domingo, 24 de abril de 2016

DO LEME AO PONTAL...




“Do Leme ao Pontal, não há nada igual...”

Mal sabia Tim Maia que a longa linha praieira de sua música se quebrasse exatamente no trecho que o homenageia...

Eu era ainda criança. Meu pai, quando as ressacas oceânicas começavam a anunciar os frios do Outono, levava-me a apreciar o embate das ondas no costão da Niemayer. Era um espetáculo portentoso. Muita gente ia assistir. Ficávamos todos a uma distância respeitosa, a salvo das chuveiradas do mar, ouvindo o estrondo das ondas na caverna da “Gruta da Imprensa”, onde os arcos construídos duas décadas antes enfrentavam soberanos a força da maré alta.  Eu era ainda criança. Há sessenta anos.

Então, não me venham com lorotas de que a “onda” era imprevisível, ou que mudanças climáticas alteraram o regime do mar. Não insultem a minha inteligência. Ou a minha memória. O mar e as ondas se comportam da mesma maneira que há sessenta anos. Ou que há duzentos mil anos.

O que há de novo é a elevação da incompetência do poder público a potências nunca vistas. A novidade é que a maré da ganância, a preamar do descaso, o tsunami da corrupção chegou a níveis insuportáveis. A ciclovia cai, a lama entope o Governo, o propinoduto corrói as entranhas da Petrobrás, os deputados expõem seu histriônico despreparo, Municípios e Estados não conseguem mais pagar a conta de uma máquina funcional inchada e disfuncional, escolas param, hospitais fecham, estradas se desmancham.

Agora virão as surradas ladainhas do “vamos investigar e punir”, o já malcheiroso bordão do “doa a quem doer”, palavras espúrias e soltas, as mesmas que sucederam o desastre de Mariana. São “frases de prateleira”, atiradas ao vento de uma manhã de outono, bela e trágica, recitadas e repetidas como num disco quebrado, sem ecos nem compromissos.


Até quando vamos ter de suportar isto?

Oswaldo Pereira

Abril 2016

segunda-feira, 18 de abril de 2016

PRIMEIRO ROUND



Término do primeiro, de um combate em três rounds. Vitória parcial da Oposição, com um belíssimo cruzado de direita (sem conotações, por favor) no queixo do adversário. 

Agora começa uma agonia que pode levar sete meses. Poderia levar menos, se Dilma renunciasse. Mas este não é o seu perfil. Seus poucos apoiadores a chamam de “guerreira”. Eu concordo, mas o que o Brasil menos precisa, hoje, é de guerreiras. O país precisa de alguém que acerte seu caminho, que o tire do atoleiro da falta de credibilidade política, da inércia econômica, do descalabro financeiro. Que corrija os erros e os desmandos de uma administração incompetente, equivocada, que, por pura estupidez arrogante destruiu a ampla base partidária que possuía no início de seu primeiro mandato. Que não soube ler, em seu analfabetismo funcional, as tendências dos mercados internacionais, o aprofundamento da crise fiscal, a pressão inflacionária, a realidade do país.

O mantra do não vai ter golpe foi mais um dos equívocos. Ninguém em sã consciência pode querer convencer a população brasileira de que o Supremo Tribunal Federal, cujos membros foram todos indicados por Lula ou Dilma, aceitou o rito do impeachment por que é golpista. Que dois terços da Câmara de Deputados estejam mancomunados com um Golpe. Ou que milhões foram às ruas com o intuito de promovê-lo. Perderam tempo e substância tentando vender esta ideia.

Mais uma vez, eu digo. O processo de impeachment é uma infecção oportunista. Entra por uma pequena ferida, um mero arranhão na pele de um Governo, causados por pedaladas aqui e ali, verbas extras acolá, arrepios quase inconsequentes, mas que ferem a lei. Desde o alvorecer da República, vários Governos provocaram estes cortes na própria pele, alguns até consideráveis lanhos em sua epiderme. Quase todos, entretanto, contavam com a vitamina C de sua popularidade, os anticorpos de sua base partidária, a penicilina de seus acertos administrativos. Collor não teve isto. E padeceu da febre que matou seu mandato. A baixíssima imunidade de Dilma, sem apoio popular e político, permitiu à infecção se generalizar. A culpa dessa situação cabe a ela própria. À sua burrice teimosa, ao seu autoritarismo surdo, à sua inépcia administrativa, ao seu discurso com frequentes erros de raciocínio e de vernáculo. Até a pequenos detalhes, como impor à Imprensa Nacional e a seus assessores a asneira gramatical de chamá-la de Presidenta.  Se tivesse um mínimo de autocrítica, renunciaria. Seria o melhor para nós todos e até para ela. Mas, como disse no início, esse não é o seu perfil...

