quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

DESTINOS CERTOS: TAJ MAHAL






As mulheres nobres do reino haviam disposto suas tendas no amplo pátio interno do palácio. O Meena Bazaar, a feira semanal, tinha início naquela sexta-feira, para a satisfação dos homens da família real, seus generais e outros membros do seleto círculo da aristocracia mogol. As coloridas barracas estavam cheias de jóias em filigranas douradas, pedras preciosas vindas de todas as partes do mundo conhecido, perfumes de fragrâncias exóticas e elaboradas por mestres alquimistas de talento insuperável. Presentes a serem comprados para regalo de esposas e filhas, concubinas e favoritas, e para ostentação própria. 

A movimentação já estava grande quando o Príncipe Khurran chegou em seu palanquim, sustentado por quatro escravas tártaras. Filho do Imperador Jahangir com sua primeira mulher, Khurran tinha então dezessete anos. Em uma das tendas, a jovem Arjuman Bano Begum, um ano mais nova e sobrinha da madrasta do príncipe, vendia pequenos cristais de açúcar, conhecidos como mishri. Ofuscado pela beleza de Arjuman, Khurran tomou os cristais por diamantes e não hesitou em pagar o exorbitante preço que ela, por brincadeira, lhe pedira. Quando o engano lhe foi revelado por uma deliciada Arjuman, o príncipe já se apaixonara por ela.


Três anos depois, em 1612, Khurran, agora com o nome aristocrático de Shah Jahan, e Arjuman, casaram-se. O príncipe também criara um novo nome para ela. A Jóia do Palácio - Mumtaz Mahal em persa, língua usada pela elite. Foram 29 anos de casamento, até a morte de Mumtaz ao dar à luz ao décimo quarto filho. Em seus últimos momentos, ela fez dois pedidos ao inconsolável marido. Que ele não gerasse mais filhos e que construísse para ela um túmulo cuja beleza lembrasse para sempre o amor que haviam partilhado. Uma lágrima solitária escorreu-lhe pela face.


SHAH JAHAN E MUMTAZ MAHAL

Shah Jahan quase enlouqueceu de dor. No trono mogol desde a morte de seu pai, em 1627, seu reinado, até então profícuo e justo, começou a decair, assim como ele próprio. Afastou-se de todos, envelhecendo precocemente. A única chama que ainda o mantinha vivo era a imagem do mausoléu que iria erigir nas margens do rio Jamuna. Projetada pelos mais talentosos arquitetos do reino, a construção levou dezesseis anos, empregou mais de 20.000 escravos. Dois mil elefantes foram usados para trazer os blocos de mármore branco desde as minas de Makrana, a mais de 200 quilômetros de distância. Quando ficou pronto, o corpo de Mumtaz foi trasladado para a nave central do edifício. Acima, a imensa cúpula de extrema beleza que hoje encanta todas as gentes lembrava a derradeira lágrima cristalina de Mumtaz.  


CUPULA E MINARETE















O PORTAO EXTERNO












As pedras vermelhas do muro externo já anunciam uma expectativa gostosa. Qualquer visitante que aqui chega já traz dentro de si a imagem do palácio-mausoléu, vista e revista em fotos, filmes e sonhos. Nada, entretanto, supera o enlevo e a radiante emoção de, transposto o portão exterior, vê-lo ali, inteiro e real, quase etéreo, quase suspenso na delicadeza de sua perfeita simetria, quase translúcido numa manhã clara de novembro, eterno e imortal.

Mistura do estilo islâmico com o hindu, o Taj Mahal (o nome vem de uma abreviação do apelido dado por Shah Jahan a Arjuman Begum - Mum-TAJ Mahal) assenta-se no conceito do pari darwaza, os quatro lados do paraíso, simbolizados por suas quatro faces e os quatro minaretes que o flanqueiam. O palácio é inteiramente decorado com relevos, incrustações e caligrafias de inspiração muçulmana, a religião dos marajás. O conjunto ainda possui um esplendoroso jardim de 90.000 metros quadrados, uma mesquita e um grande edifício que servia de hospedagem para peregrinos no passado. Uma visão inesquecível.


Terminado o mausoléu, Shah Jahan começou a projetar a construção de seu próprio túmulo na outra margem do Jamuna, uma cópia exata do Taj Mahal, só que em mármore negro. Mas, nem sua saúde, nem a das finanças do reino iriam permitir. Em 1659, seu filho mais novo, Aurangzeb, liderou a revolta que o depôs e o aprisionou no Forte Vermelho de Agra. Ali, Shah Jahan ficaria até morrer, oito anos depois. Seu único consolo era a vista que descortinava da torre de sua prisão, de onde podia contemplar o Taj Mahal à distância. Segundo a lenda, ali ele foi encontrado, os olhos velados pela morte, ainda fixados no palácio branco onde repousava sua amada. Dizem que uma lágrima clara ainda escorria pelo seu rosto.


O TAJ MAHAL VISTO DO FORTE VERMELHO. TALVEZ A DERRADEIRA IMAGEM CONTEMPLADA POR SHAH JAHAN.

Oswaldo Pereira
Dezembro 2015



6 comentários:

  1. Pode-se dizer " A Índia vista por Oswaldo Pereira" - nossos conhecimentos consolidam-se através da sua lembrança. Obrigada!

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    1. E é sempre bom dividir estas lembranças com quem as compartilhou conosco.

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  2. Diante da beleza aproximamo-nos eventualmente da loucura. Esses mistérios que tentamos em vão desvendar,através do amor, da musica da literatura, das construções das nossas moradas, dando passos para alem do real na ilusao de que assim talvez a evidência da morte inseparável da vida momentaneamente se extinga.

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  3. O Taj Mahal todos julgamos saber que testemunha um grande amor, a história aqui referida é bom aprender-se, o sofrimento dos amantes quando um parte só alguns sabem ...

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    1. Muito bem observado, Manuela. Muitos constróem um Taj Mahal imaginário para homenagear seus companheiros...

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