segunda-feira, 26 de abril de 2021

OSCAR 2021

 


Melhor fora que não tivessem feito nada.

A cerimônia do Oscar (ou dos Prêmios da Academia, como preferirem) nasceu em 1928. No início, era uma festa privada. Só pessoas diretamente ligadas à indústria cinematográfica eram convidadas e a coisa toda transcorria num banquete.

Com o aparecimento da televisão, o evento ganhou os Estados Unidos, e depois o mundo, transformando-se, pouco a pouco, num acontecimento planetário e um must para quem gostava de cinema. Era uma oportunidade de ver seus ídolos quase pessoalmente, fora da fita, falando sem scripts, movimentando-se no palco e desprovidos da caracterização e da maquiagem que usavam para encarnar um personagem. Puxa, como está velho ou caramba, engordou... eram comentários nas salas de estar de espectadores espalhados pelo globo.

Confessadamente, sou um deles. Há mais de 40 anos, não perco uma. E de muito tempo para cá, a cerimônia definiu seu padrão. Monumentais teatros, palcos gigantescos, iluminações deslumbrantes, tapetes vermelhos, espetaculares números de dança e música, gente vestida a rigor e muito, muito glamour. Teve, também, de tudo. Discursos emocionantes, troca de envelopes, choros de alegria, quedas no palco, aplausos de pé e apresentadores geniais, outros nem tanto.

O que se viu ontem não foi nada disto. OK, há uma pandemia, 2020 foi ano tenebroso para o cinema. Mas, a solução que encontraram foi um desastre. Para já, o local escolhido. Uma mistura de lanchonete dos anos 50 com uma sala de bingo para idosos. Depois, o ritmo da premiação. Nos anos anteriores, adotou-se a regra de limitar o tempo dos agradecimentos, para que a ladainha não se estendesse muito. Pois ontem, isto foi abandonado. Cada agraciado levou o tempo que quis. Alguns foram comedidos, mas outros gastaram minutos infindáveis, contando sua vida desde o primário e citando, um a um, todos os participantes da produção, desde os cinegrafistas até o entregador de pizza, para não falar nas homenagens a familiares, desde as bisavós até os netos. Um saco!

Uma pena. Teria sido melhor pular este ano, desistir da cerimônia e enviar os Oscars por Sedex para os vencedores. Poupava tempo e dinheiro.

Oswaldo Pereira

Abril 2021

segunda-feira, 19 de abril de 2021

PROBLEMA ANUNCIADO

 


Há 46 anos (você leu bem; 46) que eu percorro, três vezes por semana, a orla da Lagoa Rodrigo de Feitas. Quando comecei a cumprir essa prazerosa rotina, o entorno da lagoa era pouco mais de uma trilha, estreita, esgueirando-se entre o espelho d’água e a rua. Mesmo assim, já era um deslumbramento, uma festa diária da Natureza, um cenário portentoso, entre os muitos que alguém com poder para isto, em seus desígnios, dotara os contornos do que, um dia, ganharia a alcunha de Cidade Maravilhosa.

Na administração de Marcello Alencar, prefeito do Rio entre 1989 e 1993, a trilha transformou-se numa pista pavimentada, de desenho corrigido e preparada para servir como ciclovia e passeio. Embora fosse mais uma solução digna do país das improvisações, pois, em outras plagas, ciclovia é uma coisa e caminho de pedestres outra, a providência trouxe um indiscutível conforto adicional aos inveterados frequentadores do lugar.

E assim, mercê do decantado espírito amigável do carioca, a convivência tranquila entre caminhantes e magrelas deu-se com naturalidade, abençoada pela extraordinária beleza das paradisíacas paragens.

Acontece que, de uns tempos para cá, o mundo do ciclismo evoluiu, e surgiram as bicicletas motorizadas. E, com o beneplácito das posturas municipais, a elas foi franqueado o direito de utilizar as ciclovias. Mas, há motorizadas e motorizadas. Hoje, pode-se observar na pista da lagoa o trânsito de veículos que têm mais a ver com suas primas vespas, lambretas e mopeds, do que com as inocentes bicicletas de tração humana.

Qualquer pessoa com um pingo de bom-senso há de admitir que a potência e a velocidade desenvolvidas por esses novos duas rodas, num local frequentado por pessoas passeando seus pets, crianças e avançados idosos com eu, não vai dar certo. Se você a isto adicionar a falta de discernimento daqueles que se julgam em plena pista de Interlagos quando sentados no selim de suas bikes, temos um problema anunciado.

