizar os jogadores que haviam perdido um título, um técnico que não ganhara a Copa? Por que não fomos vaiar um deputado desonesto, que traiu o seu mandato, que cuspiu em nosso voto, nos aeroportos quando chega ou parte em viagens financiadas pelos nosso impostos, na porta de sua casa paga por nós, em frente ao seu automóvel comprado e abastecido com o nosso dinheiro? Por que não o alvejamos com tomates podres, como se fazia antigamente a maus atores? Por que não enchemos sua caixa eletrônica de e-mails enraivecidos cobrando uma promessa de campanha não atendida? Por que não o fazemos sentir, ele que lá está em seu cargo graças à nossa vontade e à nossa confiança, que estamos atentos e vamos cobrar, todos os dias, todas as horas?

Só aí, seu moço, as coisas começarão a mudar.

 

Oswaldo Pereira

Junho 2013

 

domingo, 16 de junho de 2013

PAPO DE BAR - BIG BROTHER








«É um absurdo! E logo no país que proclama ser o campeão das liberdades individuais. E logo no governo de um homem que jurou que protegeria a privacidade de seus cidadãos. Esse Edward Snowden é um herói. Traidor é o Obama!»









«Discordo. Totalmente. As pessoas que acham que este bisbilhoteiro está com a razão não entendem nada da situação atual. Não vêem que é uma questão se segurança nacional. E...»






«Que segurança nacional droga nenhuma. Esta desculpa não cola mais. Lá já existe a CIA, o FBI e mais não sei quantas agências super aparelhadas para perseguir bandidos. Os americanos já acabaram com o Sadam Hussein, com o Bin Laden, já invadiram o Afeganistão. Mantêm ilegalmente um bando de árabes em Guantánamo, sem julgamento sem nada. Prá que precisam xeretar a vida alheia?»

«Porque, minha querida, o mundo mudou. E continua mudando, rapidamente. Antigamente, na Guerra Fria, o inimigo era a União Soviética, a China Vermelha. Os espiões eram uns românticos que bebiam vodka martini e transmitiam suas mensagens em código por rádios escondidos no sótão. Tudo muito preto no branco. Os adversários tinham rosto e nome, sabia-se de onde vinham. Hoje é diferente...»

«Diferente? No quê? Só se for na quebra dos direitos da pessoa, na invasão da sua intimidade, no monitoramento dos seus passos. Não estou falando de Mata Haris, X-9´s e 007´s. Estou falando do cidadão comum, eu e você. Que poder é esse que viola um dos princípios constitucionais mais básicos, que instrui seus agentes a vasculhar a vida de quem quer que seja, especialmente de estrangeiros, em seu território? Nada pode justificar...»

«É claro que pode! Entenda o seguinte. Hoje o grande perigo não é uma guerra, nos moldes da Coréia, do Vietnam.  O terrorismo veio mudar tudo. E mesmo este novo inimigo já mudou de cara. Primeiro, as ações eram planejadas por organizações complexas, tipo Hezbollah, Al Qaeda. Eram esquemas de ataque caros, que envolviam um grupo de operativos profissionais. Levavam meses para serem montados e executados, como o onze de setembro, as explosões nos trens de Madri, o ônibus de Londres»

«E sabe por que isto pôde acontecer? Não foi por falta de polícia e agentes secretos. Foi por ineficiência deles. Se tivessem examinado bem seus registros e arquivos, teriam descoberto alguma coisa antes dos atentados. Os árabes que pilotaram os aviões jogados contra as torres produziram um monte de indícios antes de agirem. Era só o aparelho de defesa da Estado estar mais atento e teria prevenido o desastre. Não é necessário espionar milhões de cidadãos para isso»

«Não era. Agora é. O ataque não vem mais do terrorismo organizado. Hoje qualquer adolescente imberbe e cheio de espinhas, devidamente doutrinado, pode montar sua bomba caseira no porão de casa e explodí-la, e a ele, numa estação de metrô às cinco da tarde e matar centenas de pessoas. Pode ser qualquer um. Pode ser aquele cara sentado ali naquela mesa, pode ser aquela sua vizinha bondosa, o entregador de pizza. Pode ser todo mundo. E, assim, todo mundo é suspeito»

«Não sei... Tudo isso me incomoda. Este clima de Big Brother. Não o da TV, que é lamentável. Mas o de George Orwell. Um grande Estado voyeur nos observando, colhendo dados, anotando nossas ações diárias.  Me dá arrepio...»

