sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

BOM SENSO






A semana americana foi dominada por dois assuntos. O propalado teste nuclear norte-coreano (ainda não confirmado pelos órgãos de defesa dos Estados Unidos) e a “executive order” de Barack Obama sobre a venda de armas.

Para que se entenda melhor do que estamos falando, uma executive 
order (literalmente traduzida como ordem executiva) é uma peça de legislação promulgada, com força de lei, pelo Presidente, sem passar pelo Congresso. No Brasil, seria mais ou menos o equivalente à Medida Provisória, sendo que esta, como o nome diz, tem efeito limitado no tempo e, para vigorar para além de seu limite temporário, precisa ser aprovada pelo Legislativo. Diferentemente, a “ordem executiva” é permanente e só pode ser derrubada por ações legais. Por isso mesmo, ela só é permitida constitucionalmente para regular assuntos da administração interna do Executivo ou em casos de excepcional perturbação nacional, como revoltas internas, greves agressivas e predatórias ou graves ameaças externas. Franklin Roosevelt foi o maior emissor de executive orders (mais de 3.500 em doze anos de governo) mas, é preciso lembrar, em seu mandato aconteceram a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial.

De qualquer maneira, num país medularmente democrático como os Estados Unidos, um ato individual do Executivo, sem o respaldo do Congresso, costuma provocar um franzir de sobrancelhas e murmúrios maliciosos sobre abuso de poder ou iniciativas ditatoriais do Presidente. Num ano eleitoral como 2016, tudo fica mais sensível e os Republicanos não perderam tempo em tirar o maior partido possível da situação. Até porque o assunto é explosivamente polêmico.

A Segunda Emenda à Constituição americana, de 1791, assegura o direito ao indivíduo de keep and bear arms (ter e portar armas). A origem deste direito vem do fato de que, nos seus primórdios e durante a Guerra da Independência, o exército das colônias rebeldes era formado por milícias, ou seja, cidadãos comuns armados com seus próprios rifles e espingardas de caça. Mantê-los era uma necessidade. Depois, para os peregrinos que corriam atrás de terras e riquezas no Velho Oeste, aonde a lei não havia ainda chegado, uma arma de fogo era sua garantia pessoal de segurança e sobrevivência. E o que dizer da figura lendária do cowboy justiceiro, com seus colts pendendo de ambos os lados das ancas, prontos a serem sacados numa fração de segundo. Imagem-símbolo de um povo, entronizado no seu imaginário por milhares de estórias, livros e filmes.

Mexer com este direito é mexer num vespeiro. E foi o que Obama fez esta semana. No fundo, a corajosa iniciativa do Presidente tem toda a razão de ser. Os Estados Unidos têm registrado, nos últimos tempos, mais de 30.000 mortes por arma de fogo ao ano. Desde o ano 2000, e só em escolas americanas, foram 193 mortos e centenas de feridos em 147 tiroteios e chacinas, praticados por gente comum, até adolescentes, com poucos ou nenhuns antecedentes criminais, isto é, pessoas que, num surto de agressividade, utilizaram o arsenal que tinham em casa para espalhar, sem qualquer motivo aparente, a morte. E o que Obama determinou é o que um mínimo de bom-senso aconselha (o próprio título da legislação indica: Common Sense Gun Safety Reform). Proibir a venda de armas de fogo a quem tenha algum registro de criminalidade ou de perturbações mentais. Poucos dos que cometeram as hecatombes anteriores talvez sequer se enquadrassem na proibição. Mas, é um começo. E Obama sabe que este mínimo é o máximo que pode fazer dentro dos seus limites políticos.

Como disse acima, a executive order é uma excepcionalidade. Assim, é de praxe que o Presidente, após sua promulgação, venha a público explicar sua atitude. Isto aconteceu no dia 5. Numa conferência realizada do Salão Leste da Casa Branca, com a presença da imprensa e em transmissão televisiva para todo o país, a que tive a felicidade de assistir, Barack Obama proferiu, no estilo “conversa” que tanto o caracteriza, um lindo discurso. Atrás dele, estavam, além do Vice-Presidente Joe Biden, alguns dos familiares das vítimas das centenas de ocorrências. Foram 37 minutos, em que a emoção o levou, num determinado momento, às lágrimas.


E eu fiquei olhando para a cena e me lembrando da música do Caetano. A lágrima clara sobre a pele escura… E pensando na incongruência do mundo. Além de uma reação furiosa dos Republicanos, o receio de que uma legislação futura venha a controlar ainda mais a comercialização de armas fez com que as vendas batessem recordes nos últimos dias. O tempora, o mores, diria Cícero...

Oswaldo Pereira
Janeiro 2016








9 comentários:

  1. Muito legal!! Não sabia da Executive Order!!! Achoque vou copiar para meu Projeto AWoL!!

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  2. Assisti ontem pela CNN a entrevista ao vivo com o Anderson Cooper. Do lado de fora estavam representantes da associação americana que defende a Segunda Emenda de forma cega e intransigente. Não tiveram a coragem de entrar, embora convidados. Grande pais!!

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    1. São estas forças antagônicas, mas livremente permitidas por um Estado de Direito impecável, que fazem este pa;is girar. Toda vez que aqui venho, sinto um grande prazer em assistir este espetáculo de democracia representativa ampla e segura. Que inveja!...

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  3. Duvido que a NRF vá permitir qualquer modificação no "status quo" vigente!!!

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    1. Para não falar na toda-poderosa indústria de armamentos...

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  4. Aqui no Brasil são muitos aqueles defensores da liberdade de comprar armas. E, dizem sua certeza que ser o melhor, nada adiantaria a probição.
    Fiquei emocionada com as lágrimas do presidente, não conseguir se conter diante de sua impossibilidade até como presidente. Mas é a democracia que nos dá inveja.

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