sexta-feira, 17 de julho de 2015

PLUTÃO








Olavo Bilac nos convidava a ouvir estrelas. E eu vos digo que, de vez em quando, é bom falar de Plutão. E deixar que a desilusão dos fatos, o amargor dos atos, a tirania da inquietude imposta por um quotidiano tresloucado se dilua na bruma suave de um delírio inocente.

Apagar por um instante o mundo e seus gritos, seu catastrofismo crônico, diminuir o som de seus oráculos cavernosos e de suas cassandras inquietas. Fechar os olhos por um instante, um balsâmico instante de luz interna, e cobrir com uma pátina de indiferença os clarões sombrios deste deserto de poesia, desta imensa aridez dos nossos atuais dias, desta planície gélida de desânimos que impregnam o noticiário de um século que começou com a fumaça negra das Torres Gêmeas. E, enquanto ainda engatinha, já nos brindou com um tsunami assassino em 2004, com a Natureza flexionando seus músculos e avisando que está incomodada conosco, com o esfacelamento dos sub prime e o derretimento financeiro de 2008, com a primavera que virou inferno nas arábias, com lobos solitários que valem por um exército metralhando indistintamente infiéis e cartunistas, com a pré-falência de uma nação ícone que já foi clássica e, no front interno, com a cambalhota grotesca de um país que abriu o milênio com apostas firmes para o futuro.

É bom falar de Plutão, de sua lua Caronte, de sua excentricidade travessa. Achar graça na história de sua despromoção, admirar as fotos da NASA, prestar atenção nas protuberâncias de seu relevo, escutar o vento que vem das profundezas do nada. Olhar com carinho respeitoso para a New Horizons, esta pequena nave que desliza silenciosa pelos mares siderais, este minúsculo paparazzo estelar que nos manda recados instantâneos das fronteiras do vácuo. De lá, nosso doido planeta é apenas uma vela acesa de brilho plácido, uma ínfima chama sem calor. Daquela perspetiva gigantesca, nossos temores, nossos desamores, nossa sina se reduzem a um ponto luminoso apenas, um detalhe desimportante, a nota de rodapé de uma enciclopédia do tamanho da eternidade.

Mas, temos de voltar. Assim que abrirmos os olhos e quebrarmos o encantamento do nosso devaneio, o mundo estará nos esperando, ávido para nos arrastar para as correntezas caudalosas de seus rios de realidade, para o vendaval de sua falta de lógica, para a apneia do ar rarefeito de sua incoerência, para a presença do deus aleatório que o comanda.

Assim, é bom ficar mais um pouquinho a falar de Plutão. E a ouvir estrelas...


Oswaldo Pereira
Julho 2015


   

4 comentários:

  1. Olá o Oswaldo, deixo aqui meu abraço. Bom te ler.

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    1. 'Brigadão, Carlinhos. Saudades do nosso tempo no Plano B...

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  2. Novamente, Oswaldo , foi deletado meu comentário.
    Obrigada, Oswaldo, pelos miutos de uma leitura saudável. Minutos que me distanciaram da leitura do jornal com a descrição do que está acontecendo neste país. Abraço, Cleusa.

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    1. Obrigado novamente, Cleusa. Também não entendo porque alguns cometários aparecem e outros somem. Já consultei o google, mas não tive resposta. Tem acontecido com muita gente, infelizmente. Mas, por favor, não deixe de tentar...

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