No meio da floresta subtropical, a
grande mansão de dois andares era uma imagem magnífica. Cercada por um terreno
impecavelmente cuidado de cerca de 10.000m²,
embora fosse uma construção moderna, suas linhas clássicas e austeras davam-lhe
uma aura de elegância e poder e, ao mesmo tempo, de extrema funcionalidade. Na
parte traseira da propriedade, estavam as garagens, um hangar para helicópteros
e três heliportos.
A estreita estrada asfaltada que a
ligava a rodovias de grande movimento não mostrava qualquer indicação. Só mesmo quem tinha conhecimento autorizado conseguiria
descobrir o desvio que a ela conduzia. Mesmo que algum desavisado nela
penetrasse, guaritas posicionadas ao longo dos 12 quilômetros que a distanciavam do grande trânsito impediriam o progresso de intrusos. Gentil, mas firmemente,
seriam convidados a voltarem por onde vieram.
Seus
ocupantes permanentes eram funcionários dedicados. Cinco guardas armados, uma
recepcionista, uma secretária, um chef, dois
copeiros e um mordomo. Os donos da mansão não moravam ali.
Eram
sete. Todos essencialmente discretos. Apesar de donos de fortunas incalculáveis
e controladores de grandes fatias dos mercados, das finanças e da política
internacionais, sua presença era sentida apenas nos bastidores. Eram como
entidades sem rosto, eminências pardas no comando supremo nas suas áreas de
atuação.
A
mansão era utilizada pelos sete como lugar de suas ultrassecretas reuniões, e
que só aconteciam quando uma determinada situação fosse emergencial, importante
ou sigilosa o bastante para substituir os sofisticados meios de contato à
distância que usavam.
Nesta gelada manhã de dezembro, a mansão
vibrava no ritmo contido de uma dessas ocasiões. Os sete, cada um em seu
helicóptero, haviam chegado na noite anterior e, como acordado para esses
encontros, com dois assessores. Após um jantar frugal, haviam-se recolhido aos
seus quartos no segundo andar.
Eram 8 em ponto quando o brunch matinal foi servido. Enquanto
isso, os assessores e a secretária moviam-se numa eficiência silenciosa,
preparando a imensa sala de reunião do primeiro andar. Tudo estava
impecavelmente pronto às 9, quando as portas da sala foram fechadas e os sete
tomaram seus lugares na grande mesa redonda.
Seis homens e uma mulher. Mesmo no
recôndito e protegido ambiente da sala, não mencionavam seus verdadeiros nomes. O alemão, a quem chamavam de Herr Doktor, através de trusts não identificados, posições
acionárias difusas e acordos de acionistas assinados por procuradores de
procuradores, controlava a indústria e o mercado de fármacos em todo o mundo.
Mesmo os mais habilidosos contadores e fiscais jamais conseguiriam descobrir o
fio da meada que possibilitasse demonstrar seu absoluto domínio sobre o setor.
O mesmo poder-se-ia dizer do príncipe
saudita, o Sheik, e seu total e
invisível poder sobre a OPEP, do Samurai,
o japonês e seu mando secreto da indústria de energia mundial, do russo Zhivago, que puxava os cordéis da
indústria bélica que restara da extinta União Soviética e dirigia das sombras o
mercado internacional de ouro, do brasileiro Rio, rei desconhecido do mercado planetário de alimentos, do
norte-americano Mr. Green, que por
via do financiamento de seus bancos aos moguls
da imprensa e da indústria de entretenimento globais os tinha nas suas mãos
enluvadas e da chinesa Madame Z, que
misteriosamente possuía o controle absoluto da manufatura de têxteis,
componentes eletrônicos, brinquedos, material esportivo e tudo o mais que leva
estampado em seu invólucro a frase made
in China. Os sete detinham também posição majoritária no capital do BIS
(Bank for International Settlements) que, por sua vez, controlava os bancos
centrais dos países do G-20.
Se você um dia ouviu alguém falar na
teoria da conspiração que afirma existirem dez famílias que controlam o mundo,
esqueça. Estes sete é que são os senhores da Terra.
