terça-feira, 7 de janeiro de 2014

PANTERA NEGRA





Assim são as lendas vivas. Quando morrem, mais vivas ficam. Aconteceu com Mandela. E acontece agora com Eusébio da Silva Ferreira, a lenda viva do futebol português. Sua morte, na manhã do dia 5, vem comovendo todo um país e entroniza o jogador na categoria dos deuses olímpicos. Ficará eterno, como os outros deuses.

A história de Eusébio não difere muito do percurso palmilhado por incontáveis craques em todo o mundo. Uma infância pobre, a fome de bola que os arrasta das salas de aula para os campos de várzea, onde seus pés descalços fazem maravilhas. A perspicácia de algum caçador de talentos, o primeiro contrato. Depois, um clube grande trazendo o menino para sua grei, o investimento visando futuros lucros, a primeira grande plateia, a glória.

BANDA DESENHADA SOBRE A VIDA DE EUSÉBIO


Às vezes, a rapidez do processo confunde uma personalidade ainda em formação, os cantos de sereia abrindo alcovas e fortunas, a Terra toda aos seus pés, palavras doces e traiçoeiras sendo sussurradas em noites de festa. O caminho se perde em labirintos dourados, a fama dissolve seu pedestal, o gigante cai.





Nada disso aconteceu com Eusébio. Desde sua primeira chuteira, aos 15 anos, pela equipe d´Os Brasileiros Futebol Clube, na antiga Lourenço Marques, em Moçambique, até encerrar sua carreira em 1979, manteve-se íntegro e imutável em sua humildade fidalga. Quer um exemplo?

Vinte e nove de maio de 1968. Final da Taça dos Campeões Europeus. Manchester United versus Benfica. Dez minutos do segundo tempo, partida empatada. Eusébio arranca em direção ao gol, irresistível, entre dois zagueiros ingleses. Já dentro da grande área, dispara seu chute imparável. Alex Stepney, goleiro do Manchester faz o impossível, defendendo milagrosamente o tento certo que poderia selar a sua derrota. Eusébio se aproxima dele. Toca no seu ombro e o aplaude. O jogo foi para a prorrogação e os britânicos venceram. Mas, o ato de impecável fair-play marcou para sempre a partida.

Após parar de jogar, foi-se transformando em ícone, não só do Benfica mas, principalmente, da seleção portuguesa. Sua presença nos jogos internacionais de Portugal era tão certa e importante como a própria bandeira. Gritava, incentivava, chorava. Dava conselhos aos jogadores. Sua figura nas arquibancadas ou à beira do gramado ficará gravada na alma dos adeptos e torcedores, assim como seus dois apelidos. O Pantera Negra. O Rei.

Um testemunho. Quando vim morar em Lisboa, nos idos de 1967, tive a oportunidade de conhecer Eusébio pessoalmente. Por estas estranhas circunstâncias da vida, o Diretor Comercial da General Electric Portuguesa, onde vim trabalhar, era Duarte Borges Coutinho. Para quem o nome nada diz, explico que Borges Coutinho era, além de Marquês, Presidente do Benfica. Em Portugal, agora e então, um cargo rivalizando de importância com o de Presidente da República. Ficamos amigos, a ponto de ganhar um título de sócio do clube e ser convidado a acompanhar a delegação do time nos jogos pelo campeonato nacional. Assim, pude conviver com os lendários jogadores de uma equipe também lendária, campeã nacional várias vezes, finalista do Europeu de Clubes, famosa no mundo inteiro. Mario Coluna, Torres, Costa Pereira, Simões. E Eusébio.

Apesar de ser o maior astro do futebol de sua época, nada mudava sua postura gentil, atenciosa e simpática. Lembro-me até que era o mais calado de todos, tranquilo em sua humildade fidalga.


Oswaldo Pereira
Janeiro 2014.






6 comentários:

  1. Em tão curto espaço de tempo já perdemos dois heróis. Mandela, agora Eusébio. A emoção redobra quando se conhece de perto um Rei, não é ? Impressionou-me muito a despedida de todos os que o admiravam e amavam.

    ResponderExcluir
  2. Gostei muito de sua crônica sobre o lendário Eusébio. Lembro-me muito bem dele, como bom jogador e artilheiro. Na Copa do Mundo de 1966, eu estava fazendo uma viagem, a trabalho, pelo Nordeste do Brasil, em companhia de meu amigo Mourão, de Barbacena. Acompanhamos o jogo Brasil x Portugal pelo rádio do Fusca e ficamos surpresos com as jogadas do mestre Eusébio, que fez 2 gols nesta partida, que o Brasil perdeu e foi eliminado. Grande figura. Abraço do Thomaz.

    ResponderExcluir
  3. Talvez por esta aura de "humildade fidalga", o Eusébio era, de fato, uma figura comovente. Me emocionei (pra não dizer "me debulhei") em todas edições dos telejornais que noticiavam as homenagens prestadas no velório e no enterro... Recentemente, senti a mesma emoção em relação ao Nilton Santos: outro super-craque com alma de cavalheiro, que exalava a simplicidade daqueles que encontraram a si mesmo, e vivem de bem com a vida.

    ResponderExcluir
  4. Foi uma pena ter «morrido »tão cedo com todos os problemas que viveu e o periodo em que o Benfica´o «dispensou» , o que foi muito mau!!!! Mas foi de facto um um verdadeiro Heroi como homem , como jogador e como Português .

    ResponderExcluir
  5. Espetacular, caro amigo, uma homenagem merecida!!!
    ... e ele começou no Brasileiros FC!!!

    Abraço

    ResponderExcluir
  6. Nossa! Nao sabia que voce o tinha conhecido pessoalmente. Sao grandes jogadores de uma epoca mais romatica do futebol. Tentar comparar as estrelas de hoje a Euzebio, Pele ou Beckenbauer chega a ser ridiculo. Otima homenagem ao Pantera Negra.
    Bruno

    ResponderExcluir