O
roteirista e diretor de cinema coreano Hwang Dong-hyuk teve sua ideia recusada
por 10 anos. Produtores e atores simplesmente não se deixavam empolgar por ela
e, mesmo obtendo sucesso como realizador do filme policial Silenced em
2011, sua criação ficou engavetada uma década.
Mas,
aí chegou a Netflix. Ainda sem acreditar muito no projeto, o canal gigante
resolveu apostar numa estranha história que misturava brincadeiras infantis com
uma alegoria violenta sobre a condição humana e sua brutal face quando levada a
limites extremos.
O
sucesso foi (e está sendo) retumbante. Com um retorno, até agora, na ordem de
quase US$900 milhões, a série já é a maior contribuição para os cofres da
provedora com sede na Califórnia e que atualmente possui mais de 280 milhões de
assinantes.
Como
nada é totalmente perfeito, Round 6 (ou melhor, Squid Game) vem
recebendo duras críticas de associações parentais, que acusam a série de exercer
perigosa influência sobre os jovens, incentivando-os a replicar em seus ambientes
escolares as mesmas regras cruéis da ficção trágica.
Acabei
de assistir aos 9 capítulos que compõem a temporada.
Há,
claro, violência explícita, tiros para todo o lado e muito sangue. Mas, nada
muito mais do que eu tenho observado em dezenas de filmes e streamers televisivos
policiais, de terror ou até em uma grande quantidade de joguinhos RPG à disposição
da garotada.
Talvez
o diferencial venha da associação da trama sanguinária a brincadeiras infantis.
Mas, batatinha 1-2-3, bolas de gude e cabo de guerra, por exemplo, tiveram seu
tempo numa juventude de um século atrás e, hoje, já saíram das práticas recreativas
do jardim de infância e do primário. Pode ser que, na Coreia, elas ainda carreguem seu impacto,
como a modalidade que dá nome à série – O Jogo da Lula.
O
que define Squid Game, entretanto, é a análise crua que faz do
comportamento humano diante de seu mais crucial desafio – a sobrevivência. O
teste de moralidade permeia todos os capítulos, exacerbando-se em função de uma
equação que envolve algumas centenas de indivíduos falidos, endividados e transformados
em párias da sociedade competitiva numa luta por um prêmio milionário, com
apenas duas opções: o dinheiro ou a morte.
Outro
ponto cardeal do trabalho de Dong-hyuk é o tratamento visual dado à trama.
Cores, cenários, mis-en-scènes e planos fazem um contraponto instigante à
rotina de massacre e à aridez de sentimentos dos algozes encapuzados. Tudo parece
lúdico demais, ao lado de uma frieza assassina.
Mas,
parece que foram estes mesmos ingredientes que determinaram o sucesso
planetário de Squid Game. E a insana dedicação do seu roteirista-diretor
durante as filmagens. Perfeccionista e obstinado, Dong-hyuk acabou sofrendo
vários períodos de depressão enquanto a série era gravada, o que lhe acarretou
a perda de seis dentes. Isto, e o fato de que ele próprio, dadas as condições
contratuais com a Netflix, pouco lucrou, fazem com que a existência de uma
segunda temporada esteja em avaliação.
Para
nós, ocidentais, várias coisas chamam a atenção. Nomes, usos e costumes pouco
têm referência com os nossos. Sae-byeok, por exemplo, nome de uma das
personagens, é considerado lindo (!?). Vários jogos, como o ddjaki,
que consiste em atirar um envelope sobre outro colocado no chão, com o objetivo
de virá-lo, e que poderia trazer reminiscências do patrício bater figurinhas
(ó galera menor de 60 anos – pesquisem...), não encontram referências tupiniquins. A
própria brincadeira que batiza a série não é conhecida aqui. Dizem que isto fez
com que o título no Brasil tenha sido mudado para Round 6, já que a mortal
competição tem seis etapas. Mas, só aqui a série tem este nome. No resto do
mundo, ela é Squid Game, Jogo da Lula. Será que houve alguma razão política?...
Não
sei se a tchurma mais velha vai gostar do tema e da qualidade
interpretativa dos coreanos. Há uma coleção de expressões corporais e faciais
que vão levantar muitas sobrancelhas. Mas, não é bem por aí. O grande mérito de
Round 6 é a mensagem que traz sobre quão frágeis são os nossos cultuados conceitos
de solidariedade e amor ao próximo.
Oswaldo
Pereira
Novembro
2021