Às 9:01, Herr Doktor iniciou a reunião.
«Os nossos negócios, este ano, cresceram
menos que o esperado. Os grandes laboratórios estão sofrendo com a disseminação
da medicina preventiva, com as práticas alternativas e com o culto à vida
saudável. Comidas balanceadas, banimento do tabagismo, joggings...»
O russo tomou a palavra.
«Pior
ocorre com o mercado de armamentos. Os conflitos diminuem. Os americanos estão
recolhendo suas tropas. O Putin está saindo do meu controle. Esse tzar de merda está articulando com o
sacana do Erdogan o fim da guerra da Síria, só para ficar bem no filme. Um
descalabro!»
Um a um, os outros homens foram
repetindo ladainha parecida. Energias limpas estavam prejudicando o nível de
preços na área do Samurai, os verdes de todos os países civilizados
culpavam os combustíveis fósseis como os grandes responsáveis pelo aquecimento
global e o Sheik sentia já um
nervosismo latente nas petrolíferas. Rio reclamara dos limites impostos pelas
das leis ambientais para as áreas do agronegócio. Até Mr. Green expôs suas preocupações.
«Meu problema é o Trump. Incontrolável.
Mesmo eu dirigindo as baterias da grande imprensa contra ele, o homem é impermeável.
Corremos um sério risco de reeleição deste bastard.
A Economia americana vai de vento em popa. Imbatível.»
Foi quando Madame Z resolveu falar.
«Eu já identifiquei a razão dos nossos
problemas. O mundo não está em crise, honoráveis colegas. Ou melhor, está em
vias de solucionar a maioria delas. E, neste ambiente, o crescimento das nossas
fortunas vai ficar restrito ao mesmo ritmo dos investimentos dos comuns dos
mortais.»
Houve um murmúrio de assentimento ao
redor da mesa. Ela prosseguiu.
«À
frente dos senhores está um dossiê preparado pelos meus assessores. É um plano
de ação destinado a reverter esta situação e precisa contar com a participação
de todos. Vou resumi-lo.»
Num
gesto estudado, Madame Z colocou seus
óculos cravejados de brilhantes e continuou.
«Logo
agora em dezembro, a equipe médica de um nosso hospital de Wuhan, uma cidade de
quase 11 milhões de habitantes, que está sofrendo o início de um surto de gripe
vulgar, comum nesta época do ano, alertará para o aparecimento de uma nova
variação do vírus corona. Testes
laboratoriais encomendados por nós irão comprovar o diagnóstico e aumentar o
alerta. A partir daí a progressão do que, na verdade, é um surto esperado para
gripes como essa, será transformada pelos meios de comunicação, e aí entrará a
colaboração de nosso parceiro Mr. Green, numa
verdadeira história de terror. Paralelamente, a rede de deep fake do nosso amigo Zhivago
multiplicará nas redes sociais de todo o planeta a produção de estatísticas
aumentadas e direcionadas a amedrontar cada vez mais a população mundial.»
Herr Doktor interrompeu.
«Eu
posso determinar que os produtores de antigripais e utensílios de prevenção
contra infecções restrinjam a produção. O cenário de prateleiras vazias nas
farmácias irá aumentar o medo.»
Rio
acrescentou.
«Posso fazer o mesmo com os
supermercados.»
Madame
Z voltou
a falar.
«Rapidamente, o pânico se instalará.
Artigos e documentários espalhados pelas redes de TV e pela Net sobre a Peste
Negra e a Gripe Espanhola irão ajudar. Em breve, autoridades médicas em todo o
mundo não irão mais enxergar que se trata de uma infecção normal. Apesar do
número de casos da doença ser infinitamente menor do que outras endemias já
existentes, o pavor de serem acusados de minimizar o problema os fará entrar na
paranoia. Logo, Governos e até a OMS seguirão o mesmo caminho.»
Mr.
Green interveio.
«Quantos casos de infecção estão
previstos?»
