sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

TEMPESTADE







Tempestade, longe. Talvez nem caia por aqui, o vento contrário vai levá-la para o sul.

Ela se acomoda no velho cadeirão de vime, bem no centro da sua varanda que dá para o mar. Os anos passaram por aqui, muitos. Uns longos, poucos. Na maioria, curtos, sem tempo para deixar seu registro, sua marca. Para falar a verdade, longos mesmo foram os da juventude, de dias que se arrastavam na esperança de algo sempre grandioso que iria ocorrer à frente. A espera de telefonemas por minutos que eram horas, a ânsia de um encontro alargando manhãs em anos inteiros, a duração interminável de uma aula enfadonha. Os ponteiros dos relógios pareciam brigar contra uma força demoníaca que os pregava no mostrador. Por sua vez, e para compensar, o sol se espreguiçava no romance de tardes infinitas ou, como na música do Roberto, “demorava pra nascer” em madrugadas impregnadas de amor. Uns pelos outros, eram anos bons. Aqui e ali, uma decepção que iria acabar com o mundo, um problema rasteiro tornado planetário pelo superlativo da idade. Nada que uma música da moda ou um sorriso doce não os fizesse esvanecer tão rápido como haviam surgido.

Aí vieram os anos dos “mistérios gloriosos”, como costumava chamar. Casamento, maternidade, seu ser se dando por inteiro, paraíso e purgatório, madrugadas insones, seios doloridos, cansaço insano, energia tirada lá do fundo pelo carinho de pequenos dedos em seu rosto.

“Mãe” dita de várias maneiras. Súplica, rebeldia, interesse, abrigo. Às vezes, amor. Poucas. Muito poucas diante da contra-partida, da dádiva integral, do desfibramento de seu coração, não mais só seu. Mas, assim era e assim devia ser, sua história tão velha e comum quanto o Tempo.

E o Tempo foi escorrendo, ganhando balanço, a jornada dupla, senão tripla, que apagava todo o resto, viagens adiadas, projetos adiados, VIDA adiada. O inevitável mergulho no nada de dias iguais e cinzentos, de repente uma clareira solar, um reconhecimento acanhado, um PARABÉNS PRÁ VOCÊ veloz, ligeiros de duração e de peso. E a volta  ao casulo escuro.

Vieram as partidas, os chamados. Do marido pelo Céu, do filho pelo Mundo. E ela ficou na velha casa, lembranças e mobília, saudades no estampado da almofada deste cadeirão de vime, sentindo os dias se acelerarem em direção ao futuro. E a pergunta que a ronda como a tempestade ao longe. Terá valido a pena? 


Oswaldo Pereira
Janeiro 2014


4 comentários:

  1. É claro que vale! E mais, um cúmplice "desconhecido" ao contar a nossa historia, muito nos lisonjeia. É na luta que angariamos felicidade. Guerra é guerra, nos céus e na terra.
    ps. Minha neta de 15 anos, linda e doce, ficou sentada na porta de casa com um irmão mais novo e um amigo, esperando a chuva cair; quando caiu, eles pularam dentro da "tormenta". Fiquei imaginando um frasco de colonia, ou um chá, com o aroma que a tempestade arrancou do chão. A vida é pura maravilha.

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  2. Como sempre, é um grande prazer lê-lo e relê-lo.

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  3. Ora, sempre vale a pena, quando a alma não é pequena, Oswaldo. Sua crônica me fez lembrar as muitas horas em que cismei da janela do apartamento de meu pai, de frente para o mar. Que dúvidas, que total incerteza! A única certeza era a de que ia ser muito difícil passar em matemática com o Jacques...

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  4. Grande Oswaldo
    A vida se faz vivendo e por isso sempre vale a pena e cada história se constrói no tempo que se vai. Ter vivido o tempo sempre vale a pena.
    Grande abraço

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