terça-feira, 2 de junho de 2020

DE CONTEXTOS E BANANAS



Apesar do nome Imprensa lembrar Gutemberg, a coisa vem de muito antes. Os sumérios, há mais de 4.000 anos, já usavam tábuas de cera para publicar seus caracteres, embora poucos os soubessem ler. O “editor” era sempre o poder central e as “notícias” nada mais eram do que éditos e mandamentos. Os feitos egípcios foram escritos em paredes, colunas, tetos, ou seja, em qualquer lugar onde coubesse um hieróglifo. A primeira aparição de algo parecido com uma publicação diária informativa só ocorreu na Roma Imperial, nas tábuas de pedra, as Acta Diurna, que Augusto mandava pendurar no Forum.

Com a Idade Média, e a concentração do saber nos mosteiros, o controle da informação escrita tornou-se um apanágio de poucos, invariavelmente da nobreza e do clero. A populaça tinha sua dieta de conhecimento fornecida pelo púlpito, pelos menestréis e pelas lendas que corriam de boca em boca.

No século XV, a prensa de Johannes Gutemberg veio dar agilidade e socialização ao processo. Rapidamente, panfletos começaram a surgir como cogumelos depois da chuva. Em 1500, uma Europa alfabetizada já contava com 226 oficinas de impressão. Publicava-se de tudo para todos.

Mas foi só no século XVIII que a percepção da imprensa como formadora de opinião começou a surgir. E os políticos não perderam muito tempo em transformá-la numa ferramenta de domínio. Em meados dos anos 1700, em praticamente todo o mundo, o direito de publicação era reservado quase que exclusivamente ao Governo. Os escassos periódicos piratas eram regularmente empastelados por quem detinha o poder.

Ao Brasil, nessa altura uma Colônia, nem a permissão de ter um jornal era concedida. Com a vinda da Corte para o Rio em 1808, e a formidável ascensão da cidade ao posto de capital do reino português, tudo mudou. E uma das grandes transformações foi o nascimento da imprensa brasileira. E, pasmem, não só do órgão governamental, a Gazeta do Rio de Janeiro, mas também de um jornal independente, o Correio Braziliense, impresso em Londres por um exilado chamado Hipólito da Costa (e há ainda quem fale mal de D. João VI...).

Com esta certidão de nascimento, o jornalismo nacional procurou traçar seu destino de liberdade e independência, ideais nem sempre aceitos de bom grado por quem de direito. Assim foi no Primeiro Reinado e em vários capítulos da nossa vida republicana. Mas, toda vez que as peias da censura encolhiam, a atividade jornalística brasileira demonstrava sua força e sua pluralidade.

E aí é preciso entender que, se a imprensa livre deve decorrer por definição da iniciativa privada, cada veículo tenderá a expressar a opinião do grupo privado que a controla. Mas, há coisa que precisa sempre existir, sem a qual todo o conceito de liberdade da imprensa cai por terra. A Ética.

Quando comecei a entender suficientemente as letras para ter a capacidade de encarar um jornal, estávamos no começo da década de 1950. A televisão dava seus primeiros passos informativos para dentro das salas de estar dos lares brasileiros, mas o jornal era Rei. E, num ambiente livre de censura, o estrato de opinião política era amplo. Em circulação, havia, só para citar os maiores, a Tribuna da Imprensa de Carlos Lacerda, a Última Hora de Samuel Weiner, o Globo de Roberto Marinho, os Diários Associados de Assis Chateaubriand, o Jornal do Brasil da Condessa Pereira Carneiro e o Correio da Manhã de Edmundo Bittencourt. O pêndulo partidário ia de um extremo ao outro e cada jornal era claramente identificado por sua cor política.

Mas, o respeito pelo fato era sagrado. Seu relato era o mais isento possível, procurando manter-se muito próximo da sua autenticidade. As considerações e interpretações ficavam por conta dos editoriais e dos colunistas. E dos leitores.

Aos poucos, algumas empresas jornalísticas foram montando suas redes televisivas, à medida que a telinha se transformava no grande canal de informação na segunda metade do século XX. Ainda assim, mantinha-se a mesma postura de tentar veicular a notícia em sua versão neutra. O comentário interpretativo havia passado do editor-chefe para os âncoras.

