quarta-feira, 8 de maio de 2013

O BURACO




Coisas do Rio antes do Passos, coisas que registradas no tempo, talvez possam parecer, às gerações futuras, fructo da mais deslavada fantasia, da mais ousada e petulante farsa. Esse buraco é uma dellas. Os prefeitos da cidade parecem, no começo do século, em sua maioria, estrangeiros que não se podem interessar pela terra onde mandam, já porque nella não nasceram. Já porque só buscam, na mesma, apenas, meios de estabelecer, garantir fortuna, ou prestígio na Política. A cidade é uma vergonha para a civilização americana. É a mesma cidade colonial de 1801. Sem tirar nem pôr – suja, atrazada e fedorenta.
Ora, em frente à Colombo, certa vez, para fazer-se uma obra urgente, cabouqueiros da Prefeitura, açodados e activos, abrem profunda cova. Mas, terminada a obra, não a fecham.
Como a cidade é um crivo de buracos, pouco se nota o augmento de mais um. O transeunte que vem apressado, descendo a rua Gonçalves Dias, olha a bocca hiante do abysmo – aliás sondável – faz, naturalmente, uma volta, mãos solicitas, tendo posto sobre o monte de terra que lhe fica á beira este amável letreiro:
Cuidado com o buraco!...
Quando chove, a cova torna-se em pequenino lago, com o sol, mais ou menos depois, uma fossa lamacenta e cheia dos mais sórdidos detritos.
Lebrão pede aos follicularios que frequentam a sua confeitaria, que façam reclamações pelas gazetas. Gemem prelos. Há commentários chistosos sobre o caso. Um theatro chega a anunciar uma revista que, então representada, faz sucesso. Chama-se O BURACO.

Sepultura de prefeitos
Este buraco ahi está
Já cahiram dois sujeitos
Um terceiro cahirá

É o cumulo. Acha-se, nisso tudo, muita graça! Mas a cova persiste...”

Este relato faz parte do livro “O Rio de Janeiro do Meu Tempo”, do escritor e membro da Academia Brasileira de Letras Luís Edmundo de Mello Pereira da Costa (1878/1961) que, além de cronista emérito, foi também jornalista (do Correio da Manhã), poeta, teatrólogo e orador.

Embora escrito em 1938, o ”meu tempo” de Luís Edmundo refere-se ao Rio da virada do século, antes de Francisco Pereira Passos, o “Chico Bota-Abaixo”, assumir a prefeitura e comandar a mais dramática mudança já experimentada pela cidade e que a colocou nos trilhos de um caminho ascendente até ser chamada, mais tarde, de “Cidade Maravilhosa”.

No período descrito no livro, o Rio tinha 600 mil habitantes, vielas descuidadas e insalubres iluminadas a gás, com a malária rondando em cada esquina, mal pavimentada e suja. Invejava Paris, mas cheirava a esgoto. Mesmo assim, o jeito carioca achava razões de sobra para encher as ruas de tipos folclóricos e inesquecíveis, para abrigar companhias teatrais de algum renome, para festejar uma intelectualidade literária da melhor qualidade, para comer e beber em restaurantes e confeitarias com trejeitos do primeiro mundo europeu.

Nesta obra de três volumes, hoje em dia disponível para consulta ou download no site “Domínio Público”, o autor monta um riquíssimo painel da cidade prestes a ganhar sua maioridade das marretas e dos andaimes do futuro. E que também convive com problemas os quais, apesar de tudo, ainda a afligirão mais de um século depois...


Oswaldo Pereira
Maio 2013


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