sexta-feira, 1 de novembro de 2013

HALLOWEEN



A coisa vem de longe. Já por volta do ano 800 a.C., os celtas celebravam, no período  que hoje corresponde a 30 e 31 de outubro e 1 de novembro, as cerimônias do Samhain, um festival sombrio em que reverenciavam o fim da época das colheitas e do verão. A partir daí, os dias começariam a diminuir e o frio a chegar. Era hora de reflexão, de interiorizar a alegria, lembrar-se dos que já tinham ido deste mundo. A ocasião era um prato cheio para os sacerdotes druidas, que acendiam suas fogueiras encantadas, entoavam cânticos soturnos e convidavam os vivos a “visitar” os mortos, que personificavam em rituais mediúnicos.

A cerimônia sobreviveu aos romanos e à decadência da religião druídica, mas manteve-se circunscrita às Ilhas Britânicas. E acabou por sofrer uma simbiose quando o Cristianismo atravessou o Canal da Mancha e, não podendo extinguir a festa pagã, resolveu “santificá-la”, instituindo, no século VII, o Dia de Todos os Mártires em primeiro de novembro e encostando-o no Dia de Finados  No caldo cultural que então se criou, os povos locais resolveram manter a antiga tradição na noite anterior, dando origem ao nome que hoje identifica a primeira das três festas da Holiday Season americana. A véspera do dia santo católico passou a ser conhecida como All Hallow Eve (véspera de Todos os Santos) e, com a evolução da linguagem falada, halloweve, hallowe’e e finalmente Halloween.

Até meados do século passado, foi uma festa praticamente restrita aos países de língua inglesa. Da Irlanda medieval espalhou-se pela Inglaterra e pela Escócia, e, junto com os peregrinos do Mayflower, emigrou para os Estados Unidos.  Aí, como tudo, cresceu de tamanho e de propósito, tornando-se quase um autêntico Carnaval fantasmagórico, cujo tema central repousa na celebração da morte, do além e seus derivados, como feiticeiros, bruxas, almas do outro mundo e que tais. O festival lúdico evoluiu para um grande baile a fantasia, com mascarados reeditando o papel dos antigos druidas e brincando de “assustar” as pessoas. A criançada logo entrou na dança. É o momento de preparar as caretas feitas de abóbora e iluminadas por velas (os jack o’ lantern) e sair pelas as ruas, visitando os vizinhos para ganhar balas e doces em troca de cantigas e outros truques (o famoso trick or treat).

No Brasil, até a década de 1960, a festa era desconhecida. Mas aí...


Em 1962, eu fazia parte de um grupo de jovens (acredite, galera, eu era jovem em 1962...), chamado Grupo dos 30, que promovia debates de filmes, crítica de livros, passeios ecológicos, festinhas para aprender novas danças e coisas do gênero. Eram quinze rapazes e quinze garotas, todo mundo regulando pela mesma idade. Nem preciso contar que o grupo não sobreviveu muito tempo, vitimado pelos namoros que foram retirando integrantes aos pares, cuja preferência passou a ser curtir os programas a dois e não a trinta. Mas, no final daquele ano, a agremiação ainda estava em sua plenitude e vivíamos à procura de novidades. Tivemos, então, uma memorável ideia. Ao lado da casa de uma das integrantes, na rua Bolívar, em Copacabana, havia uma mansão abandonada. Como alguns de nós havíamos morado nos States, decidimos recriar, em solo nacional, um autêntico halloween. Foram duas semanas de intenso trabalho “decorando” a velha casa com pinturas de morcegos sanguinários e zumbis apavorantes, pacientemente colocando teias de aranha artificiais, e cada um de nós confeccionando com carinho a fantasia mais tétrica possível. Com a notícia se espalhando por amigos e parentes, a lista de convidados inchou e mais de 80 bruxas, frankensteins, dráculas, mortos-vivos, almas penadas, lobisomens e até sacis rumaram para o casarão da Bolívar na noite de 31 de outubro. Foi um tremendo sucesso! Até o jornal O GLOBO mandou uma equipe e fez a reportagem abaixo. Eu estou sentado no meio, com um bongô entre as pernas e um capuz tipo ku-klux-klan. Por isso, vocês não vão conseguir me reconhecer. (Se estivesse sem o capuz, também não... Isto foi há 51 anos)
O GLOBO em 01/11/1962

Não sei se podemos ser responsabilizados pela introdução do halloween no calendário carioca. Depois de nós, a indústria de Hollywood e a séries de TV exportaram a mania para cá . Eu acho uma boa. Festa é sempre festa e já absorvemos coisas de outras culturas que só fizeram enriquecer o nosso folclore. Fico muito mais chateado quando ouço chamarem de beach soccer um esporte que nasceu e cresceu ao sol de Ipanema, o carioquíssimo futebol de praia. E aí, sim, eu digo: beach soccer é o cacête!... 


Oswaldo Pereira
Novembro 2013



4 comentários:

  1. Quando eu era miuda,a brincadeira era o« dia das bruxas » mas sem toda aquela panóplia que vocês utilizaram na Rua Bolivar! As vossas é que foram verdadeiras festas!!!

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  2. Claro que eu reconheceria o cara que ia à praia no posto 3 às quartas-feiras, quando o Santo Inácio dava folga, em vez de aos sábados...

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