segunda-feira, 20 de novembro de 2017

A REVOLUÇÃO RUSSA - PARTE I



Atração obrigatória para quem visita a cidade de São Petersburgo, o Palácio de Peterhof foi construído entre 1714 e 1725, por ordens do Czar Pedro I, o Grande. O apelido pelo qual alguns o chamam, o “Versailles russo”, não lhe faz justiça. O magnífico edifício, a extensa área de jardins que o cerca e suas 120 fontes nada têm a ver com a construção francesa, um intoxicante exemplo da grandiosidade dos Reis-Sol. Peterhof, mesmo no seu rococó, é russo por natureza e, portanto, mais romântico e, se quiserem, mais autêntico, em suas cascatas que congelam no inverno e que, no verão, deslizam entre as mitológicas estátuas douradas que brilham como deuses.

Foi aí que, em 21 de fevereiro de 1903, o Czar Nicolau II realizou uma grandiosa festa, talvez uma das mais suntuosas e ricas de uma corte famosa por seu esbanjamento. Comemorava-se o 290° aniversário da ascensão ao poder dos Romanov, uma dinastia que mantivera sua hegemonia mesmo durante a hecatombe da Revolução Francesa e o vendaval de Napoleão. A festa foi um requintado espetáculo de luxo, reunindo, durante dois movimentados dias, a nata da nobreza czarista. Para os convidados, tudo do bom, do melhor e do mais caro. Mas nem Nicolau II, nem seus deslumbrados convivas, poderiam jamais imaginar que esta seria sua última festa.

Em 1903, o Império Russo reunia todas as condições que o poderiam definir como um imenso barril de pólvora. Espalhado por um território de dimensões quase incompreensíveis, era um oceano de pobreza com pequenas ilhas de opulência, habitadas por famílias nobres que dominavam as terras e a produção de riqueza existentes ao redor de suas propriedades feudais. O resto era quase um inteiro continente de lavoura pobre, gente analfabeta e vida miserável. A industrialização, que já vicejava com força numa Europa saída do Século da Luzes, chegara apenas incipiente à Rússia dos czares. No resto da Europa, a imagem que o império projetava era a de um país atrasado, empobrecido e malgovernado.

Em 1905, essa imagem deteriorou-se ainda mais, com a destruição da frota czarista em Port Arthur e a humilhante derrota do exército russo na Manchúria. O vencedor era uma improvável potência, durante muitos anos considerada pelo Ocidente como incapaz de impor êxitos militares. O Japão. Na realidade, a organização das gigantescas forças armadas russas era um espelho do país. Uma incapaz oficialidade, dominada pela hierarquia da nobreza, comandando uma legião de conscritos mal alimentados, mal treinados e ineficientemente armados.

O desastre militar abalou a alma russa. Dentro do exército, pequenas revoltas contra a incapacidade dos comandantes e as más condições de vida da soldadesca começaram a explodir, aqui e ali. Em julho de 1905, a sublevação dos marinheiros do couraçado Potemkin aumentou o nível de uma onda de protestos que tivera origem, seis meses antes, em São Petersburgo. Naquele domingo sangrento, em frente ao Palácio de Inverno, centenas de manifestantes desarmados, cujo objetivo era entregar ao Governo uma petição para melhoria de condições de trabalho, assinada por 120 mil operários, foram massacrados pela guarda cossaca.

Com explosões de descontentamento surgindo nos grandes centros urbanos, Nicolau II acabou cedendo e abrindo mão de algumas parcelas de seu absolutismo. Mas, teimoso e empedernido como era, ainda imaginava que o povo lhe devia inquestionável devoção. Perguntado, à época, se poderia ainda recuperar a confiança da população, respondeu com sua característica insensibilidade. Pergunte-me é se o povo ainda pode recuperar a minha confiança.

Assim, apesar da criação da Duma, um parlamento com limitado raio de ação, as agitações prosseguiram. O país tentava compensar o tempo perdido através de uma rápida industrialização. Uma nova classe, a dos operários, começava a crescer exponencialmente e, juntamente com as máquinas importadas, importava-se também os ventos de uma nova ordem de ideias, a maioria delas explicitadas décadas antes por Karl Marx.

Em 1914, o assassinato do arquiduque Ferdinando em Sarajevo lançou a Europa no inferno de uma guerra sem precedentes. A carnificina provocada pela combinação de táticas ultrapassadas de combate e a eficiência letal das novas armas ultrapassou o imaginável. Na Rússia, já combalida pelo caos político e econômico e pela desmoralização de seu exército, o efeito foi devastador.

Vladimir Putin declarou que os governantes que mais detestava eram Michail Gorbachev e Nicolau II porque tinham deixado o poder cair nas ruas. Em 1917, com a fome se alastrando, a corte paralisada, o Governo sitiado, a guerra sendo perdida e forças políticas surgindo do pântano institucional em que o país se encontrava, o poder na Rússia caiu literalmente nas ruas.

(Continua)

Oswaldo Pereira
Novembro 2017


7 comentários:

  1. Depois vc vaí escrever o roteiro do longa metragem e definir o elenco. Ta bem ?

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  2. Adoro teu jeito de contar a história......consistente.....instigante......prazeroso de seguir.....aguardo por mais

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    1. Thank you, darling... Não é tão bom quanto o Brasil Paralelo, mas...

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  3. Oswaldo, você conseguiu esclarecer resumindo em uma página a parte da história de tantos anos. E, de maneira clara. É uma história impressionante e para mim, pesada.Mas, fascinante e como todas as outras, a luta pelo poder.
    E, você , em poucas palavras, contou a história desse povo .

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  4. cleusa24 de novembro de 2017 21:09
    Oswaldo, você conseguiu esclarecer resumindo em uma página a parte da história de tantos anos. E, de maneira clara. É uma história impressionante e para mim, pesada.Mas, fascinante e como todas as outras, a luta pelo poder.
    E, você , em poucas palavras, contou a história desse povo .

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    1. O ambiente do blog não permite grandes divagações... Assim, sou obrigado a sintetizar tudo. Obrigado pelo comentário.

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