E se o confinamento, o uso obrigatório de máscaras e o distanciamento social demorarem mais do que o imaginado? E se a famigerada segunda onda se abater sobre o mundo? E se a vacina levar mais tempo para se provar eficaz?
A vida neste planeta azul está sempre em
constante evolução. Há zilhões de anos, ela saiu de uma pequena lagoa
murmurante entre pedras ainda escaldantes e escorregou para a superfície. Aos
poucos, seu rastejar transformou-se num caminhar sustentado, pés ante pés, asas
sobre asas, varando uma natureza saturada de oxigênio e plena de alimento, tudo
o que o metabolismo incipiente de uma variedade inimaginável de espécies
precisava para prosperar.
Até chegar ao homo sapiens a palavra chave foi a transformação. Coluna ereta,
polegar opositor, sexualidade à flor da pele, foram transmutações
determinantes, desenvolvidas em resposta às exigências de um ambiente hostil,
mas desafiador, e alimentadas por uma predestinação férrea à sobrevivência e à
procriação.
Assim, e para sempre, a raça humana tem
como destino e saga a sua capacidade de adaptação. E de se modificar para
sobreviver. De moldar seu corpo e sua mente como reação aos caprichos da
natureza e aos percalços do ambiente.
A presente pandemia teve como
consequência uma mudança brusca no comportamento social em todos os países.
Hábitos, cuidados, regras de relacionamento, protocolos e rotinas para contatos
e etiquetas de aproximação física foram, em maior ou menor grau, impostos por
governos e autoridades desde que o vírus começou a espalhar-se. É esperável, e
até agora os sinais não desmentem, que esta pandemia vai acabar. Mas, e se não
fosse assim?
Depois de anos usando máscaras, teríamos
de desenvolver outros sinais de comunicação social. Com a boca e toda a parte
inferior do rosto encobertos, a janela das nossas emoções seriam apenas os
olhos. Franzidos, abertos, esbugalhados, semicerrados, dirigidos para cima ou
para baixo, oblíquos, enviesados, delineados ou simples, com lagrimas ou sem
elas, cada trejeito ocular significaria uma mensagem, de amor até o ódio, e de
todas as suas gradações.
Nariz, boca, bochechas e queixos iriam
sumir do contato visual. Toda a humanidade em meia burka. Então, batons e os demais cosméticos faciais perderiam o
sentido. Barbas escanhoadas ou bem desenhadas, também. Dentes alinhados ou
tortos, idem. Prá que? Ninguém iria
mesmo ver...
O cotovelo se consagraria como o ponto
de contato físico por excelência. Com tempo, é provável que sensores naturais
se instalassem na sua ponta, capazes de registrar temperaturas, dureza, maciez
e, colateralmente, animosidade ou simpatia. Com abraços, afagos e beijinhos
terminantemente proibidos por lei, o cotovelo seria o rei da etiqueta. Logo,
regras de como cumprir o ato social de os encostar serviriam de parâmetros para
aferir a elegância e a boa educação das pessoas.
O mundo teria os limites das paredes de
sua casa. Ensino, trabalho, convivência com amigos e parentes, namoros e
paixões seriam ministrados, administrados e filtrados pelos apetrechos
eletrônicos. TV’s, laptpops e
celulares seriam os braços abertos (ou fechados) de união e de convívio.
Carinhos e palavrões, confissões de amor ou de desprezo, reuniões corporativas
ou familiares, deveres de casa e beijos de avós, brindes festivos ou
condolências tristes, tudo viria por telas, pequenas ou grandes, e ouvido por
auscultadores e auriculares.
Mas, é claro, isto é só um pesadelo
ficcional. Penso eu...
Oswaldo
Pereira
Junho
2020
Costuma-se dizer q a ficção é mais verdadeira do que a verdade, como se o exercício da mente, tomasse o lugar do real expondo o que se trava na mente do autor e ele refaz e erige uma realidade "outra", digamos q "sem censura". E é isso que encanta o leitor, Ousarmos ser no âmbito de um limite estendido ad infinitum. A meu ver, essa é uma das mais belas funções da mente:captar a beleza. Isso é arte. Alguém disse: Abrace a Arte, porque a Vida não basta.
ResponderExcluirBelíssimo comentário! De quem deve conhecer fundo a alma de um escritor.
ExcluirO titulo do seu texto me fez lembrar o poema "If" de
ResponderExcluirRudyard Kipling. Foi bom reler.
Nos meus tempos de criança, era o poema mais sugerido pelos pais a seus filhos. Estava tudo lá.
ExcluirComo sempre excelente artigo, talvez o melhor de todos os que venho acompanhando.
ResponderExcluirVocê termina dizendo tratar-se de um pesadelo ficcional. Não sei, pois a Arte no seu caso a Escrita, imita a vida e possa ser não um pesadelo, mas uma antevisão de um futuro muito triste e sombrio para quem conheceu um mundo diferente. Para os que nascerem após a pandemia esse mundo que eu falo ser sombrio será o normal.Bjs Zezé
Pois é, querida Zezé. O medo talvez seja a pior consequência desta pandemia. E a culpa nesse cartório recai em muita medida sobre todas as "autoridades" que, inconsequentemente ou com intenções, o disseminaram. Bjs.
ExcluirOlá Oswaldo
ResponderExcluirUm enfoque apropriado para se se prolongar "sine die". as precauções recomendadas pelas instituições de saúde.
A tecnologia já esta contribuindo na comunicação e nas atividades que requeriam a presença das pessoas.
O que a gente realmente sente é a falta do o aconchego de nossos entes queridos e dos amigos aos poucos vamos nos adaptando as reuniões de família pelas telas dos nossos celulares e assim aprendendo novas maneiras de comunicação JáMas estamos usando mais e mais sinais com as mãos e gestos , só falta aprender a comunicação libra dos surdos e mudos. Mas cientistas vão encontrar a vacina adequada e ou a própria natureza do homem vai criar uma auto defesa.Foi assim que os nossos antepassados foram se adaptando.
Em quanto isso nos resta curtir nosso tempo com o que gostamos de fazer descobrir o que podemos fazer confinados nas paredes da nossa casa , e logicamente ler a palavra escrita. não deixe de escrever meu amigo.
Emilio Gonzalo
Obrigado, caríssimo Emilio. Não pretendo parar de chatear os amigos e os abnegados leitores deste blog. Se bem que há momentos em que a inspiração desaparece num árido deserto de ideias e o celeiro de assuntos se esgota. Mas, o incentivo de amigos como você acaba por abrir caminhos e renovar vontades. Mais uma vez, obrigado.
Excluir