sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

MYTHOS




Acabei de ler “Mythos”. Sei que maioria de vocês vai desenhar uma interrogação no rosto. Acabou de ler o que?

Bem, vamos começar pelo autor. Stephen Fry. Talvez o nome já acenda alguma centelha de reconhecimento. Se ainda não, aqui vai um pequeno resumo de suas capacidades artísticas.
Mais conhecido universalmente pelo programa humorístico   A Bit of Fry and Laurie que co-escreveu e co-atuou com Hugh Laurie (recentemente um sucesso na série televisiva Dr. House) e que se tornou o epítome do mais fino humor inglês, Fry, além de roteirista e comediante, é também ator, apresentador, cineasta e, desde algum tempo, prestigiado escritor. Foi o protagonista do filme Wilde, sobre a vida do atribulado e genial dramaturgo britânico Oscar Wilde e, como homossexual assumido, tem liderado vários movimentos de orgulho gay. A crítica inglesa o tem reverenciado como um moderno Homem da Renascença.

O subtítulo do livro Mythos já adianta o que se espera encontrar em suas quatrocentas páginas. As Melhores Histórias de Heróis, Deuses e Titãs. O assunto é Mitologia Grega.

Como muitos meninos brasileiros da minha geração, a crônica da Grécia Mitológica foi em nós poderosamente inseminada pelos livros infantis de Monteiro Lobato. Como já contei algures neste blog, minha primeira (e inesquecível) experiência literária foi a leitura devoradora de Os Doze Trabalhos de Hércules. Minha paixão pelos livros nasceu aí e, à medida que eu avançava pelos outros títulos da obra de Lobato, mais irrequieta ficava minha imaginação de criança com os prodígios de deuses e heróis gregos.

Assim, a leitura do livro de Fry caiu em solo fértil, já germinado pelos meus sonhos infantis. Até, e principalmente, porque o escritor inglês reconta os mitos e as fábulas gregos usando a mesma técnica empregada por Monteiro Lobato, ou seja, aproximando as figuras mitológicas do nosso presente, tornando-as vizinhas e cotidianas.   

Da mesma forma que Zeus, Palas-Atena, Hércules e demais portentos conversavam com a turma do Picapau Amarelo numa linguagem quase íntima, os personagens de Mythos, todos legítimos imortais e olímpicos, tratam-se coloquialmente como num papo de bar. E este é o grande charme do livro de Fry. Traduzir-nos e simplificar-nos a intrincada e fascinante saga de um mundo criado pela incessante imaginação de poetas, profetas e menestréis da Grécia que viveram há mais de 2800 anos.

Os primeiros registros escritos dos mitos gregos são em parte do bardo jônico Homero (uma figura ainda envolta em especulações sobre sua real existência), e suas epopeias Ilíada e Odisseia, e em parte de Hesíodo, este sim um vivente com registro comprovado. Suas obras contam de um período muito anterior ao seu tempo, voltando até o princípio do universo, o big-bang do Caos primordial. A partir deles, um sem número de cronistas foram desenhando um conjunto de explicações divinas para toda e qualquer manifestação da natureza e do comportamento humano.

Por isso mesmo, ou em decorrência dessa filosofia, as divindades gregas não só se imiscuíam no dia-a-dia dos simples mortais, amando-os ou odiando-os, premiando-os ou punindo-os, como eles próprios, deuses e titãs, padeciam das mesmas características e idiossincrasias dos homens comuns. Diferentemente dos intocáveis, distantes e inumanamente perfeitos deuses de outras mitologias ou religiões, Zeus e sua turma eram quase imperfeitamente humanos.

Neste entendimento, de um brutal fenômeno sísmico até o nascimento de uma flor, passando por constelações no céu, a repetição dos dias, das noites e das estações, pestes e doenças, contornos de rios e matizes de flores, cantos de aves, formas de animais, abundâncias e penúrias e até desvios de personalidades, tudo era obra dos imortais, que agora, além dos doze Olímpicos, existiam sob a forma de deuses menores, semideuses, ninfas e sátiros, centauros e náiades. Centenas de seres prontos a transformar nossa vida com seus caprichos, vontades e desejos.

A força do apogeu da civilização grega fez com que sua mitologia nos fascinasse até hoje. Os nomes de seus personagens servem atualmente para batizar constelações e planetas, elementos químicos e cepas de plantas, raças de animais e denominações de acidentes geográficos e, graças a Freud, de um sem número de distúrbios psíquicos*.

*Prá variar, palavra cuja raiz é Psiché, amante de Eros...

Parece que tudo, afinal, foi mesmo criado por eles. Os Deuses.

Oswaldo Pereira
Janeiro 2020

8 comentários:

  1. Gosto mto do mito do nascimento de Eros. O pai,Poros um senhor, a mãe, Penia uma mendiga. Assim Eros; ora reina, ora suplica.

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  2. Gostei da crônica. Também li os Monteiro Lobato. Minhas primeiras leituras. desde os iniciais até a História do Mundo, Minotauro e s dois volumes dos 12 Trabalhos.

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    1. Fazemos todos parte da mesma escola. Lobato fascinava todos nós e, então, os livros eram a grande viagem.

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  3. Gostei muito do teu artigo. Tambem li o Picapau Amarelo que adorei ! Um abraço.

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    1. Obrigadíssimo, querida prima. Os livros de Monteiro Lobato foram uma escola para muita gente. Ensinavam divertindo...

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    2. Ler é sonhar. Vivendo em qualquer lugar do mundo, você imagina, sente,vive.

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