segunda-feira, 17 de outubro de 2016

MR. TAMBOURINE MAN



Leve-me a desaparecer nos anéis de fumaça da minha mente
Pelas ruinas nevoentas do tempo
Para muito além das folhas congeladas
Das assombradas árvores aterrorizadas
Até a praia ventosa
Muito longe do alcance tortuoso da tristeza enlouquecida
Sim, para dançar debaixo de um céu de diamantes
Com uma mão acenando livre
Emoldurada pelo mar
Cercada do circo de areia
Com todas as memórias e o destino
Levados para debaixo das ondas
Deixe-me esquecer do hoje até amanhã”
(Mr. Tambourine Man, 1963)

“Era uma vez e você vestia-se muito bem
Jogava altiva uns trocados aos mendigos, não?
Alguém chamava dizendo ‘cuidado boneca, você pode cair’
Você pensava que estavam lhe gozando
Você costumava rir
De todos que ficavam por ali
Agora você não fala tão alto
Agora você não parece tão orgulhosa
De ter de surrupiar sua próxima refeição
Como você se sente?
Como você se sente?
De estar sozinha
Sem o caminho para casa
Como uma completa estranha
Como uma pedra rolante”
(Like a Rolling Stone, 1965)

“Com corações assombrados pelo calor e frio
Nunca pensamos que pudéssemos envelhecer
Pensávamos que pudéssemos para sempre sentar, divertindo-nos
Mas as nossas chances na verdade eram de uma em um milhão
Tão fácil quanto reconhecer o preto do branco
Era também fácil discernir o certo do errado
Nossas escolhas eram poucas e a ideia nunca bateu
Que o caminho único em que viajávamos
Ia estilhaçar-se e dividir-se”
(Bob Dylan’s Dream, 1963)

“Se hoje não fosse uma autoestrada sem fim
Se esta noite não fosse um caminho tão sinuoso
Se amanhã não fosse um tempo tão longo
Então a solidão nada significaria para mim
Sim, e se apenas meu único amor estivesse esperando
Seu pudesse escutar seu coração a bater suavemente
Se ela apenas estivesse deitada a meu lado
Então eu novamente dormiria em meu leito”
(Tomorrow Is a Long Time, 1964)

“Por quantos anos tem um povo de existir
Antes que o permitam ser livre?
Por quantas vezes pode um homem virar seu rosto
E fingir que simplesmente não vê?
A resposta, meu amigo, está soprando no vento...”
(Blowing in the Wind, 1963)

Se alguém ainda tem reservas sobre a decisão da Academia Sueca, medite um pouco sobre os poemas acima (com as minhas mais sinceras desculpas pela tradução). São de cinco das mais conhecidas composições do novo ganhador do Prêmio Nobel de Literatura. Ao longo dos últimos 55 anos, ele compôs mais de 520. Uma obra extensa, engajada, bruta como a verdade às vezes, sublime como a fantasia em outras. Muitos simplesmente não gostam, mais alguns acham-na apologética das drogas e da contestação, outros rotulam-na como um lamento hippie e, portanto, datado. Você pode achar tudo isto. Só não pode chama-la de irrelevante.

Robert Allen Zimmerman (ou ainda Zushe ben Avraham, seu nome de batismo), neto de judeus ucranianos, nasceu em 1941 no Minnesota. Ao descobrir sua vocação musical, e inspirado pelo poeta americano Dylan Thomas, tratou de recriar seu nome. Influenciado por Woody Guthrie e dono de uma voz áspera e anasalada, Bob Dylan surgiu na cena musical americana ao raiar dos turbulentos e definitivos anos 1960 e mergulhou na onda viral das grandes transformações. A geração que chegava ao seu apogeu queria mudar tudo e contestar o mundo vigente tornou-se o mote para a nova maneira de ser. A música, e a poesia que viajava com ela, tornaram-se a ponta de lança de movimentos que iam do niilismo psicodélico à militância política.

Dylan, com sua guitarra, sua harmônica de boca e suas letras provocantes tornou-se o arauto-mor da sua época. Logo, centenas de cantores, dentro e fora dos Estados Unidos, passaram a sentir sua força inspiradora. Virou referência. Nos anos seguinte, apesar das guinadas desnorteantes de sua vida, ele manteve sua verve intacta, sempre a jorrar mais música e mais poesia.

A Academia Sueca, que tem a prerrogativa de nomear o ganhador do Nobel de Literatura, é composta por 18 membros, com idades que variam dos 52 aos 92 anos. Ao designar Bob Dylan, ela justificou a premiação “por ter (Dylan) criado novos modos de expressão poética no quadro da tradição da música americana”. Na minha opinião, nada mais justo. Há algum tempo, eu já escrevera sobre sua poesia no post “Conselhos de Pai” (aí vai o link se você quiser lê-lo). Bob Dylan foi o poeta de seu tempo.  

http://obpereira.blogspot.pt/2014/07/conselhos-de-pai.html

E, aberto este precedente, espero que a Academia repita a dose e nomeie outros grandes poetas compositores. Que tal Paul McCartney?...

Oswaldo Pereira
Outubro 2016





  






8 comentários:

  1. I'm blowing in the wind..............I'm feeling with you like this........

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  2. Blowing in the wind é uma música que sempre me emociona, cada vez que a escuto.

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  3. Ouço Blowing in the wind em CD no carro e sempre parece que estou ouvindo pela primeira vez, com a mesma emoção. Minha homenagem a Dylan foi feita há 5 anos quando mandei escrever numa das paredes da minha pequena sala "The answer is blowing in the wind", em letra cursiva. Aprovo esse prêmio Nobel e considero Chico Buarque também um grande candidato pela poesia e pela força que transmite em suas letras de música. Abraços, Oswaldo.

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    1. A primeira vez que ouvi Blowing in the Wind foi numa gravação antológica do Peter, Paul & Mary. Na época (1964), deu para sentir que iria atravessar gerações. Agora, 50 anos depois, este sentimento se confirma.

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  4. Música e letra se completam . Emociona sempre que se ouve e a vontade é de se ouvir sempre.ETERNA, com certeza.

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    1. Nós continuamos a ouvi-la. E as gerações futuras também continuarão.

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