Fiz questão de assistir à votação do Congresso na íntegra. Queria observar as vísceras políticas da Nação. Todos os deputados federais teriam de mostrar sua cara. Era, pois, uma oportunidade imperdível de conhecer quem nos representa.
Em primeiro lugar, um ponto para a solidez das instituições. Noves fora pequenos tumultos no início, a votação foi limpa, livre e de viva voz. Aliás, ponto também para os manifestantes de parte a parte, espalhados pelo Brasil, e sua demonstração ímpar de civismo, tolerância e paz.

Agora, foi espantoso notar que noventa e nove, vírgula nove por cento dos deputados descumpriram a postura regimental de apenas declarar seu voto. Antes, a quase totalidade dos líderes, em seus discursos no pódio, havia também desrespeitado a praxe de não permitirem mais de um orador e coibirem o uso de cartazes e faixas. É assim que vão respeitar outras regras? Posso até entender que um político carregue em seu DNA a volúpia dos holofotes, que uma plateia garantida de dezenas de milhões de espectadores seja um irresistível apelo à palavra, mas alguns, muitos, extrapolaram. E ainda se deram ao luxo de lançar olhares abespinhados a quem, mui justamente, solicitava atendimento ao preceituado, como a dizer transgrido mesmo, e daí?

Outra evidência foi de que, além do Tiririca (que, aliás, portou-se rigorosamente dentro do regulamento), existem vários outros palhaços na Assembleia. Teve um que até espocou um rojão de confetes ao microfone. Meu Deus, quem elege estes caras? Como estes ridículos clowns chegaram até o Congresso? Será pela magia daninha do voto por legenda?

Bem, de qualquer modo, os dados estão lançados. Será que temos alguma coisa a temer?...

Oswaldo Pereira
Abril 2016
  


segunda-feira, 11 de abril de 2016

SALTO NO ESCURO




Quando eu estava no serviço militar, conheci um oficial paraquedista que passara por uma terrível experiência. Na época, o Exército procurava aperfeiçoar as táticas de emprego das forças aerotransportadas, e havia já feito uma experiência de saltos sobre o mar que não acabara bem. A maioria dos paraquedistas chegara à água com seus paraquedas e dois deles tinham-se afogado, enredados nas cordas de seu equipamento. Para o próximo exercício, a ser realizado sobre o mar do Leme e à noite, a recomendação foi que, a uns três metros antes de chegar à superfície, os soldados se desvencilhassem do paraquedas e atingissem a água livres de seu cordame.

Segundo este meu conhecido, ele e seus companheiros foram lançados dos aviões a uma altura média de 300 metros sobre Copacabana, suficientes para a abertura correta do velame ou permitir o recurso ao paraquedas reserva, caso o principal apresentasse defeitos.  O resto era descobrir o momento certo de destravar o ferrolho antes do mergulho. O problema foi exatamente este. Na escuridão, era difícil precisar onde estava a superfície. Assim que ele vislumbrou um tênue reflexo nas ondas abaixo, livrou-se do paraquedas. Mas ele não estava a três metros da água. Estava a trinta. Sobreviveu apenas porque um dos barcos de resgate estava perto e conseguiu recolhê-lo, desacordado, mas vivo.

Estou contando esta história porque, nos meus absortos pensamentos, consegui enxergar uma analogia com a presente situação. Na minha modesta opinião, o PMDB, a Oposição e as legiões que defendem o impeachment largaram-se no espaço cedo demais.