«Pois você já devia estar arrepiada há muito tempo.  O programa americano de monitoramento começou em 2001, na era Bush. Obama só fez continuar, incorporando, é claro, os avanços tecnológicos. E, no fundo, mesmo sem as decisões de Obama ou Bush, e morando aqui no Brasil, nos já somos monitorados o tempo todo. Você está com o seu celular?»

«Sim»

«Pois então alguém lá na sua operadora sabe que você está aqui no ZanziBar. Já experimentou viajar com ele? Então, assim que chegou ao seu destino, você deve ter recebido uma mensagem informando que uma operadora local passaria a controlar as suas ligações. Saiba também que todas as suas conversas telefônicas, de aparelhos celulares ou de fixos, são gravadas. Uma ordem judicial pode expô-las. Mais. Tudo o que você acessa na internet, sejam e-mails, sites, redes sociais, pesquisas no Google, no Yahoo, tudo o que você posta, consulta, envia ou recebe viverá para sempre na grande nuvem que paira sobre nós.  Você acha que a coisa some quando você carrega no delete? Engano seu...»

«Deus meu...»

«Deus?... É... Do jeito que a coisa está, há alguém que sabe sobre nós quase tanto quanto Ele...»


Oswaldo Pereira
Junho 2013



sábado, 8 de junho de 2013

MORRE UMA SEREIA





Alô, moçada das novas gerações. Morreu Esther Williams.

Esther, quem?!...

Pois é. Só mesmo para a turma que já passou dos setenta a noticia faz tilintar algumas lembranças, ou ainda, faz respingar água clorada em cima de retalhos de memórias. Para as meninas e os meninos de sessenta para baixo, o nome ecoa em neurônios vazios.

Então, deixem-me contar.
 
ESTREIA NO CINEMA
Esther Jane Williams foi uma estrela diferente. Nas palavras dela própria, não sabia cantar, dançar ou representar. Mas fazia uma coisa muito bem: nadava como um peixe. Ou melhor, como uma sereia. Este foi o apelido-sinônimo da ruiva de olhos verdes que dominou as telas e encheu os cofres da MGM entre 1942 e 1956. Foram 25 filmes, a maioria deles tendo piscinas gigantes como base do roteiro e uma história que envolvesse um romance açucarado com o ator de sucesso do momento. Foram vários, desde Mickey Rooney a Clark Gable, passando por Peter Lawford, Victor Mature, Gene Kelly, Van Johnson, Howard Keel e Ricardo Montalbán. Até Tom & Jerry contracenaram com ela. Anos mais tarde, ela própria declarou: All they ever did for me at MGM was change my leading man and the water in my pool (tudo o que fizeram por mim na MGM foi trocar meu galã e a água da minha piscina...) Mas, na era do technicolor, Esther reinou suprema, chegando a ser a segunda atriz mais bem paga pelo famoso estúdio (a primeira era Betty Grable). 

Nascida em 1921 na Califórnia de uma família pobre e numerosa, aos oito anos já trabalhava na piscina de uma escola das vizinhanças contando toalhas. Lá aprendeu a nadar e com dezesseis começou a ganhar competições de natação pelo Los Angeles Athletic Club. Em 1939, foi escolhida para integrar o time olímpico dos Estados Unidos. Seu grande sonho era então ganhar uma medalha nos Jogos de Tóquio, no ano seguinte. A Segunda Guerra Mundial não deixou isto acontecer. Mas, em compensação, abriu-lhe uma carreira inesperada.
"ESCOLA DE SEREIAS"

Em 1940, um espetáculo aquático-musical chamado Acquacade resolveu selecionar nadadoras de primeira linha para contracenar com Johnny Weissmuller, o mais famoso Tarzan das telas e, ele mesmo, nadador de competição (cinco medalhas de ouro nas Olimpíadas de 1924 e 1928). Das 75 concorrentes, ele escolheu Esther Williams. Daí para Hollywood, foi um passo. Melhor dizendo, uma braçada.

