À minha mulher, minhas filhas, minha nora, minhas netas e a todas as mulheres do mundo.
“Estou
no fundo da caverna. Sou fêmea, sou parideira. Sou quem vela na noite fria, sou
quem amamenta a cria.
Sou
concubina do Faraó. Sou Rainha do Nilo. Sou escrava. Sou eu quem azeita as
cordas que puxam os blocos de pedra. Sou tudo e sou nada.
Sou
o esteio do lar. Sou mulher de Atenas. Também sou hetaira, poetisa, musa. Sou
Helena de Tróia. Sou deusa no Monte Olimpo, sou Medusa, sou aquela que vê o
Futuro, pitonisa, temida, amaldiçoada.
Sou
Messalina, sou Vênus, sou Diana. Sou loba romana. Sou mulher de César. Venho da
savana africana, sou vendida no mercado. Sou carne para os vencedores, entregue
aos gladiadores. Sou jogada na arena. Sou
Maria, Madalena.
Sou
mulher de Átila, sigo os exércitos. Às vezes me pinto e sou guerreira. Atravesso
o gelo dos Alpes com um filho nos braços. De quem? Não sei. Somos bárbaros, sou
cria da batalha, sou nascida pelas estradas do império que morre.
Sou
castelã enclausurada. Sou Joana d’Arc, sou freira. Sou santa, sou feiticeira e
ardo na fogueira dos homens. Valho menos que novilhas, me trocam por cabras,
ovelhas. Sou menos que nada, sou estorvo.
Sou
Mona Lisa, Julieta e Capuleto. Sou Bórgia, sou papisa. Sou amante,
meretriz. Também sou de Aviz, vendo meus
homens partirem para além da Taprobana. Sou índia das Américas, vivo na China
dos sonhos, meu filho mestiço será.
Sou
Maria Antonieta, comam brioches enquanto minha cabeça me diz adeus na
guilhotina. Morro num minueto de tísica,
sou La Marseilleise, parto para o Novo Mundo. Sou Carlota Joaquina, Catarina de Bragança, mas longe está ainda a esperança
de ser cidadã.
Napoleão
matou meus filhos, meu marido e meu pai. Só vejo cruzes no lugar de arados.
Enquanto eles constroem países nas Américas, eu desapareço na rotina num mundo
de segunda classe. A Revolução
Industrial ferve nos altos fornos e eu continuo a limpar a fuligem do rosto de
meus homens cansados.
Allez
op! Aí vem o século da luzes. Paris rebrilha, o avião voa, o telefone fala, o
navio afunda. Eu danço o can-can, empunho minha bandeira e quero falar, quero
votar, quero SER. A Guerra vira hecatombe e eu vou para os hospitais, para as
fábricas. Agora, eles vão ver o meu valor. Será?
Sou
viúva, sou órfã, sou mãe a quem amputaram um filho. O pranto seco que não chora
mais. E eles não entendem, não ouvem.
Estão vestindo novamente os uniformes, cheios de si. Vai-nos restar a espera.
Vão ter que nos valer as preces. Cemitérios frios, nova lápides, invernos
vazios.
Sou
doméstica de luxo em anos dourados. Eles nos regalam, amorosos e confiantes.
Uma nova batedeira, o fogão ultramoderno, a
lava louças que só falta falar. Mas, e EU?. Eu quero falar, eu quero
dizer. Algumas de nós, com a coragem dos desatinos, cruzaram a fronteira. Muitas
foram abatidas pelo tiro certeiro do preconceito.
Finalmente, sou
hippie, livre, leve e solta. Sou dona do meu ventre. A pílula parte as algemas
e eu VOU. Ninguém me segura, sou energia pura. Aventais só por escolha, e quero
mais. Quero o mundo, quero ir fundo na aventura de viver. Quero ser senhora do
destino, dona do meu nariz. Vou partir. E você, quer vir?”
Oswaldo
Pereira
Março
2014
Obrigada por se lembrar de mim, de nós. Muito interessante o texto.
ResponderExcluirLa Salette
Lindíssimo texto poético realista mas cheio de alusões mitológicas. Isso torna-o mais belo.
ResponderExcluirFoi dedicado às Mulheres, e isso faz-nos sentir, por vezes, reconhecidas.
Não propriamente por ser o Dia da Mulher (data que não me diz rigorosamente nada já que não sou feminista). Todos os dias são Dias da Mulher, do Homem e da Criança e assim por diante... Todos os dias podemos, através dos nossos actos, engrandecer a Humanidade
Paula Calisto (comadre da La Salette) que mo recomendou.
Obrigadíssimo, Paula, pelos seu tão gentil comentário. Espero que continue gostando deste despretensioso blog. Abraços
ExcluirMagistral o texto sobre as mulheres, eu o subscrevo inteiramente. Aí, espremo a cabeça para dizer mais alguma coisa e o que me vem é que existem dois conceitos de mulher: um corresponde à mulher que de fato é no mundo físico, a que concretamente existe, a mulher objetiva; o outro conceito corresponde à mulher que existe dentro de cada homem, é a mulher subjetiva. Essa última, que pode ser brilhante como uma fada, ou sombria como uma bruxa, habita o âmago das almas masculinas, e é por elas que nos apaixonamos e nos matamos, é também delas que nos vêm inenarráveis momentos de êxtase e de desespero. Jung a chamava de anima . E creio que foi ela que você, Oswaldo, pintou com sua costumeira maestria. Parabéns.
ResponderExcluirObrigado Marcos. Você definiu bem e é essa a nossa saga primordial. Conviver com um ser superior a nós, toscos machos, e tentar entender todo o mistério. O nosso colega Arnaldo Jabor escreveu algo sobre isso em sua coluna de terça feira. Somo todos aprendizes...
ExcluirBoas palavras! Bom tempo! 2014.Emoção mais livre, boas idéias. Um texto comovente.
ResponderExcluirObrigada.
Parabéns!
ResponderExcluirProf. Lamartine Bião Oberg
www.biaobresil.com (França)