“Um bebop com uma vibração swing, acoplada a um solo perverso, sinistro e distorcido de uma guitarra elétrica....”. Assim descrevia o compositor David Arnold a composição que Monty Norton acabara de produzir. E aduzia que era perfeita para emoldurar a personalidade arrogante, presunçosa, confiante, perigosa, insinuante, sexy e incontrolável do personagem a que a peça musical iria servir de introdução.
Norton a compusera em apenas dez minutos. E, servindo de fundo à primeira gun barrel scene (a cena do cano do revólver) da série, a melodia eternizar-se-ia como o “Tema de James Bond”, os acordes que iriam, onde quer que tocados pelas próximas décadas, acoplar-se indelevelmente à figura do mais famoso agente secreto de todos os tempos.
E é assim que começa Dr. No. A seguir, a sequência dos créditos iniciais, talvez datada para os olhos de hoje, tornou-se um marco para a época. O trabalho de Maurice Binder iria servir de parâmetro e inspiração para uma dinastia de programadores visuais da década que se iniciava.
O roteiro do filme era baseado no sexto livro de Ian Fleming sobre seu herói, escrito em 1958. Os roteiristas, Johanna Harwood e Berkely Mather, procuraram seguir o plot básico de Fleming, mas muita coisa teve de ser adaptada, não só em função do limitadíssimo orçamento, como também devido ao panorama internacional. Estávamos em plena Guerra Fria e identificar os russos como inimigos era um ponto sensível. Assim, Harwood e Mather resolveram antecipar o aparecimento da temível organização terrorista SPECTRE, coisa que só aconteceria no livro Thunderball, escrito em 1961, e livrar a cara dos soviéticos como responsáveis pelas forças do mal.
FLEMING E CONNERY |
Além disso, alguns preciosos detalhes da persona de Bond acabariam por ser introduzidos por Terence Young, o diretor escolhido pelos produtores Harry Saltzman e Albert Broccoli. Young era um bon vivant. Conhecia bem seus vinhos, seus cigarros, seu guarda-roupa apurado e o refinado estilo de vida do jet-set internacional. Assim, ele acabou por instilar na imagem de Bond muito da natural sofisticação que iria marcar o comportamento de 007 nas produções seguintes.
TERENCE YOUNG & SEAN CONNERY |
O filme começa com o assassinato de John Strangways, chefe de operações do MI6 na Jamaica, o que determinará a ida de James Bond para Kingston. A convocação do agente por um funcionário da agência de espionagem britânica no Le Cercle de Londres tornou-se uma das cenas mais icônicas de sua época. Bond está numa mesa de chemin de fer, uma variante do jogo baccarat. Sua “adversária” é uma socialite chamada Sylvia Trench, que está a fim de apanhá-lo, não apenas nas cartas. No início, só as mãos de Sean Connery aparecem, manuseando o dispensador de cartas e uma cigarreira de prata. É somente quando Trench pergunta seu nome que o rosto surge. E aí, Bond... James Bond, uma das mais famosas falas cinematográficas de sempre (em 2001, foi eleita the best-loved one-liner in cinema, a mais amada frase curta do cinema) acontece, sublinhada em surdina por alguns andamentos do James Bond Theme. Se quiser rever a cena, clique neste LINK.
O enredo prossegue com Bond encontrando-se com Felix Leiter, agente da CIA americana e envolvendo-se cada vez mais no mistério que cerca Crab Key, uma ilha ocupada pelo vilão Dr. No. Nesse percurso, ele conscientemente enfrenta uma armadilha preparada por um assecla de No, o geólogo Professor Dent. A eliminação de Dent, já sem balas em seu revólver, por Bond causou um verdadeiro frisson. Era a primeira vez que um representante do Bem matava um inimigo a sangue frio e sem ser em legítima defesa.
A essa altura, Bond já contabilizara aventuras amorosas com a própria Sylvia Trench e com Miss Taro, uma secretária cúmplice de Dent. Nada comparável, entretanto, com o que viria a seguir. Depois de passar uma noite dormindo nas areias de Crab Key, para onde ele navegara durante a noite acompanhado de Quarrel, um pescador arregimentado pela CIA, Bond é acordado por uma cantarolante voz feminina. Iria ter início uma aparição que ajudaria a perpetuar o cinema dos anos 1960.
(continua)
Oswaldo Pereira
Dezembro 2021
Parabéns! Texto de grande interesse para todas as gerações!
ResponderExcluirObrigado. Afinal, estou procurando dar uma ideia, não só dos filmes, mas também da época e do contexto em que foram feitos.
ExcluirContinua Oswaldo, está super interesante.
ResponderExcluirsaber esses detalhes.
Emilio Gonzalo
Valeu, Almirante. Vou continuar.
ExcluirCaro Oswaldo. Excelente a ideia desse 'revival' sobre os inesquecíveis filmes de J. Bond, sua época e seu contexto. O interesse cresce na medida das publicações e vale registrar a "fugida" aos links que, com maestria, você disponibilizou. Trabalho extraordinário e um arquivo admirável. Parabéns, meu caro.
ResponderExcluirZeca
Caríssimo Zeca,
ExcluirUma série cinematográfica que sobreviveu com sucesso 60 anos merece um registro. Até porque ela conviveu com os mais fantásticos anos da humanidade. Depois da hecatombe da Guerra, a segunda metade do século XX e os primeiros anos do XXI trouxeram mudanças radicais, sejam elas tecnológicas ou sociais. Somos aqueles privilegiados que viram não só a mudança de um século, mas a passagem de um milênio.
Cada vez mais elaborado... agora com link .... esmpre um tema interessante...revival..
ResponderExcluirE a saga vai continuar...
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