Mas então vem um dia de sonho.
E eu me reconcilio com a minha cidade.
Perdoem-me os que não são daqui. Perdoem-me os
que também elegem suas cidades como versões do paraíso, maravilhas do engenho
humano, centros de poder e história, capitais ou simples aldeias, berços rurais
ou filhas de castelos medievais, beijadas por rios, lagoas ou oceanos, cantadas
em prosa e em verso, letras de hinos, donas orgulhosas de sua identidade. Ou
importantes só porque seus filhos a amam.
Mas o Rio... Bem, meus amigos. O Rio...
O Rio tem este sol encaixado no Trópico de
Capricórnio, que no solstício de Inverno nasce atrás do Corcovado e no de Verão
nas costas do Pão de Açúcar e depois cruza modorrento um céu sem nuvens, ou de
nuvens bissextas, brincando com os
biguás que voam de lagoa em lagoa em busca de seus peixes prateados, e depois
se aninha nos braços do Dois Irmãos, fazendo a festa dos seus adoradores na
pedra do Arpoador e dos surfistas tardios que ainda penteiam os ondas de
Ipanema.
O Rio tem este Carnaval atávico, a batucada que
corre nas artérias ao ritmo de um coração apaixonado, o sincopado de um
pandeiro mexendo os quadris de uma mulata e os pés ligeiros do sambista, os
tamborins, às centenas, matraqueando em uníssono como um trem alucinado, o surdo-de-marcação comandando com sua voz
cavernosa o passo da escola, os destaques, os carros alegóricos, o trabalho de
uma comunidade inteira produzindo sonhos e esperanças. Carnaval que é religião
e desabafo, catarse e loucura, felicidade eterna em quatro dias.
O Rio tem Fla-Flu, tem Vasco e Botafogo. Tem
Maracanã. Tem visões míticas de
Garrincha entortando seus marcadores, Zico levantando uma nação rubronegra numa
explosão de descomunais bandeiras na tarde de um domingo, Castilho catando com
a ponta dos dedos a bola impossível, Ademir Menezes partindo como uma flecha e
destruindo as defesas adversárias. Tem o silêncio de 1950, o recorde absoluto
de quase 200.000 pessoas num Brasil e Paraguai, e muitas mais cantando “New
York, New York” com Frank Sinatra e “Yesterday” com Paul McCartney.
O Rio tem o Paço Imperial, onde um rei
português foi aclamado, transformando a vila colonial em capital de um Império,
onde seu filho disse que ficava, e depois ficaria mesmo como Imperador. Tem as
páginas da história do Brasil escritas em suas ruas e vielas, na praça onde a
república foi proclamada, no obelisco em que os revolucionários de 1930
amarraram seus cavalos, no palácio onde Getúlio se matou, na praia onde os 18
do Forte marcharam para o confronto. Tem a lembrança viva do apartamento da rua
Nascimento Silva onde nasceu a bossa-nova, do morro da Mangueira e de Cartola, das ruas da Tijuca e a turma de Zeca Pagodinho, do Maracanãzinho dos festivais e da
Tropicália, do primeiro Rock’n’Rio nas profundezas de Jacarepaguá.
E o Rio tem esta tarde preguiçosa, banhada de
luz. Será que amanhã vai chover? Bem.. o que importa? Chuva ou sol, mormaço ou
neblina, vento ou brisa... Você será sempre o meu Rio, minha cidade e meu sonho.
Oswaldo
Pereira
Junho
2015
Por pior que seja, é a mais deslumbrante paisagem que a natureza exibe em toda a terra. Você pode assisti-la trabalhando e de bermudas, sem casacões, ventarolas ou ar condicionado. É de tirar o fôlego!
ResponderExcluirComo disse Tom Jobim: o Rio é uma bosta, mas é bom...
ExcluirNem sempre concordamos, mas tenho aprendido com vc. Com seu empenho em dizer.
ResponderExcluirPois é... nem que seja para que eu me convença do que escrevo...
ExcluirMas quem não gosta do Rio descrito por ti? Seria absolutamente impossivel não concordar! O Rio é lindo...e a tua prosa é um espanto! Um abraço.
ResponderExcluirMais uma vez, obrigado prima.
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