terça-feira, 12 de agosto de 2014

DESTINOS CERTOS: KERRY, IRLANDA



Por volta do ano 1000 a.C., eles chegaram. Dominando a parte ocidental da Europa, enquanto o Egito dos faraós se estendia da nascente do Nilo até às margens do Mediterrâneo e os reis helênicos sitiavam Tróia, eles haviam espraiado suas tribos de mulheres e homens louros, ruivos, altos e fortes desde a França até a Península Ibérica. Então, inspirados por sua índole aventureira, decidiram se fazer ao mar e, aproveitando os ventos e as correntes favoráveis do Atlântico, aportaram numa ilha verde como uma esmeralda mágica, onde vales gentis escondiam lagos de todas as cores, desfiladeiros de pedra ecoavam seus gritos de guerra e um mar de profundo azul tornava-se espuma branca nas escarpas de rocha negra.

GUERREIROS CELTAS
Os gregos os chamavam de keltoi, os selvagens. Mas sua avançada cultura da Idade do Ferro e seus conhecimentos de cultivo e pecuária já eram muito superiores aos dos povos que habitavam a ilha, caçadores-coletores do neolítico. Chegaram, conquistaram e começaram a marcar sua presença. Usos, costumes, língua e tradição que hoje, trinta séculos depois, vivem nas pedras tumulares que rodeiam igrejas, na epiderme alva e nos cabelos e olhos claros de uma população risonha e no intricado idioma que precede o inglês nos sinais de trânsito e nas placas das ruas.


Do grego keltoi veio o nome pelo qual nós os conhecemos atualmente - celtas. E este acolhedor pedaço de terra, de povo eternamente bem-humorado e natureza apadrinhada pelos céus, chama-se Kerry, o Condado que ocupa todo o sudoeste da Irlanda. Se você acha que conhece todas as gradações do verde, e nunca foi a Kerry, engana-se. Ali, a terra fabrica matizes, nuances e variações da cor que o perplexo visitante nem pensava possíveis de existir. Tons inteiros, meios-tons, quartos de tons, uma policromia verdosa que colore campos, bosques, reservas florestais, colinas e os onipresentes vales. De tirar o fôlego.


ILHA DE SKELLIG MICHAEL

Mas, recomponha-o rapidamente para percorrer o Ring of Kerry, um circuito que leva até o mar por estradas que margeiam o recorte tortuoso da costa atlântica, salpicadas de miradouros de vistas inesquecíveis, como o que permite contemplar à distância as rochas de Skellig, agudas e míticas agulhas de pedra que, neste ano, estão servindo de location para o filme Star Wars 7. A relação com o cinema continua em Waterville, uma charmosa vila praieira onde Charlie Chaplin vinha passar férias. Siga em comunhão com o tempo, que pode sem aviso mudar de um ensolarado para um chuvoso verão em segundos. Ninguém se apoquenta, pois a chuva é sempre benfazeja e, assim como aparece, some atrás das colinas. Com ou sem ela, pare no Ladies View, um belvedere obrigatório para quem quer ver, ainda uma vez, o espetáculo grandioso da união quase mitológica de céu, terra e oceano. 

IGREJA DE KILMALLKEDAR
No dia seguinte, um outro passeio imperdível – a Península de Dingle. Vá e veja a história da Irlanda desenrolar-se na sua frente, desde a fusão dos deuses antigos dos celtas e suas runas com a cruz católica trazida pelo padroeiro Saint Patrick, às fortalezas de pedra murmurando gravemente um passado de lutas tenazes contra vikings e normandos. O Oratório de Gallarus, erigido há mais de 1.300 anos, a igreja de Kilmallkedar e seu cemitério milenar e mais castelos da Baixa Idade Média compõem um mosaico que mistura sacerdotes druidas com santos católicos numa simbiose histórico-religiosa que está na medula do povo irlandês. Acha suficiente? Pois não é! Ainda tem as extensões de campinas verdejantes que descem em direção às praias. Hollywood outra vez – na Península foram rodados vários filmes, entre os quais Ryan´s Daughter (A Filha de Ryan, 1970), uma das muitas obras-primas de David Lean, com Sarah Miles e Robert Mitchum, e Far and Away (Um Sonho Distante, 1992), estrelando Nicole Kidman e Tom Cruise. Na volta, pare na vila piscatória que dá nome à região e delicie-se com uma oferta de frutos do mar. E, por que não, com a companhia de uma caneca de Guinness...

Não perca o ritmo. Depois de dormir embalado pelas lendas de cavaleiros galantes, duendes travessos e lindas princesas, acorde para atravessar o Parque Nacional de Killarney e mergulhar mais fundo no passado entrando pelas ameias do Castelo de Ross, do século XV e passeando de barco pelo Lough Leane, o Lago do Conhecimento, até a ilha de Innisfallen, onde, no ano 640, São Finian construiu o primeiro mosteiro católico em terras de Irlanda. Perto dali, ficam as fazendas tradicionais de Muckross, mantidas em seu puro estado original para que possamos ter uma nítida visão da vida rural irlandesa na primeira metade do século passado. Aos que, como eu, foram criados em cenários semelhantes de Minas Gerais na década de 1940, é o mesmo que entrar numa máquina do tempo. No fim, a cereja do bolo – percorrer, ao trote de uma carroça puxada por uma incansável égua malhada, o Gap of Dunloe, uma falha geológica serpenteando seu verde e seus lagos por entre duas montanhas de granito. Não há como descrever a beleza extraordinária de mais este encanto de Kerry. Só indo lá para ver...

MOSTEIRO DE INNISFALLEN
O DIA-A-DIA NO ROSS CASTLE

























E, finalmente, um merecido descanso. Como ninguém é de ferro, devore uma generosa porção de um Irish Stew (carne de cabrito, batatas, alho-porro, couve, cenoura e aipo) ao som de canções tradicionais num típico restaurante irlandês. Como saideira, um potente irish coffee. Feito com Jameson, naturalmente...

Oswaldo Pereira
Agosto 2014 



Um comentário:

  1. E uma pena que nas duas vezes que eu fui à Irlanda eu ainda não tinha lido sua crônica. Numa delas, quando passei 20 dias fazendo um tour pelo pais, fui a Kerry, vi muitas coisas super interessantes, coloquei casaco para ir a praia, chuva intermitente, a praia onde filmaram Ryan's Daughter, etc ...
    Adorei ir aos pubs, a musica, a simpatia do povo, o qual toma mesmo cerveja quente nesses pubs. Adorei ler esse texto, o qual me fez voltar a esse encantador pais ! Merci !

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