Sob a grave ameaça de parecer repetitivo, volto a dizer que o processo de impeachment, apesar de requerer uma base legal para respaldar seu início, é medularmente um processo POLÍTICO. Se assim não fosse, seu mérito seria definido pelas Cortes, e não pelo Congresso. Se a sua razão para prosperar fosse a correta medida de sua adequação aos princípios da Lei, seriam juízes, e não parlamentares, os detentores da decisão final. Seria o júri, e não o plenário. O argumento, e não o voto.

Desta forma, o sucesso ou a derrota de uma iniciativa de impedimento de um Presidente depende, mais do que qualquer outra coisa, da vontade política dos membros de nossas duas casas legislativas.

E será que eu preciso contar aqui o que inspira um político no nosso atual momento?

São várias as coisas. Mas uma é fundamental. A Sobrevivência. Qualquer pessoa que escolha enveredar pela carreira pública e nela se manter sabe perfeitamente que seu nome jamais poderá se afastar da ribalta das campanhas, dos cargos eletivos, do poder que emana dos mandatos. Um ostracismo involuntário, o afastamento das convenções partidárias, o sepultamento de uma candidatura são o anátema, a maldição que assombra todo político.

E é aí que o Governo vem, nestes dias que antecedem a fase crucial da novela do impeachment, mostrando todo o seu poder de fogo, como canhões na murada de um navio que parecia soçobrar. No amplo balcão onde vende ministérios, diretorias, chefias e que tais, vende também a promessa da sobrevivência para partidos nanicos, deputados de modesto cacife e legendas de aluguel. A cada transação fechada, um precioso voto na hora do desfecho. Saindo cedo demais, o PMDB abriu as vagas para o troca-troca.  

Outro importante fator são as ruas. E o PT parece ter retomado a iniciativa. Só tenho visto bandeiras vermelhas. A formidável manifestação contra a Dilma foi quase há um mês e sua lembrança esmaece-se no consciente de um povo que costuma ter memória curta. Afinal, AGORA é que é a hora. Agora teria de ser o momento das grandes passeatas, das vibrantes convocações, das eloquentes palavras de ordem, de uma ação retumbante da Oposição, dos grandes discursos dos líderes do PSDB, do PMDB e seus aliados. Onde estão os caras pintadas de hoje? Será que pularam cedo demais?

Oswaldo Pereira
Abril 2016


sexta-feira, 8 de abril de 2016

PAPEIS DO PANAMA

Panama papers.

Em outros tempos, a moda era os panama hats, os chapéus panamá, brancos, estivais, com sabor de férias, símbolo mundial do relax e da vida praieira.

Outros tempos...

Hoje, aquela tripa geográfica, quase um cordão umbilical que une as duas Américas, manda mensagens diferentes de um submundo tortuoso de fantasmas empresariais, lavanderias com detergentes poderosos, onde dinheiros de procedências diversas, e perversas, encontram a blindagem do anonimato e a imunização contra os dízimos fiscais.

todo mundo lá. Mandatários, ministros, mecenas, mitos, malandros e magos. Se quisermos continuar na letra M, também lá estão Macri e Messi. Todas as outras letras do alfabeto, entretanto, estão também representadas com alento. São quase 300.000 mil firmas de fachada com o nome romântico de offshores, criadas com o objetivo social verdadeiro de esconder granas do Fisco e protege-las dos olhos dos outros inocentes pagadores de impostos.

Uma grande farra financeira regida pelos maestros da Mossack Fonseca, advogados preferidos por nove entre dez magnatas para gerir seus pés de meia bilionários. Ninguém sabe ainda estimar o tesouro que enche esta monumental caverna de Ali Babá. O abracadabra da denúncia foi apenas pronunciado e já causou a baixa do premier da Islândia. Islândia?!, dirão alguns. Como é possível que naquela pedra de gelo haja corrupção?...

Pois é, amigos. Depois de mais este levantar de véus, que desnuda outra pintura obscena deste mal endêmico, a gente se pergunta. Não serão a ganância, o conchavo, a vantagem espúria, a facilidade comprada açúcares genéticos embutidos nos volteios do DNA humano? 

A ocasião faz o ladrão, já diziam meus bisavós, provavelmente convencidos de que a honestidade pura era uma lenda que morrera com Sir Galahad.

E, por falar nisto, alguém já investigou a fundo a vida de Sir Galahad?...

Oswaldo Pereira
Abril 2016