Apesar do nome Imprensa lembrar Gutemberg, a coisa vem de muito antes. Os
sumérios, há mais de 4.000 anos, já usavam tábuas de cera para publicar seus
caracteres, embora poucos os soubessem ler. O “editor” era sempre o poder
central e as “notícias” nada mais eram do que éditos e mandamentos. Os feitos
egípcios foram escritos em paredes, colunas, tetos, ou seja, em qualquer lugar
onde coubesse um hieróglifo. A primeira aparição de algo parecido com uma
publicação diária informativa só ocorreu na Roma Imperial, nas tábuas de pedra,
as Acta Diurna, que Augusto mandava pendurar
no Forum.
Com a Idade Média, e a concentração do
saber nos mosteiros, o controle da informação escrita tornou-se um apanágio de
poucos, invariavelmente da nobreza e do clero. A populaça tinha sua dieta de
conhecimento fornecida pelo púlpito, pelos menestréis e pelas lendas que
corriam de boca em boca.
No século XV, a prensa de Johannes Gutemberg veio dar agilidade e socialização ao
processo. Rapidamente, panfletos começaram a surgir como cogumelos depois da
chuva. Em 1500, uma Europa alfabetizada já contava com 226 oficinas de
impressão. Publicava-se de tudo para todos.
Mas foi só no século XVIII que a percepção
da imprensa como formadora de opinião começou a surgir. E os políticos não
perderam muito tempo em transformá-la numa ferramenta de domínio. Em meados dos
anos 1700, em praticamente todo o mundo, o direito de publicação era reservado
quase que exclusivamente ao Governo. Os escassos periódicos piratas eram
regularmente empastelados por quem
detinha o poder.
Ao Brasil, nessa altura uma Colônia, nem
a permissão de ter um jornal era concedida. Com a vinda da Corte para o Rio em
1808, e a formidável ascensão da cidade ao posto de capital do reino português,
tudo mudou. E uma das grandes transformações foi o nascimento da imprensa
brasileira. E, pasmem, não só do órgão governamental, a Gazeta do Rio de Janeiro, mas também de um jornal independente, o Correio Braziliense, impresso em Londres
por um exilado chamado Hipólito da Costa (e há ainda quem fale mal de D. João
VI...).
Com esta certidão de nascimento, o
jornalismo nacional procurou traçar seu destino de liberdade e independência,
ideais nem sempre aceitos de bom grado por quem de direito. Assim foi no
Primeiro Reinado e em vários capítulos da nossa vida republicana. Mas, toda vez
que as peias da censura encolhiam, a atividade jornalística brasileira
demonstrava sua força e sua pluralidade.
E aí é preciso entender que, se a
imprensa livre deve decorrer por definição da iniciativa privada, cada veículo
tenderá a expressar a opinião do grupo privado que a controla. Mas, há coisa
que precisa sempre existir, sem a qual todo o conceito de liberdade da imprensa
cai por terra. A Ética.
Quando comecei a entender
suficientemente as letras para ter a capacidade de encarar um jornal, estávamos
no começo da década de 1950. A televisão dava seus primeiros passos
informativos para dentro das salas de estar dos lares brasileiros, mas o jornal
era Rei. E, num ambiente livre de censura, o estrato de opinião política era
amplo. Em circulação, havia, só para citar os maiores, a Tribuna da Imprensa de Carlos Lacerda, a Última Hora de Samuel Weiner, o Globo
de Roberto Marinho, os Diários
Associados de Assis Chateaubriand, o Jornal
do Brasil da Condessa Pereira Carneiro e o Correio da Manhã de Edmundo Bittencourt. O pêndulo partidário ia de
um extremo ao outro e cada jornal era claramente identificado por sua cor
política.
Mas, o respeito pelo fato era sagrado. Seu relato era o mais
isento possível, procurando manter-se muito próximo da sua autenticidade. As
considerações e interpretações ficavam por conta dos editoriais e dos
colunistas. E dos leitores.
Aos poucos, algumas empresas
jornalísticas foram montando suas redes televisivas, à medida que a telinha se
transformava no grande canal de informação na segunda metade do século XX.
Ainda assim, mantinha-se a mesma postura de tentar veicular a notícia em sua versão neutra. O
comentário interpretativo havia passado do editor-chefe para os âncoras.
