domingo, 14 de junho de 2015

SONHOS DE UM CARIOCA







Mas então vem um dia de sonho.

E eu me reconcilio com a minha cidade.

Perdoem-me os que não são daqui. Perdoem-me os que também elegem suas cidades como versões do paraíso, maravilhas do engenho humano, centros de poder e história, capitais ou simples aldeias, berços rurais ou filhas de castelos medievais, beijadas por rios, lagoas ou oceanos, cantadas em prosa e em verso, letras de hinos, donas orgulhosas de sua identidade. Ou importantes só porque seus filhos a amam.

Mas o Rio... Bem, meus amigos. O Rio...

O Rio tem este sol encaixado no Trópico de Capricórnio, que no solstício de Inverno nasce atrás do Corcovado e no de Verão nas costas do Pão de Açúcar e depois cruza modorrento um céu sem nuvens, ou de nuvens  bissextas, brincando com os biguás que voam de lagoa em lagoa em busca de seus peixes prateados, e depois se aninha nos braços do Dois Irmãos, fazendo a festa dos seus adoradores na pedra do Arpoador e dos surfistas tardios que ainda penteiam os ondas de Ipanema.

O Rio tem este Carnaval atávico, a batucada que corre nas artérias ao ritmo de um coração apaixonado, o sincopado de um pandeiro mexendo os quadris de uma mulata e os pés ligeiros do sambista, os tamborins, às centenas, matraqueando em uníssono como um trem alucinado, o surdo-de-marcação comandando com sua voz cavernosa o passo da escola, os destaques, os carros alegóricos, o trabalho de uma comunidade inteira produzindo sonhos e esperanças. Carnaval que é religião e desabafo, catarse e loucura, felicidade eterna em quatro dias.

O Rio tem Fla-Flu, tem Vasco e Botafogo. Tem Maracanã.  Tem visões míticas de Garrincha entortando seus marcadores, Zico levantando uma nação rubronegra  numa explosão de descomunais bandeiras na tarde de um domingo, Castilho catando com a ponta dos dedos a bola impossível, Ademir Menezes partindo como uma flecha e destruindo as defesas adversárias. Tem o silêncio de 1950, o recorde absoluto de quase 200.000 pessoas num Brasil e Paraguai, e muitas mais cantando “New York, New York” com Frank Sinatra e “Yesterday” com Paul McCartney.

O Rio tem o Paço Imperial, onde um rei português foi aclamado, transformando a vila colonial em capital de um Império, onde seu filho disse que ficava, e depois ficaria mesmo como Imperador. Tem as páginas da história do Brasil escritas em suas ruas e vielas, na praça onde a república foi proclamada, no obelisco em que os revolucionários de 1930 amarraram seus cavalos, no palácio onde Getúlio se matou, na praia onde os 18 do Forte marcharam para o confronto. Tem a lembrança viva do apartamento da rua Nascimento Silva onde nasceu a bossa-nova, do morro da Mangueira e de Cartola, das ruas da Tijuca e a turma de Zeca Pagodinho, do Maracanãzinho dos festivais e da Tropicália, do primeiro Rock’n’Rio nas profundezas de Jacarepaguá.

E o Rio tem esta tarde preguiçosa, banhada de luz. Será que amanhã vai chover? Bem.. o que importa? Chuva ou sol, mormaço ou neblina, vento ou brisa... Você será sempre o meu Rio, minha cidade e meu sonho.


Oswaldo Pereira
Junho 2015


    



6 comentários:

  1. Por pior que seja, é a mais deslumbrante paisagem que a natureza exibe em toda a terra. Você pode assisti-la trabalhando e de bermudas, sem casacões, ventarolas ou ar condicionado. É de tirar o fôlego!

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  2. Nem sempre concordamos, mas tenho aprendido com vc. Com seu empenho em dizer.

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    1. Pois é... nem que seja para que eu me convença do que escrevo...

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  3. Mas quem não gosta do Rio descrito por ti? Seria absolutamente impossivel não concordar! O Rio é lindo...e a tua prosa é um espanto! Um abraço.

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