sábado, 16 de dezembro de 2017

FELIZ NATAL 2017



     FELIZ NATAL PARA TODOS!


E, para manter a tradição, aí vai o Conto de Natal deste Ano


Deu no New York Times.

Daqui a 100 anos, a inteligência artificial terá dominado a maioria das atividades humanas. Os carros se conduzirão sozinhos. Os aviões também. Cem por cento das tarefas industriais serão realizadas por robôs. Assim como as decisões empresariais. Diagnósticos médicos serão feitos por máquinas, processos jurídicos preparados por computadores e julgados por magistrados virtuais. Impressoras em 3D eliminarão a maioria das entregas de mercadorias, a educação será ministrada por androides didáticos, idiomas serão traduzidos instantaneamente por fones de ouvido, o Facebook da época saberá tudo sobre nós. Com a programação genética desenvolvida em hospitais totalmente automatizados, seremos jovens até a morte.
E, provavelmente, o nosso melhor amigo será um computador.

Noel olhou para o relógio. Fazia quinze minutos que esse fog estranho o tinha apanhado entre a costa da Irlanda e o Canal da Mancha. No Weather Channel que consultara ontem, nada havia que indicasse isto. A Noite de Natal seria de céu limpo, em todo o mundo.
E agora, os ponteiros de seu Rolex giravam como loucos.
As renas já estavam ficando nervosas, principalmente Rudolf e seu nariz vermelho.
Noel resolveu abrandar e diminuir seu nível de voo, mesmo correndo o risco de cruzar com algum avião também perdido naquela bruma. Tinha ainda muito para fazer, milhares de presentes a entregar e, pelos seus cálculos, deveria estar apenas no início do trajeto, algures sobre as Ilhas Britânicas. Mas, agora, com o relógio enlouquecido e sem nada ver, sentia-se totalmente perdido.

Aos poucos, umas pequenas luzes começaram a aparecer lá embaixo. Foi descendo, lentamente, puxando as rédeas para que as renas fizessem uma aterrissagem tranquila. Quando conseguiu ver melhor, verificou que era um condomínio de casas absolutamente iguais. Ninguém nas ruas.

Pousou com cuidado perto de uma das casas, sobre um relvado imaculadamente bem tratado. Notou logo que as casas não tinham chaminés. E nem janelas. E agora? Iria ter de bater à porta.

Neste instante, a porta abriu-se e um homem aparentando 40 anos saiu e veio caminhando sorridente na sua direção. Estava bem vestido, cabelos cuidadosamente penteados, os óculos discretos numa armação transparente, um olhar franco e amistoso.

«Sim?», foi logo perguntando.
Noel estendeu a mão.
«Boa noite. Deve saber quem eu sou, não?»
O homem olhou-o de alto a baixo, hesitando.
«Desculpe, mas deveria saber?...»
Noel estranhou.
«Bem... O mundo inteiro me conhece. Papai Noel...»
O outro continuou a olhá-lo, sem reação.
Noel encheu os pulmões.
«Ho-ho-ho... Então?»
O homem ficou parado por uns segundos. Parecia que lia alguma coisa nas lentes de seus óculos.
«Ah! sim... Papai Noel... Uma lenda do passado...»
Voltou a encarar Noel.
«Mas aqui diz que você nunca existiu, que era uma figura mitológica criada pelo fabricante de uma bebida intragável chamada Coca-Cola...»
Noel interrompe.
«Quem diz?»
O outro responde.
«Ora, o Facepedia que tenho na tela dos meus óculos. Os seus não têm isso?»
Noel segura as hastes de seus velhos óculos. Depois retruca.
«Pois este seu Facequalquercoisa está mal informado. Tanto é que aqui estou...»
O homem percebe o mal-estar de Noel. Então diz, com simpatia.
«Mil perdões. Mas, onde estou eu com a minha cabeça que não o convido para entrar. Por favor, venha...»

Quando entram na casa, Noel tem um choque. Ela está totalmente vazia. Não há móveis. Nem tapetes, quadros, cortinas. Não há janelas. Nada. Só paredes nuas, numa cor média. O dono da casa faz um gesto quase imperceptível. Imediatamente, mesas, sofás, cadeiras, carpetes e quadros começam a aparecer, como que por mágica. Ele vira-se para Noel.
«Novamente, desculpe-me. Não esperávamos ninguém esta noite...»
Noel está visivelmente desconfortável com a confusão mental que começa a movimentar-se dentro de sua cabeça. Que diabos... Tentando disfarçar, ele pergunta.
«Esperávamos?...»
O outro dá um ligeiro sorriso.
«Ah! sim, claro...»
Faz outro pequeno gesto. E surgem uma mulher e um menino, ambos também impecavelmente vestidos e arrumados. Ele apresenta, com visível orgulho.
«Minha família...»
A cabeça de Noel era agora um vendaval. Com dificuldade, conseguiu falar.
«Queiram ou não queiram, eu me chamo Noel. Papai Noel. E esta é a Noite de Natal do ano do Senhor de 2017. Não é?»
O homem e a mulher se entreolham. Ele aproxima-se de Noel e pousa-lhe a mão no ombro, conduzindo-o a um sofá.
«Sente-se, meu bom velho»

Na meia-hora seguinte, Noel descobre. Algum distúrbio celestial o havia afastado de sua rota. Não muito no espaço, mas muito no tempo. Ele estava na costa inglesa, sim, mas o ano era 2117. Cem anos à frente. O mundo mudara, demais. A Inteligência Artificial dominara a planeta. O casal que o recebera explicara. Tudo era agora virtual. Cidades, países, bens, desejos, sonhos. Ninguém precisava mais de presentes, nem de Natal. E vocês?, perguntara Noel. «Nós?», o homem respondera dando um risinho. «Nós somos uma classe de programas avançados que imita a vida humana. Um software. Fomos desenvolvidos há mais de 50 anos pela IBMSoft, quando o cyberspace atingiu a supremacia na Terra.»

Noel está cabisbaixo. Uma grande tristeza vai apoderando-se dele. O homem percebe.
«Não se amofine. Volte para seu tempo. Eu posso recolocá-lo em sua trajetória original de 100 anos atrás. Vá em paz»

Noel sai da casa. Um futuro sem alma. Será esta a nossa sina?, pensa, enquanto se dirige para o seu trenó. Então, uma cena o surpreende. O menino está brincando com as renas. Beija-as, acaricia-as, diverte-se com o nariz vermelho de Rudolf. Quando Noel prepara-se para subir, o garoto o puxa pela manga do casaco. Seus olhos de criança brilham como estrelas. Sua voz é doce.
«O senhor vai voltar no ano que vem, não vai, Papai Noel?»
Noel sente as lágrimas molharem seus olhos numa maré mansa.
Nem tudo está perdido, pensou.

Oswaldo Pereira
Natal de 2017

Se quiserem ler os Contos de Natal dos anos anteriores, aqui vão os links.

https://obpereira.blogspot.com.br/2016/12/e-natal.html

5 comentários:

  1. Adorei esse conto, Oswaldo. Principalmente o final. Feliz 2018 para vocês - ou 2118, como preferirem...Bjs

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    1. Rsrsrs... Obrigadíssimo, Ana. Paz e saúde para os próximos cem anos...

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  2. É verdade Oswaldo, acho que a tecnologia nunca irá matar o que de humano existe em nós. É nossa única esperança. Um grande abraço e muita luz e paz nesse Natal.

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  3. Pensando no futuro...gosto da última parte! Belo conto !

    Paz e felicidade para o ano que já aí está!Um abraço.

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