E, quando acontecer, veremos o mesmo filme, de novo. Será praticado o querido esporte nacional de se procurar os culpados e esquecer das causas. Estas estão aí, para todo mundo ver. Leniência da legislação, incompetência da fiscalização e a incivilidade do cidadão.

De repente, vai ter até gente culpando o Bolsonaro...

Oswaldo Pereira

Abril 2021

terça-feira, 13 de abril de 2021

A TERRA NÃO É MAIS AZUL

 


Torço fervorosamente para que a notícia seja fake. Mas, dizem que a Universidade de Oxford está considerando retirar de suas pautas musicais obras de Bach, Beethoven e Mozart, entre outros compositores, por serem “muito coloniais”, segundo a informação, e por evidenciarem a “supremacia branca” na música clássica.

Tem de ser fake. Porque, se não for, tudo indica que estamos entrando num período de loucura coletiva, de alienação destravada que ultrapassa até os tenebrosos tempos da Inquisição e de outros períodos em que o obscurantismo da Era das Trevas dominou o planeta.

Uma música branca?! É este o argumento desses energúmenos? Mas, desde quando música tem cor? Será que Wolfgang, Ludwig e Johann Sebastian estavam preocupados com o matiz de suas geniais fugas, seus scherzos e suas sinfonias enquanto, à luz de velas, enchiam as partituras com suas notas imortais?

Será que permitimos o politicamente correto chegar a este ponto? E, se é assim, vamos permitir também que este mesmo raciocínio demente seja aplicado às pinturas? Vamos assistir, impávidos e retraídos, quando determinarem que a “Última Ceia” seja apagada da capela de Santa Maria Maggiore, em Milão, só porque não há nenhum negro sentado à Santa Mesa? Ou que o David de Michelangelo seja destruído a marteladas porque, afinal, o mármore é branco?

Já de há muito que os sinais vêm aparecendo. Vocábulos tradicionais sendo tachados de preconceituosos, expressões antes empregadas no contexto de sua ingenuidade popular indo para o Código Penal como perturbadoras da ordem. Piadas que provocavam nada mais que um riso descontraído numa mesa de bar virando caso de polícia.

Estamos ficando cada vez mais emudecidos. Atualmente, até a pintura dos automóveis varia entre o branco, o preto e o cinza. Acabou a cor, a verve, o chiste. A alegria.

Comemoramos, há dias, os sessenta anos do voo espacial de Iuri Gagarin, aquele que disse que a Terra era azul. Perdoe-me, camarada cosmonauta. A Terra não é mais azul. É cinzenta. E o Mundo não é mais redondo. É Chato!

Oswaldo Pereira

Abril 2021

 

 

 

quinta-feira, 8 de abril de 2021

UM EQUÍVOCO

 


Gosto de um filme de super-heróis como qualquer pessoa. Talvez, até mais um pouco, pois minha infância foi povoada por eles, impávidos, formidáveis e invencíveis, salvando o Mundo nos pequenos espaços das histórias em quadrinhos. Falavam por balões cheios de letras (menos o Príncipe Valente que, para não atrapalhar a beleza ímpar dos desenhos de Hal Forster, tinha seus diálogos escritos embaixo, como legendas) e lutavam pela Justiça nos traços ágeis e cheios de drama de seus criadores.  

Nos jornais, tinham uma seção exclusiva, com uma página inteira em que cada um realizava suas façanhas em tiras horizontais individuais, em preto e branco durante a semana e em cores nos suplementos dominicais.

Meu pai comprava O GLOBO, talvez até porque nele eram publicadas as aventuras de meus heróis preferidos. Brucutu, Fantasma, Mandrake, Flash Gordon, Buck Rogers, Ferdinando... um time da pesada, que eu religiosamente corria a encontrar no cair da tarde, ao voltar da escola.

Aos poucos, foram ganhando as telas, tanto as grandes como as pequenas. O problema é que, na época, nossa imaginação andava a galope, enquanto os efeitos especiais se arrastavam como cágados. No filme ou na TV, o herói perdia um pouco da sua aura, ficava menor do que parecia nos quadrinhos regados por nossa visão interior e os toscos esforços dos diretores de arte não conseguiam reproduzir, a contento, a pujança dos nossos paladinos.