Nos próximos 14 anos, ela foi um dos rostos mais fotografados do planeta. Sua influência foi poderosa na divulgação do nado sincronizado e no aumento da venda de piscinas domésticas. Sabendo que a fama não dura para sempre, criou uma griffe de roupas de banho que até hoje é extremamente conceituada.
"A FILHA DE NETUNO"

Em 2007, um AVC prendeu-a a uma cadeira de rodas. Mas, até morrer anteontem, aos 91 anos, ainda entrava diariamente na piscina de sua casa.

E, quer saber, foi vendo suas evoluções na água que me convenci a, aos nove anos, ir aprender a nadar, no Copacabana Palace, onde as aulas eram dadas por Maria Lenk, outra nadadora de carreira olímpica.

Mas, isto é outra história. 


Aproveitem para conhecer melhor Esther Williams no pequeno filme abaixo.





Oswaldo Pereira
Junho 2013



sexta-feira, 7 de junho de 2013

FUTEBOL NO MOTEL






Dia de jogo. Brasil em campo, pátria de chuteiras, hino nacional, todo mundo de camisa amarela em frente a TVs espalhadas por lares, bares, etc., etc.
«Vem cá, amorzinho...»
«........»
 Se o penhor desta igualdade... o letreiro na telinha vai acompanhando a música que ecoa no estádio.
«Amorzinho...»

 Close nos jogadores, uns poucos cantando, seguros da poesia intrincada, outros fazendo um lip sync hesitante para escapar do vexame de não saber a letra.

 «Vem, amorzinho... Já nuinha...»

 Foguetório. Fotografias. Últimas entrevistas: vamos dar do nosso melhor... o time tá preparado...  quero agradecer a galera....

 «Então, Josué?!...»

«Peraí, fofinha...»

«Que peraí é esse?» 

«É que o jogo vai começar...»

«Não me diga que você me trouxe para o Motel para ver jogo de futebol...»

«Não, mas é que é a seleção...»

«É um amistoso contra a Tailândia, que você mesmo falou que não estava nem aí.»

«Mas, é preparação para a Copa...»

«Que Copa, Josué? A Copa é daqui a três anos, nem começaram as eliminatórias ainda...»

«É, mas... É preciso já ir vendo como é que o time jogando, se o Pato e o Ganso se entrosam...»

«Que mané Pato e Ganso? O Ganso machucado e o Pato nem o Milan liberou para um amistoso tão fuleiro...»

 O jogo começa. O Brasil engrena logo um ataque, o volante escapa pela direita, centra, o atacante emenda com força, a bola passa a um centímetro da trave. Uuuuuu, o rugido do estádio enche o quarto.

 «Viu, quase gol...»

«E daí. Desliga esta porcaria. Ou então, procura um canal de sacanagem, pra ver se você entra no clima...»

«Eu no clima...»

«nada, eu aqui nua em cima da cama e você nem olha...»

 Falta ríspida no zagueiro brasileiro.

 «Porra! Cartão vermelho, seu juiz, bota esse assassino na rua! Esses babacas são uns cabeças de bagre e vão acabar machucando a gente...»

«OK, entendi. Você perdeu o interesse por mim...»

«Que é que foi?»

«Você perdeu o interesse por mim...  Não faz nem um ano que a gente sai, e você já perdeu o interesse por mim.»

«Não diga bobagens... caraca!»

 O chute do meia armador bate na trave.

 «Não diz bobagem, fofinha...»

«Não, eu sei como é que é. No início é aquele tesão todo: deixa eu fazer isso, deixa eu botar naquilo, me pega aqui... Depois que já viu tudo e já fez tudo, é isso que se vê. Assistindo a um Brasil e Finlândia num quarto de motel e eu pelada aqui, jogada às traças...»

«Brasil e Tailândia...»

«Tailândia, Finlândia, Islândia...quero lá saber. Se você não quer mais nada comigo, porque me trouxe para cá?»

«Mas eu quero. É claro que eu quero.»

«Quer nada. O que é que foi? Engordei?»

«Hein?»

 Ataque perigoso do time tailandês. Doni salva por milagre.

 «Caraca... quase...»

«Então, engordei, não foi?»

«O quê, engordou, como assim?...»

«Pois fique sabendo que ainda sou muito gostosa, ouviu? Mesmo com essas celulitesinhas, ainda tem muito cara olhando para a minha bunda na praia, ouviu?»