De uns anos para cá, a coisa desandou. Hoje, temos uma imprensa nacional que, no melhor estilo Gramsci, foi cooptada pelo ideário da esquerda. Eu não teria nada contra. Afinal, como no século passado, o compromisso dos jornais e emissoras de TV é com seus leitores e espectadores. São businesses que dependem do tamanho de sua audiência para poder faturar com a venda de espaço publicitário.

Como eu disse, não teria. Mas, o que se vê é uma desenfreada manipulação do fato. É o desonesto uso da notícia fora do seu contexto real, a prática canalha de se editar a informação e reportar apenas trechos extirpados e repassá-los como íntegros. Notícias são dadas desprovidas de qualquer embasamento factual, quando não nitidamente invertidas e desvirtuadas. Repórteres e entrevistadores, em vez de se dedicarem a perguntar com inteligência e moderar com profissionalismo, abusam da tática covarde de lançar cascas de banana ao entrevistado, partindo para o linchamento toda vez que este resvala numa dessas armadilhas.

O resultado está aí. Hoje, a confiabilidade do público brasileiro no jornalismo e na imprensa caiu a níveis historicamente baixos. Mais e mais pessoas estão procurando sua informação nas redes sociais. Só que, para desgraça total, estão se deparando com a praga das fake news.

Como dizia Drummond. E agora, José?

Oswaldo Pereira
Junho 2020

16 comentários:

  1. Ótimo! Nada como o humor culto para criar entendimento.Sem dúvida, cogumelos de depois das chuvas são infinitamente mais "palataveis" que cascas de banana.É evidente q a sanha e a ambição dentro do aparato das comunicações, está cavando uma cova para todo o sistema de informação. "Perdoai-os Senhor! Eles não sabem o que fazem"������

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  2. Isto é, se soubermos diferenciar as epecies venenosas das q são acepipes degustaveis. Mesmo assim alguns hão de eventualmente engolir gato por lebre. Em campo minado, todo cuidado é pouco. Pessoalmente optei pela recusa total a esse tipo de iguarias.Dieta de monges.

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  3. De preferencia franciscanos de histórias infantis risonhos, gulosos e bonachoes.

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    1. Ou os beneditinos, que inventaram aquele delicioso licor...

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  4. São mais austeros. Em SP faziam um pão "divino"
    Dom João Evangelista do coro aqui do Mosteiro batizou a Rita era meu amigo na Radio MEC.
    Qto a imprensa, parece mesmo agonizante.

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  5. Oswaldo, você abordou um tema verdadeiramente importante. Lamentavelmente não se pode mais confiar em noticias dos órgãos principais de imprensa. Chegamos a uma situação que não vi em nenhum governo anterior: a busca da deturpação da informação. Com certeza não é por acaso. E isso não é pela ampliação das redes sociais. Fosse isso as empresas de comunicação estariam correndo atrás de soluções e não na busca da desinformação da população. A questão é mais ampla e penso que não esteja restrita à imprensa brasileira. O tempo dirá.

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    1. Zé, as guerras hoje são combatidas no campo da informação. Já não são nem mais bélicas nem econômicas. Trump, apesar de errático e falastrão, tem acertado o foco quando expõe o projeto de domínio da China através do controle e manipulação da informação a nível planetário. A Terceira Guerra Mundial já está sendo combatida...

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  6. ...tal qual!

    Mais uma intervenção da maior relevância para o tempo que vivemos.
    Parabéns estimado vizinho (em Portugal)!
    Abraço

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    1. Caríssimo Zé,
      Obrigadíssimo. Estamos ainda aqui no Rio, esperando uma solução da Iberia para viajar praí. Grande abraço.

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  7. Texto que nos faz pensar mais do que já pensamos. Sinto que não podemos mais confiar no que lemos. Um pouco daqui ,um pouco dali e vamos colocando "os pingos nos iis".
    Está perfeito o que você fala. Li e reli. Vontade de sentir a história e a escrita. Vou enviar para um irmão que é jornalista. PARABÉNS,oSWALDO.

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