segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O FUGITIVO







O tempo.  Melhor em maiúsculas: O TEMPO.

Tente tê-lo.  

Colocá-lo em perspetiva, retalhá-lo em momentos, reparti-lo em tranches. Tente guardá-lo em gavetas, arquivá-lo em pastas, virtuais ou não. Tente enfiá-lo em envelopes, colocá-lo debaixo de pisa papéis, prendê-lo em gaiolas, amarrá-lo na memória.

Tente anotá-lo em agendas, colá-lo em álbuns, gravá-lo em CD’s. Tente prendê-lo com as mãos, segurá-lo com a alma, aprisioná-lo com o pensamento.

Tente de tudo para não deixá-lo fugir. Ele não volta para traz, não faz concessões. Com ele, não há replays, melhores momentos. Os valeapenaverdenovos são apenas fragmentos guardados no cérebro por neurônios que, aos poucos e inexoravelmente, se apagarão.

O Tempo. Uma sucessão de amanhãs que, como rabisco de um relâmpago, cortam o céu do hoje e se tornam num ontem inerte, já gasto e imutável. Na grande maioria das vezes, sem você sequer ver o clarão do raio, ouvir seu estrondo abafado, entender sua mensagem. Um grande estoque de horas que já se foram, sem remissão. Não se regrava o passado.

O Tempo. Um cronômetro que recebemos ao nascer e, por anos a fio, nem sabemos o que fazer com ele. Um trem veloz que tomamos na maternidade em direção ao futuro e em que passamos a maior parte da viagem simplesmente a olhar pela janela, a ver as estações que passam, a cumprimentar e a se despedir de gente que entra e que desce.

É o mais imaterial dos bens, o mais perecível, o de obsolescência mais imediata. E, no entanto, o mais precioso. Aquele que não se vende, que não se pode comprar, de que não há barganhas, future tradings, balcão de ofertas.

Com ele não se indulge, não se obtempera, não se tergiversa. Vai seguir seu caminho sem volta, sem ouvir nossas promessas, nossas resoluções de ano novo, nossas súplicas, nossas orações. Vai seguir, senhor de si mesmo, sem olhar sobre os ombros, indiferente ao nosso pecado ou ao nosso valor.

Só há um jeito, uma maneira. Para não deixá-lo escapar.

Ande com ele. Reprima o cansaço, vença a sonolência, livre-se do torpor. Prepare as pernas, ele caminha rápido, é incansável e obstinado. Nem sempre a estrada vai ter pavimento, há rios para cruzar, florestas para vencer. Mas, não perca o ritmo. Não o deixe afastar-se, sumir na bruma, perder contato e fazer aquilo que o Tempo mais gosta.

Fugir.


Oswaldo Pereira
Novembro 2013


4 comentários:

  1. http://www.youtube.com/watch?v=FflcA85zcOM
    Abraço
    Vasco

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  2. Valeu ter tempo para ler este conto. Muito bom.

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  3. Muito difícil falar sobre o tempo e você o colocou em seu lugar andando com ele ao mesmo tempo.

    E, contradiz que "o tempo é um lugar que não existe" .

    Muito bom, Oswaldo.

    Abraço, Cleusa.

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    1. Obrigado, Cleusa.
      Pois é, é preciso correr junto com o tempo, senão ele nos deixa para trás.

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