sábado, 24 de outubro de 2020

PERIGOSO TERRENO DA GALHOFA


APPARICIO TORELLY - O BARÃO DE ITARARÉ


Seu nome era Apparício Fernando Brinkerhoff Torelly. Usou muito o pseudônimo Apporelly, mas era mesmo conhecido como o Barão de Itararé. E foi um dos maiores, senão o maior, jornalista satírico da imprensa brasileira.

Os dotes irreverentes de Apparício evidenciaram-se ainda na adolescência, quando, aluno de um colégio católico no Rio Grande do Sul, sua terra natal, criou um jornaleco chamado “Capim Seco”, em que satirizava a disciplina de seus mestres jesuítas.

Em 1925, largou os estudos de Medicina para dedicar-se inteiramente ao Jornalismo. Nesse mesmo ano, foi contratado por um jornal recém-criado por Irineu Marinho. O Globo. Num apêndice semanal chamado A Manhã, Torelly destilava sua superior verve humorística contra os políticos de então.

O sucesso foi tanto que, em meados da década de 1930, Apporelly despediu-se dos Marinho e criou seu próprio jornal. Tirando apenas o til da publicação que comandava no Globo, lançou aquele que seria, por excelência, o mais lido semanário político de sua época. A Manha.

Como não podia deixar de ser, seus editoriais, recheados de humor cáustico e gozações impiedosas a respeito de autoridades e governantes granjearam-lhe inúmeras e incômodas inimizades e reações violentas. Como opositor de Getúlio Vargas em pleno Estado Novo, foi preso várias vezes e teve sua redação empastelada outras tantas.

Certa vez, por ter escrito um artigo burlesco sobre a Revolta da Chibata, provocou a ira da Marinha e foi espancado por oficiais daquela força. Fiel ao seu estilo, mandou colocar na porta dos escritórios da Manha a seguinte tabuleta: Entre Sem Bater.

Este era, sem dúvida, o grande talento do Barão de Itararé. Brincar com as palavras, construir frases cuja lógica surpreendente mesclava humor com perspicácia. Centenas delas ficaram famosas e são até hoje citadas em homenagem ao grande frasista que era.

Exemplos?

“Os vivos serão governados, cada vez mais, pelos mais vivos”

“De onde menos se espera, é que não vem nada mesmo...”

“Pobre quando come frango, um dos dois está doente...”

“Não é triste mudar de ideias. Triste é não ter ideias para mudar”.

“Viva cada dia como se fosse o último. Um dia você acerta.”

“Negociata é um bom negócio para o qual não fomos convidados...”

E por aí vai. Uma das mais famosas expressões de Torelly era a que utilizava para qualificar episódios especialmente escandalosos da vida nacional. Estamos deslizando para o perigoso terreno da galhofa.

E eu fico pensando. Que descrição mais perfeita dos acontecimentos recentes de nosso presente. Um dos mais procurados e perigosos traficantes de droga do planeta saindo pela porta da frente do presídio, beneficiado por um habeas corpus inacreditável de um Juiz do Supremo (Supremo!!!) Tribunal Federal. Um Senador (Senador!!!) da República sendo apanhando com dinheiro ilegal enfiado nos fundilhos.

É, caríssimo Barão. Perigoso terreno da galhofa.  No seu tempo ele já existia. Hoje, o que temos é um caminho escorregadio que, da galhofa, talvez nos faça resvalar para terrenos mais pantanosos, de onde dificilmente se volta...

Oswaldo Pereira

Outubro 2020

6 comentários:

  1. Maravilhoso!
    Não conhecia!!
    Vou compartilhar!!!

    ResponderExcluir
  2. Muito boa crônica, Oswaldo. Mais uma. Entre cuecas de todos os tamanhos e geografias, habeas corpus inacreditáveis, farras gastronômicas e turísticas com o dinheiro público, you name it, vamos enriquecendo o acervo dos Barões de Itararé e dos Febeapás que descrevem tão bem nossa pobre República. Parabéns!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois é, Ana. E seria uma opereta cômica, se não fosse também trágica.

      Excluir
  3. Que crónica fantástica, quando chega ao fim apetece mais.
    Filomena Dourado

    ResponderExcluir
  4. Que crónica fantástica, quando chega ao fim apetece mais.
    Filomena Dourado

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Mena, que bom ter você entre os meus (poucos, mas fiéis) leitores...

      Excluir