quarta-feira, 5 de maio de 2021

A MORTE DE NAPOLEÃO

 


Às cinco e meia da manhã do dia 21 de junho de 1815, Napoleão chegou a Paris. As notícias o haviam precedido. Três dias antes, o exército francês perdera a última batalha sob o seu comando e Waterloo escrevera o capítulo final de uma era.

(Quem desejar ler sobre Waterloo, é só acessar estes dois links. LINK1 LINK2)

Se quisesse, talvez o Imperador ainda conseguisse arregimentar as tropas do Marechal Grouchy, que estiveram ausentes do confronto, e alguns regimentos sobreviventes. Eram homens leais e, certamente, ainda obedeceriam à sua liderança. Mas, para que?

Em Paris, esperava-o um ambiente hostil. As Casas do Parlamento, sob influência direta de Joseph Fouché, o Duque de Otranto e Ministro da Polícia, já se haviam preparado para rechaçar qualquer iniciativa de resistência por parte de Bonaparte. O Imperador hesitou. Talvez estivesse cansado, exaurido depois de tantas lutas, ou, quem sabe, chegara à conclusão de que nada valeria mais a pena.

Foi conduzido, escoltado, para o Palácio de Malmaison, enquanto tinha início uma frenética atividade diplomática para decidir seu destino. Os prussianos queriam sua extradição para poder executá-lo. Os ingleses, entretanto, temiam um mártir.  E foi através desta janela de negociação que as autoridades francesas procuraram resolver a incômoda situação da permanência de Napoleão em França. Seu nome ainda tinha o poder de levantar as gentes; muitos no país ainda nutriam uma total veneração por ele. Temiam um levante.

Assim, em 15 de julho, exatamente um mês após Waterloo, o Imperador foi levado para o porto de Rochefort e embarcou no Bellerophon com destino à Inglaterra. Segundo relatos, havia lágrimas nos olhos dos marinheiros franceses e gritos de Vive l’Empereur ainda ecoavam pelo cais.

Seu desejo era ser deportado para a América, e lá viver com uma identidade falsa. Mas isto, é claro, lhe foi negado. Muito menos viver em solo britânico. Os ingleses não queriam que o episódio de Elba se repetisse. Assim, no dia 7 de agosto, puseram-no no navio Northumberland com destino a um dos mais remotos lugares do planeta.

NAPOLEÃO COM DESTINO A SANTA HELENA

A ilha de Santa Helena é um minúsculo território de 172 quilômetros quadrados, pouco mais de um décimo da cidade do Rio de Janeiro, perdido no meio do Oceano Atlântico. O lugar mais perto, a costa de Angola, fica a 1.200 milhas de distância, longe o bastante para afogar para sempre a mitomania que cercava Napoleão.


Os ingleses permitiram que alguns ferrenhos admiradores, como o Marechal Bertrand, o ajudante de ordens Charles de Montholon, e seu camareiro Emmanuel Las Cases o acompanhassem no exílio. William Balcombe, empregado da Companhia da Índias Orientais, amigo de longa data e morador em Santa Helena, cedeu sua casa para a comitiva.

Em 1816, entretanto, essas pequenas regalias foram cortadas. A Inglaterra enviou, para o posto de governador da ilha, Sir Hudson Lowe. E Lowe detestava Napoleão. Os seguidores foram deportados e o prisioneiro transferido para uma casa fria, inóspita e cheia de ratos, chamada Longwood House.

Sozinho, aí Napoleão viveria até o fim. Sua rotina de isolamento quase total era a antítese de sua vida em seus tempos de glória. Acordava às 10 e meia da manhã e pouco saia de casa, escrevendo ou lendo em total recolhimento. Jantava às 7 da noite. Quando Las Cases ainda estava na ilha, era seu companheiro num jogo de cartas após o jantar. Depois, nem isso. À meia noite, ia para a cama.

Embora o clima de Santa Helena fosse saudável, a solidão e o abandono foram minando um estado de saúde que já se deteriorava muito antes de Waterloo. Napoleão já enfrentava, há tempos, problemas de próstata, hemorroidas e um quadro complicado de úlceras estomacais. A perda de um poder quase absoluto, a ausência das emoções vividas intensamente nos campos de batalha e no fausto de sua corte, agravadas pelo esquecimento e a traição amorosa de sua mulher Marie-Louise, nada fizeram para melhorar esse quadro.

A partir do fim de 1817, os sintomas começaram a piorar. Dois médicos que o visitaram chegaram a solicitar um abrandamento das condições rudes em que ele vivia. Mas Lowe, rígido e imbuído de suas funções de carcereiro de um dos maiores adversários da Coroa inglesa na História, manteve-se inabalável.

No início de 1821, a queda física acelerou-se. Em março, já não saia mais do leito. Em abril, ditou seu testamento. E, às 5:49 da tarde do dia cinco de maio, após falar algumas palavras desconexas (Mon Dieu... La France... Mon fils... l’Armée), morreu.

CAMA DE NAPOLEÃO EM SANTA HELENA


Até hoje se especula sobre a causa de sua morte. O mais provável terá sido um câncer de estômago. Falou-se também em envenenamento por arsênico, mas nada ficou definitivamente provado.

Os ingleses enterraram-no na ilha, numa tumba retangular cuja única inscrição eram as palavras Ça Gît (Aqui Jaz). Dezenove anos depois, os franceses resgatariam o corpo, que hoje repousa nos Invalides.

Seu legado está na História. O maior terá sido a construção da França moderna. A administração pública, o Código Napoleônico, o Banco de França e o sistema financeiro, as academias militares, a universidade centralizada. Por outro lado, suas batalhas deixaram 500.000 mortos e feridos entre os franceses e mais outros tantos desaparecidos ou aprisionados.

Passados duzentos anos, Napoleão paira acima das paixões. Um homem que mudou o mundo e o seu tempo.

Oswaldo Pereira

Maio 2021

 

9 comentários:

  1. Adorei o relato.Dia 05/05/2021 fariam 200 anos de sua morte Quanto maior a escada maior é o tombo, e os poderosos não aprendem a lição.
    bjs Zezé

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado Zezé.
      Realmente, a queda é vertiginosa. Mas o poder cega...

      Excluir
  2. Adorei o relato.Dia 05/05/2021 fariam 200 anos de sua morte Quanto maior a escada maior é o tombo, e os poderosos não aprendem a lição.
    bjs Zezé

    ResponderExcluir
  3. Foi bom achar aqui no Google a etimologia da palavra PODER e na sequência da palavra grega dinamus,dinâmica.Perfeito para poder dizer porque Bonaparte "paira acima das paixões"

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O tempo abranda as paixões e os confrontos. Fica a História, ou melhor, aquilo que alguém escreveu para a História...

      Excluir
  4. Quer saber, talvez saiba e não reconheça, mas parece que o Macron restabelece a verdade ocidental. Era um ditador como Hiltler com sucesso. Desculpe mas estou de mau hurmor.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Reconheço a semelhança. Mas não sei se a História, e os alemães, perdoarão Hitler como a França, e o mundo, perdoaram Napoleão. Talvez, o Holocausto faça a diferença...

      Excluir
  5. Será verdade que Bonaparte disse a Desiree qdo entregou a ela sua espada para em seguida seguir para o exilio: "Por favor não a carregue como um guarda-chuva.

    Por sinal, emblemática a composição de Marlon Brando para Bonaparte.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Duvido que Napoleão tenha dito isto. Nem sei se Desirée esteve com ele antes que fosse levado para Malmaison. Agora, realmente, Brando era um "craque".

      Excluir