Madame
Z consultou
seu dossiê por cima dos óculos.
«No mundo inteiro, pouco mais de 500 mil,
com cerca de 15 mil óbitos entre 4 e 6 meses.»
Rio
agitou-se
em sua cadeira.
«Só?! Mas isto é menos do que endemias
como sarampo, dengue, zika, chicungunha, febre amarela e uma simples pneumonia
infectam e matam em uma semana. Acha que a comunidade médica mundial vai entrar
nessa?»
Madame
Z respondeu.
«Sem dúvida. Com a disseminação do
pânico, os países vão estabelecer barreiras e quarentenas para tentar evitar
uma epidemia em seus países. As linhas aéreas, o turismo e a indústria de
entretenimento sofrerão um forte impacto. E isto vai levar o resto atrás. De
acordo com as previsões do plano, a economia mundial vai entrar numa rápida
recessão. As bolsas retrairão imediatamente. Aí teremos o que tanto desejamos.
Uma crise global.»
Zhivago pigarreou
e disse.
«Acho
que eu e o Sheik podemos dar uma
ajudinha. Se conseguirmos fazer com que o Putin do meu lado e a OPEP do lado dos
árabes simulem um desacordo quanto ao nível de produção de petróleo, num
momento de expectativas ruins do crescimento global, o preço do barril vai
despencar.»
O Sheik inclinou a cabeça em sinal de
aceitação.
Mr. Green, enquanto Madame Z fazia uma careta, tirou um
charuto do bolso do casaco e ponderou.
«De
qualquer maneira e como toda crise fabricada, ela será curta. Teremos duas
semanas para agir, enquanto os mercados afundam e se recuperam após a paranoia
ser substituída pela racionalidade e pelo bom-senso. Quanto acha que poderemos
ganhar, Madame Z?»
Ela
olhou para seus papéis.
«De
acordo com estas estimativas, nossos assets
poderão aumentar entre 17.2 e 26.8 por cento, dependendo do tempo que o mundo
levará para acordar.»
De
charuto na boca, Mr. Green começou a
aplaudir. Todos acompanharam.
Oswaldo Pereira
Março 2020
Nada como um bom escritor criar algo tão criativo.Claro um bom conto,uma história bem contada, uma ficção, mas que não fica muito longe da realidade do que foi tramado.
ResponderExcluirCriar medo na humanidade é a melhor forma de controle daqueles que dão as ordens no mundo.
bjs Zezé
Isto mesmo, Zezé. Soube que Trump proibiu hoje a entrada de europeus nos EUA por 30 dias! Na Europa, há cerca de 20.000 infectados, ou seja, 0,02% da população europeia. Há certamente algo por trás disso...
ExcluirÉ isso Oswaldo. Acho que essa teoria da conspiração não está muito longe da realidade não. É esperar.
ResponderExcluirCaro Zé,
ExcluirQuando isto tudo passar, vão escrever livros e fazer filmes sobre o assunto. E quem ganhou muito dinheiro vai ficar rindo escondido...
Como foi que você descobriu isso tudo!? O "Rio" não seria você por acaso, seria? Pelos vistos até o Trump ja esteve em contato com pessoas infectadas. No mesmo fim de semana em que ele encontrou o Bolsonaro. Isso também era parte do super plano?
ResponderExcluirHahaha... Já vi que você poderia escrever o capítulo 2 do meu conto...
ExcluirCaríssimo, faz tanto sentido que até dói... Bravo, un'altra volta!
ResponderExcluirGrazie, caro. E dá para lembrar um dito italiano: se non è vero, è bene trovato...
ExcluirBravooo ! Ainda bem q sou fiel à Palavra Escrita. Tb já ri com as piadas tipo o "presidente do Brasil" publicado com a legenda:
ResponderExcluirO VIRUS DO YPYRANGA.Adorei as minúcias do decor da turminha dos super assassinos.
Obrigadíssimo! Vamos esperar que esses 7, depois de encherem as burras de dinheiro, resolvam acabar com a pandemia...
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