«Sim, sim, claro...»

 Novo ataque tailandês.

 «Os caras estão começando a gostar do jogo...»

«Olha, quer saber, eu vou embora. Chama um táxi e fica aí vendo o teu jogo.»

 Há uma interrupção na partida, para socorrer um jogador se contorcendo no gramado.

 «bom, bom, eu indo.»

«Não precisa vir. Se não com vontade, eu não quero nada forçado.»

«Não com vontade? Então o que é isso aqui...»

 O amistoso continua parado no estádio, mas, na cama, o jogo finalmente começa. Por uns dez minutos, a voz do locutor, os ecos da torcida, as opiniões dos analistas servem apenas de backing vocal para o solo de gemidos e sussurros que domina o quarto.

 De repente,

 É gooool! Gooooolll da Tailândia!!  Sulimar Bhopal, camisa número nove, aproveitando uma verdadeira lambança da defesa brasileira...

 «Você ouviu?»

«O quê, o quê?»

«Gol da Tailândia.»

«, mas não para não, fofinha, eu quase gozando...»

«Como não para não? É gol da Tailândia, cara.»

«Sim, bem, mas...»

«Que bem que nada. O Brasil perdendo.» 

«Tá. Depois a gente vê o replay no intervalo. Não...não me tira agora... vem cá, poxa...»

«Cê tá maluco?! O Brasil perdendo da Tailândia, Josué, e você pensando em sexo?!»  

 E ele ficou ali, sozinho, na cama, até o final da partida. O Brasil perdeu. E Josué não saiu do zero a zero.   


Oswaldo Pereira
Maio 2010

terça-feira, 4 de junho de 2013

UM HERÓI




João Barone, baterista da banda Paralamas do Sucesso, é, reconhecidamente, um dos brasileiros que mais entendem de um assunto que também sempre me interessou – a Segunda Guerra Mundial. Ele, talvez porque seja filho de um soldado que participou do conflito. Eu, talvez porque tenha nascido em plena guerra e minhas primeiras lembranças me remetam a discussões que presenciei entre meu pai e seu professor de inglês, um austríaco que lutara ao lado dos alemães entre 1914 e 1918 e defendia que Hitler ganharia. Meu pai confiava em Churchill. Embora, ainda muito pequeno, eu não conseguisse decifrar o que se passava, já percebia que o assunto era importante, solene e que algo de muito sério iria acontecer se papai estivesse enganado.

Além disso, nas sessões da manhã de domingo, o Cineac Trianon (Nota do tradutor: Cineacs eram salas de cinema que apresentavam sessões contínuas de variedades, jornais cinematográficos e documentários. Era um must para a criançada. O Trianon ficava na Avenida Rio Branco, perto de onde hoje é o Edifício Avenida Central), entre uma aventura animada do Super-Homem e um desenho do Pato Donald, passava filmes das ações armadas na Europa e no Extremo Oriente.  Sempre em preto e branco - para nós, a cor da guerra.

Em maio de 1944, assisti ao desfile de despedida das tropas que iam para a Itália. No ano seguinte, também estava no centro da cidade para ver o retorno dos “pracinhas”.
Portanto, era inevitável.

Mas, voltando a João Barone, soube recentemente que ele irá lançar seu segundo livro (o primeiro teve por título A Minha Segunda Guerra) sobre a atuação dos brasileiros em combate e em outras situações militares durante a conflagração. Chama-se 1942: O Brasil e sua Guerra Quase Desconhecida. Como a obra não chegou ainda às bancas, não tenho como saber se ele incluiu em seu texto a história de um excepcional herói, um carioca que viveu na penumbra do esquecimento até sua morte e, ainda hoje, só é lembrado por um punhado de admiradores. Chamava-se Apollo Miguel Rezk.

Para dar uma ideia de quem era Apollo Rezk, vou copiar abaixo a tradução de duas citações de combate expedidas pelo Exército Americano em 1945. A primeira, como ato de concessão da Silver Star (Estrela de Prata):

Por bravura em ação, em 12 de dezembro de 1944, em Monte Castelo, Itália. Comandando seu pelotão, através de fogo intenso de metralhadoras e morteiros, chegou até uma posição alemã, assaltou-a e continuou seu avanço. Chegando a Fornelo, seu pelotão recebeu intenso fogo de frente, de flanco e da retaguarda, porém o Tenente Apollo tenazmente manteve a posição até ser forçado a retrair, em virtude de pesadas perdas. O seu bravo exemplo no combate reflete as elevadas tradições dos exércitos aliados.”


