domingo, 23 de fevereiro de 2014

TEATRO GREGO




Há muitos e muitos anos, na época de ouro dos fascículos, foi lançada no Brasil uma coleção sobre Mitologia Grega. Se bem me lembro, eram quase 50 capítulos, ricamente ilustrados e escritos por uma excelente equipe de historiadores, e que poderiam, depois de colecionados, ser encadernados em capas também distribuídas em espaços regulares, tornando-se uma obra de referência da melhor qualidade. Em suma, um item obrigatório na biblioteca de um apaixonado pelo assunto desde a leitura dos livros de Monteiro Lobato, como este que vos escreve...

É claro que, para isso, era necessário possuir a férrea vontade de, por 50 semanas consecutivas, comprar os fascículos no jornaleiro com religiosa disciplina. Evidentemente que, para decepção da editora brasileira que publicou a coleção, muito pouca gente conseguiu interessar-se a ponto de persistir na rotina e o número de exemplares comprados, já a meio do caminho, começou a diminuir significativamente. Como contrapartida, a gráfica passou a imprimir menos exemplares e, nos últimos números, era particularmente difícil achá-los à venda. 

Não só porque adorava o assunto, como também porque admirava a superior qualidade da obra, eu fui até o fim, contando com a ajuda do dono de uma banca de jornais que, nos derradeiros capítulos, era o único a recebê-los no bairro. A ele, algumas vezes, expressei minha indignação pelo desprezo dedicado a tão belo trabalho pelo público carioca.

Não sei se por coincidência, ou se intencionalmente programado pela editora, o último fascículo falava sobre o Teatro Grego. E discorria sobre as suas origens nas dionísias, seu apogeu em Atenas, tragédias, comédias e sátiras empolgando um povo e despertando gênios como Sófocles, Ésquilo, Eurípedes, sua importância no dia-a-dia da Grécia Clássica. Depois, lentamente, como num lamento, descrevia a sua lânguida decadência, o afastamento do público, o desaparecimento dos mecenas.

E terminava com a descrição de uma apresentação teatral em que os atores surgiam no palco e constatavam que não havia viv'alma na plateia. Apenas a ausência. E, com a morte na alma, representavam a peça para o silêncio. Percebi, então, a referência – um teatro às escuras, uma coleção sem leitores.

O derradeiro capítulo fechava com a frase:

Não há nada pior para um artista que um teatro vazio.

Quem pinta, canta, representa ou escreve sabe disto, mais do que ninguém...


Oswaldo Pereira
Fevereiro 2014


9 comentários:

  1. Escreva caro primo, escreva ainda que seja unicamente para mim e saiba que muito além de admirar sua pena, dela tenho santa inveja. Você, escrendo, se expressa tão encantadoramente como o nosso querido Gabriel Pereira quando falava. O que não quer dizer que seu "papo" não agrade. Agrade e muito ainda mais se for entremeado com alguns goles.
    Ósculos

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  2. Sem dúvida que muito do que escrevo vem da verve, destilada e cristalina como uma caninha de engenho velho, de meu saudoso pai. Com ela vem também esta urgência de escrever que me aflige há tempos e a existência de ao menos um leitor atento me basta e me faz persistir. Mas os aplausos, ah! os aplausos, que falta eles fazem...

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  3. Também eu fui sempre um interessado em mitologia grega. Para quem gosta, recomendo os dois volumes do saudoso Junito Brandão, obra excelente. Considero a mitologia, qualquer que seja sua origem étnica, um repertório de sabedoria, a compilação simbólica de milênios de experiência da humanidade. Que não encontre leitores é sinal da superficialidade em que sobrenada a maior parte dos pretendidos leitores de hoje.

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  4. Silêncio não é ausência!
    Mesmo lá no fundo da plateia, no escuro e em silêncio, sem que ninguém nos veja ou nos ouça, estamos bem atentos ao que se desenrola no palco!

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    1. Obrigado, grande amigo. É reconfortante saber que continua a haver gente na plateia...

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  5. Como muito bem colocou o Wilson, nos estamos todos aqui. Prestando muita atencao nos gestos do artista. Os aplausos podem nao ser ouvidos mas estam sempre estusiamados no final de cada obra. Nas esqueca que alem de nós, partcipantes do Blog, esta tambem toda a equipe do NSA. :) Bruno

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  6. Mas o Oswaldo é um ARTISTA com uma boa plateia, pelo que tenho constatado nos comentários. Se a plateia não enche a culpa é nossa pq não divulgamos o Blog. Vou fazer a minha parte, a partir de hoje, bem merece. La Salette

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    1. Obrigado, querida Salette. Tomara que muitos sigam o exemplo...

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