terça-feira, 26 de maio de 2015

CASTRO ALVES






“Auriverde pendão da minha terra
Que a brisa do Brasil beija e balança
Estandarte que a luz do sol encerra
E as divinas promessas da esperança
Tu, que da liberdade após a guerra
Foste hasteado dos herois na lança
Antes te houvessem roto na batalha
Que servires a um povo de mortalha”


Esta é, talvez, a estrofe mais famosa do poema O Navio Negreiro, escrito por Antonio Frederico de Castro Alves em meados do século XIX. O poeta baiano era um ferrenho abolicionista e sua obra literária, condensada em poucos anos de intensa criação, espelha seu ódio visceral pela escravatura. Castro Alves morreu com apenas 27 anos, vitimado pelo mal do século, a tuberculose, mas sua obra e, principalmente, seu irresistível carisma como tribuno e declamador de seus próprios versos, muito contribuíram para dar impulso à causa da libertação dos escravos.

“O Navio Negreiro” resume poderosamente sua indignação profunda contra o mercado da servidão e a crueldade das terríveis condições subumanas no transporte dos negros subjugados. E, na estrofe acima, ele canta sua singular amargura contra o que ele considerava um acobertamento e uma cumplicidade do Império com a degradante situação, a ponto de desejar ter sido preferível o Brasil ser derrotado na Guerra da Independência a praticar tão hediondo crime contra a humanidade.

Indignação ao rubro. Será isto que nos falta? Será que falta uma voz, um canto de guerra, uns versos cuja rima incite um clamor que ecoe ensurdecedor pelos céus do país?

Será que só “panelaços”, marchas, demonstrações, palavras de ordem nas redes sociais serão suficientes para chegar aos insensíveis ouvidos dos nossos homens públicos e fazê-los entender que não aguentamos mais? Que dentro de sua blindagem espúria eles não têm o direito moral de aprovar aumentos em seus proventos absurdos, de sequer pensar em aumentar impostos para tapar os buracos orçamentários cavados por eles próprios em sua ganância desenfreada? Que a melhor solução que têm a desfaçatez de apresentar a uma Nação a braços com uma crise financeira e moral sem precedentes, ou seja, o corte dos investimentos sociais e de infra estrutura ao invés de cortar, isso sim, nos seus gastos indecentes, seus ministérios cuja função inequívoca é servir de moeda de troca em nomeações políticas ou de cabide de empregos com kick-back de parte dos salários, suas secretarias, conselhos, assessorias, divisões, departamentos, gerências e demais penduricalhos inúteis, não nos serve? Que não podemos mais engolir como aceitável o rigor com que achatam a aposentadoria de milhões de brasileiros comuns, enquanto o seu próprio regime especial de previdência estabelece privilegiadíssimas relações custo/benefício que não conhecem paralelo no mundo civilizado?

Ah! Castro Alves, que falta você faz...


Oswaldo Pereira
Maio 2015





5 comentários:

  1. Esse aumento do judiciário num momento em que é exigido sacrifícios de todos com sobrecarga de impostos para cobrir desmandos.......e um tapa na cara de uma nação sofrida e incrédula com tamanha falta de bom senso e respeito

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    1. Tapa na cara, e mais... Um político corrupto com a mão no cofre da nação é tão ou mais nocivo e perigoso que um adolescente "cheirado" com uma faca...

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  2. Tem algum lugar no mundo em que o poder não cometa arbitrariedades? Tem algum lugar onde o poder não exista como controle? Tem alguma parte da Humanidade isenta dos abusos dos paranóicos e tanaticos bem sucedidos que tomam e manejam o poder? Emudecer , fugir, guerrear, fingir de morto, escrever poemas, entrar na dança. Tudo isso e muito mais. Os caminhos nem sempre estão claros ou disponíveis. Hay que pelear. Minha filha Melissa chamou a tristeza de "uma senhora que as vezes me visita". Essa tristeza sempre se hospeda mas traz uma bagagem de elucidações e discernimento. Isso que Oswaldo organiza e prodigaliza seus textos.

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    1. Que linda a frase da Mel. Vi há pouco uma mensagem dela no facebook, repudiando o massacre diário de más notícias e reclamações raivosas contra a situação da nossa cidade. Deprimem, eu sei. E acabam por saturar a capacidade de reação. A quois bon parler?...

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  3. Castro Alves, por certo, a beleza o matou. Da alma, da fisionomia, dos propósitos, dos textos. Acho que Freud ou Lacan; um deles dizia. " A beleza intoxica".

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