terça-feira, 7 de abril de 2015

TERROR






Os números são parecidos. Cento e quarenta e sete assassinados numa universidade no Quênia. Cento e quarenta e nove assassinados num vôo da Germanwings. Em ambas as tragédias, dois desvios de conduta, um coletivo e um individual, um politico-religioso e um maníaco-depressivo, foram determinantes.  E a parecença acaba aí.

Na mortandade africana, há ódios milenares envolvidos, perseguições culturais germinadas por séculos, manipulação de vontades por vozes de credos que pregam a intolerância como caminho, a violência como instrumento e a exterminação dos infiéis como fim. Tudo em nome de um deus, tudo na esperança de uma recompensa no além. Tudo em nome de uma crença.

Na hecatombe germânica, o motivo foi outro tipo de crença, outro tipo de deus. Na dissimulada mente torturada de Andreas Lubitz, a “recompensa” foi o ato em si, a fábula trágica que sua psique escreveu para si mesma, os trinta minutos em que ele foi sua própria fé, seu próprio deus, no comando absoluto e total do curso da aeronave e da vida de seus companheiros de vôo.

Instrumentos diferentes, ambos com a mesma letalidade, o uso da morte como escolha, como objetivo, como solução. Terrorismo e revolta íntima como ferramentas de uma mesma crueldade, de um desamor tão intenso ao próximo que reduz o respeito à vida humana a um simples e desprezível detalhe. Os invasores da faculdade em Garissa conheciam a escola, alguns a tinham frequentado e convivido com muitos dos alunos que exterminaram. O copiloto alemão deve ter visto muitos dos passageiros que embarcaram, olhado para seus rostos, talvez até sorrido para alguns deles.

Uma força maior que estrangula a compaixão. Como extingui-la? Como explicá-la?


Oswaldo Pereira

Abril 2015

5 comentários:

  1. Talvez haja uma explicação e essa tem a ver com o velho e atual Malthus, o da teoria que previu que não haveria espaço e alimentos para todos na terra. Já cumprida a previsão ele só não previu como isso se daria. Antes da terra ficar pequena pela internet, pela mídia televisiva e pelos vôos internacionais em que vc dorme em Tóquio e acorda em Los Angeles, havia um confortável espaço para as maiorias em que as minorias eram obrigadas a se aninhar. A homosexualidade era excepcional e não invadia ou nos obrigava a aceitá-la como se fosse algo natural equiparável à heterosexualidade, os loucos, cujo número só aumentou em muito porque a população cresceu na mesma proporção que não parou de crescer, a sensação de que a privacidade acabou e que tudo está mais apertado sem cantos nem recantos em que somos expostos sem querer e a desinformação dos faits divers é exceção, num mundo em que o indivíduo é coletivo, tudo empurra o que era maioria para um canto, pressionado pela geração de minorias crescentes vegetativamente que ocupa o mesmo espaço da maioria que capitula que se retrai com medo de achar que aquilo com que não concorda não tem mesmo remédio, sendo empurrada para dentro de um armário.

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  2. Completando, daí para ocorrerem as hecatombes descritas não vai uma distância incompreensível.

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    1. Certíssimo, amigo Lustosa. As "benesses" do mundo moderno acabaram por criar uma cepa de paranóias galopantes. Salve-se quem puder...

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  3. Oswaldo
    Você ditingue bem os dois aspectos dessas últimas (??) tragédias. Enquanto na do avião tem-se um problema patológico, na africana predomina o ódio acentuado por um fanatismo religioso que, a meu ver, é um dos piores. Não é de hoje que a religião é usada para justificar barbáries. Isso vem dos tempos antigos. Mesmo as cruzadas escondiam sob esse nome uma fome de poder e conquista. Reconsquistar Jerusalem e preservar a fé eram pretextos. Desta forma, enquanto houver uma força religiosa que empurre o homem para a vingança baixa e não para o sublime, estaremos sujeitos a esses trágicos acontecimentos.

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    1. Perfeito. É o que eu já disse em algum texto que escrevi aqui. Em nome da religião (seja ela qual for), matou-se mais do que por qualquer outro motivo na História...

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