ITÁLIA, 1945. CONDECORAÇÃO DO TEN. REZK
A segunda, pela entrega da Distinguished Service Cross (Cruz de Serviços Notáveis). Aí vale notar que esta Cruz é a segunda maior condecoração do exército dos Estados Unidos, sendo superada apenas pela Medal of Honor (Medalha de Honra), cuja atribuição é prerrogativa do Congresso americano.

“Por heroísmo extraordinário na ação de vinte e quatro de fevereiro de mil novecentos e quarenta e cinco, em La Serra, Itália. Foi confiada ao Primeiro Tenente Rezk a missão de comandar o seu pelotão no ataque e ocupação de La Serra, na frente de determinada resistência inimiga. A despeito de campos de minas desconhecidos, terreno excessivamente difícil e forte oposição, o Primeiro Tenente Rezk conduziu galhardamente os seus homens através uma cortina de fogo de metralhadoras, morteiros e artilharia para assaltar e arrebatar o objetivo inimigo. Embora gravemente ferido quando dirigia o ataque, nunca hesitou; pelo contrário, continuando firmemente o avanço. Depois de colocar o seu pelotão em posição, repeliu três fortes contra-ataques, infringindo pesadas perdas aos alemães pela sua habilidade na direção de tiro. Depois, embora em posição vulnerável ao fogo das casamatas do inimigo circundante e a despeito das bombas que caíam e da gravidade dos seus ferimentos, o Primeiro Tenente Rezk defendeu resolutamente La Serra contra todas as tentativas fanáticas dos alemães para retomar a posição.”

O tenente Rezk recuperou-se de seus ferimentos e retornou ao Brasil ao fim da guerra. Apesar de ter sido recebido inúmeras citações de combate, elogios de todos os seus comandantes, brasileiros e estrangeiros, e terem-lhe sido entregues todas as condecorações do nosso exército, só foi promovido a capitão seis anos depois, já no Batalhão de Guardas. Depois de, a seguir, ter cumprido algumas funções burocráticas, foi reformado em 1957, aos 39 anos, no posto de major. As forças armadas começavam a esquecê-lo. O país já o havia feito há muito, à exceção de uma homenagem num programa de rádio e uma reportagem da revista O CRUZEIRO. Só.

Conheci-o em 1997. Um grande amigo meu, Sérgio Pinto Monteiro, então Presidente da Associação de Oficiais da Reserva, iniciara dois anos antes o resgate do velho soldado. Numa cerimônia durante as comemorações do cinquentenário do término da Segunda Guerra, que reunira cerca de quarenta oficiais da Força Expedicionária Brasileira oriundos do CPOR, o Major Rezk, já semiparalítico e cego pelo diabetes, fora-lhe apresentado como o mais destacado combatente da FEB. Sérgio tomou a si a missão de tirá-lo do ostracismo e recuperar sua história, escrevendo, inclusive, um livro. Seu nome foi dado à sede da Associação; palestras foram feitas contando sua saga; matérias foram publicadas em veículos de informação das forças armadas.

No dia de seu funeral, em janeiro de 1999 fui um dos primeiros a chegar ao cemitério do Caju. Já lá estavam Monteiro e um oficial da Marinha americana. Era o enviado do Adido Militar dos Estados Unidos e primeiro representante fardado a comparecer ao enterro. O seu país não se esquecera daquele que recebera uma de suas mais altas condecorações.  
Se tivesse nascido lá, talvez a vida do Tenente Apollo fosse tema para grandes produções de cinema do tipo Resgate do Soldado Ryan, Sargento York, Patton ou um caprichado seriado de TV como Band of Brothers. Os feitos do nosso soldado nada ficam a dever aos atos mostrados na tela.

A diferença é que lá os heróis são cultuados, não só como homenagem ao passado mas, principalmente, para servirem de exemplo ao futuro. Aqui....


Oswaldo Pereira
Junho 2013