terça-feira, 12 de julho de 2016

PAIXÕES NACIONAIS



Em algum momento nos tempos da Grécia Clássica, um jogo diferente começou a ser praticado.  Dois grupos perseguiam uma bexiga de boi inflada, usando os pés e o que mais fosse preciso para impulsioná-la e fazê-la passar pelas linhas adversárias. O jogo, cujo nome era episkyros, “bola comum” numa tradução livre, foi herdado pelos romanos, como tudo mais da civilização helênica. E, mesmo neste estágio primitivo de sua história, já produzia notícia. O venerando Cícero relata o caso de um pacato cidadão de Roma morto ao ser atingido por uma bola enquanto se barbeava...

Com pequenas modificações em sua maneira de jogar, o episkyros, nos vários nomes que foi adquirindo ao longo do tempo, sobreviveu à queda do Império e espalhou-se pela Europa medieval. Foi jogado por nobres e plebeus, padres e leigos, soldados e paisanos. Sua atração era tão grande que alguns governantes, como o Rei Eduardo III da Inglaterra, teve de proibi-lo, pois sua prática desenfreada era uma perigosa distração dos outros deveres de seus súditos.

As primeiras consolidações de suas regras começaram a aparecer no século XVII quando, em Florença, criou-se a modalidade do calcio fiorentino.  Ainda era, entretanto, um esporte bastante violento, sendo inclusive empregado como uma forma de treinamento militar.

Foi só no início do século XIX que, na Grã-Bretanha, seu regulamento incorporou e definiu os aspectos básicos e o nome pelo qual o mundo inteiro o conhece atualmente – o Football Association, o nosso Futebol.

Em 1994, durante a realização da XV Copa do Mundo nos Estados Unidos, a revista americana National Geographic dedicou um número especial ao evento e ao esporte. E, logo no editorial de apresentação, ressaltou que apenas duas coisas eram capazes de levar o fervor nacional de um país e de seu povo ao extremo – a Guerra e o Futebol. Na Eurocopa que terminou domingo passado, basta ter observado o fenômeno ocorrido com a Islândia, de pouquíssima tradição futebolística, para se acreditar nisto. Dez por cento da população islandesa foram para os estádios da França. O grito viking, a coreografia dos braços erguidos e a vibrante e histórica recepção aos heróis em seu retorno a Reikjavic, pelo simples fato de terem chegado às quartas de final, não deixam dúvidas. A National Geographic tinha razão.

Outro exemplo?

Em 2004, cheguei a Lisboa na semana que antecedeu ao início do Campeonato Europeu, sediado por Portugal. Havia, claro, uma excitação no ar. Mas, embora entusiasmados amantes do esporte, os portugueses eram contidos em suas demonstrações de nacionalidade nas atuações de sua seleção de futebol. Pelas ruas, nada havia que revelasse o desejo de torcer e o suporte popular à sua equipe.

Mas, na mesma noite da minha chegada, o técnico do time, o brasileiro Luiz Felipe Scolari, deu uma entrevista na televisão declarando que, em seu país, as janelas e as ruas enchiam-se de bandeiras sempre que o Brasil entrava em campo. Foi o suficiente. Como uma centelha que acende um rastilho de pólvora, os pavilhões nacionais começaram a aparecer. E, na medida que Portugal avançava na competição, um verdadeiro frenesi tomou conta do povo.

Ao chegar à parte final do certame, o deslocamento do ônibus que levava os jogadores portugueses da concentração em Alcochete até o estádio tornou-se uma apoteose deslumbrante, com séquitos de carros seguindo o cortejo, milhares de pessoas postadas à beira do caminho, agitando bandeiras, frotas de barcos seguindo ao longo da ponte Vasco da Gama, um país inteiro coberto de verde e vermelho.

De lá para cá, a mística só fez aumentar.

E é só olhar o fervor vibrante da recepção oferecida aos campeões desta última Eurocopa para se lembrar. Era assim que os generais romanos eram recebidos. Uma parada triunfal pelas ruas de Roma ao voltarem vitoriosos... da Guerra.


Oswaldo Pereira
Julho 2016










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