De uns anos para cá, a coisa desandou. Hoje,
temos uma imprensa nacional que, no melhor estilo Gramsci, foi cooptada pelo ideário da esquerda. Eu não teria nada contra.
Afinal, como no século passado, o compromisso dos jornais e emissoras de TV é
com seus leitores e espectadores. São businesses
que dependem do tamanho de sua audiência para poder faturar com a venda de
espaço publicitário.
Como eu disse, não teria. Mas, o que se vê é uma desenfreada manipulação do fato. É o desonesto uso da notícia fora
do seu contexto real, a prática canalha de se editar a informação e reportar
apenas trechos extirpados e repassá-los como íntegros. Notícias são dadas
desprovidas de qualquer embasamento factual, quando não nitidamente invertidas
e desvirtuadas. Repórteres e entrevistadores, em vez de se dedicarem a
perguntar com inteligência e moderar com profissionalismo, abusam da tática
covarde de lançar cascas de banana ao
entrevistado, partindo para o linchamento toda vez que este resvala numa dessas
armadilhas.
O resultado está aí. Hoje, a
confiabilidade do público brasileiro no jornalismo e na imprensa caiu a níveis
historicamente baixos. Mais e mais pessoas estão procurando sua informação nas
redes sociais. Só que, para desgraça total, estão se deparando com a praga das fake news.
Como dizia Drummond. E agora, José?
Oswaldo
Pereira
Junho
2020
Ótimo! Nada como o humor culto para criar entendimento.Sem dúvida, cogumelos de depois das chuvas são infinitamente mais "palataveis" que cascas de banana.É evidente q a sanha e a ambição dentro do aparato das comunicações, está cavando uma cova para todo o sistema de informação. "Perdoai-os Senhor! Eles não sabem o que fazem"������
ResponderExcluirSerá mesmo que não sabem?..
ExcluirAsí que, estamos en las mismas
ResponderExcluirQue lástima!
ExcluirIsto é, se soubermos diferenciar as epecies venenosas das q são acepipes degustaveis. Mesmo assim alguns hão de eventualmente engolir gato por lebre. Em campo minado, todo cuidado é pouco. Pessoalmente optei pela recusa total a esse tipo de iguarias.Dieta de monges.
ResponderExcluirRsrsrs... Mas, cuidado! Há monges e monges...
ExcluirDe preferencia franciscanos de histórias infantis risonhos, gulosos e bonachoes.
ResponderExcluirOu os beneditinos, que inventaram aquele delicioso licor...
ExcluirSão mais austeros. Em SP faziam um pão "divino"
ResponderExcluirDom João Evangelista do coro aqui do Mosteiro batizou a Rita era meu amigo na Radio MEC.
Qto a imprensa, parece mesmo agonizante.
Está na hora da estrema unção...
Excluirextrema (Ô corretor miserável...)
ExcluirOswaldo, você abordou um tema verdadeiramente importante. Lamentavelmente não se pode mais confiar em noticias dos órgãos principais de imprensa. Chegamos a uma situação que não vi em nenhum governo anterior: a busca da deturpação da informação. Com certeza não é por acaso. E isso não é pela ampliação das redes sociais. Fosse isso as empresas de comunicação estariam correndo atrás de soluções e não na busca da desinformação da população. A questão é mais ampla e penso que não esteja restrita à imprensa brasileira. O tempo dirá.
ResponderExcluirZé, as guerras hoje são combatidas no campo da informação. Já não são nem mais bélicas nem econômicas. Trump, apesar de errático e falastrão, tem acertado o foco quando expõe o projeto de domínio da China através do controle e manipulação da informação a nível planetário. A Terceira Guerra Mundial já está sendo combatida...
Excluir...tal qual!
ResponderExcluirMais uma intervenção da maior relevância para o tempo que vivemos.
Parabéns estimado vizinho (em Portugal)!
Abraço
Caríssimo Zé,
ExcluirObrigadíssimo. Estamos ainda aqui no Rio, esperando uma solução da Iberia para viajar praí. Grande abraço.
Texto que nos faz pensar mais do que já pensamos. Sinto que não podemos mais confiar no que lemos. Um pouco daqui ,um pouco dali e vamos colocando "os pingos nos iis".
ResponderExcluirEstá perfeito o que você fala. Li e reli. Vontade de sentir a história e a escrita. Vou enviar para um irmão que é jornalista. PARABÉNS,oSWALDO.