Em 1977, isto começou a mudar. Star Wars foi o marco inicial. Com a computação gráfica agora voando mais rápido do que o Superhomem, os blockbusters cinematográficos puderam dar aos nossos heróis da infância seu justo pedestal. A partir daí, inclusive, muitos campeões inveteram a ordem, sendo criados diretamente no cinema, sem passar pelo estágio dos quadrinhos, ou para lá indo após terem vencido na telona.

Hoje, o estado da arte do cinema ficcional permite que coisas fabulosas atinjam um patamar de realismo verdadeiramente incrível. E os Super-heróis, além de salvar a Humanidade várias vezes, passaram a reinar supremos na indústria de entretenimento.

Mas, há equívocos. Um deles é o mais recente episódio da Mulher Maravilha. Com o título de Mulher Maravilha 1984 (por que? Alguma homenagem a George Orwell?), o filme é um exemplo clássico de como se pode gastar uma fortuna em efeitos especiais e em talentos como Pedro Pascal (o inesquecível Prince Oberyn de Game of Thrones) e construir um desastre conceitual desta magnitude.

O roteiro é uma lástima. Entende-se que se trata de um mundo ficcional e que a fantasia rege a ordem do Universo, mas há situações que nem assim são aceitáveis. Além disso, a Diretora Patty Jenkins erra na mão. O filme é longo, estica demais a história e exige de Gal Gadot dotes de interpretação que ela, apesar de ter o phisique du rôle e ter-se saído bem na dimensão dada ao papel em produções precedentes, não possui.

Fiquei com saudades de Lynda Carter e da telinha...

Oswaldo Pereira

Abril 2021

sexta-feira, 2 de abril de 2021

ABRIL DE 1821

 


Em abril de 1821, uma enorme agitação permeava o ambiente político português. A permanência do Rei D. João VI no Brasil já não era mais uma realidade aceitável. Napoleão fora derrotado, definhava na ilha de Santa Helena e, no ano anterior, um movimento palaciano em Portugal havia deposto o Marechal Beresford, o regente nomeado por D. João. Uma junta provisória assumira o poder e passara a exigir o retorno imediato do Rei a Lisboa.

Quando o brigue Providência aportou no Rio de Janeiro em maio daquele ano, trazendo as notícias da rebelião e das exigências das cortes lisboetas, várias correntes começaram a se formar, tendo como pano de fundo o enfraquecimento do poder real e a expectativa sobre o futuro imediato do Brasil.

Havia três grupos de opinião. Os portugueses liberais, que pediam a partida de D. João, os lusitanos absolutistas, cuja escolha era o envio de um representante a Lisboa, no caso, o Príncipe D. Pedro e os brasileiros, que pleiteavam a permanência de toda a família real no Rio.

Com o passar dos meses, enquanto, caracteristicamente, D. João VI tentava contemporizar e adiar sua partida, vários movimentos começaram a eclodir pelo país afora. A percepção de que, com a eventual partida da Corte portuguesa, o Brasil experimentasse a perda da importância que adquirira em 1808, ao ser elevado praticamente à posição de sede do império luso, motivava os levantes.

Em março de 1821, o Rei via os acontecimentos pressioná-lo como as paredes de um torno. Aqui, o movimento pela independência, tornado maduro pela insegurança com que os brasileiros enxergavam os acontecimentos em Lisboa, aumentava. Lá, uma feroz campanha contra o absolutismo monárquico e os ventos libertários que sopravam com força no continente europeu ameaçavam sua coroa. D. João amava o Brasil. E foi com imenso pesar que, em abril, se viu obrigado a partir.

Num dos primeiros textos que escrevi neste blog, eu fiz uma elegia a D. João VI. Para mim, foi um dos mais esclarecidos soberanos de seu tempo. E esse discernimento fez com que ele, antes de partir, e ao se convencer de que a independência brasileira era uma questão de pouco tempo, instruiu seu filho Pedro a cooptar o movimento e a, eventualmente, provoca-lo.

A saída do novo país do Reino Unido Brasil, Portugal e Algarves foi o primeiro Braxit da História.  E com, pelo menos, o encorajamento ou a complacência de D. João.

Exatos duzentos anos depois, será que somos dignos desse amor e dessa clarividência?

 Oswaldo Pereira

Abril 2021