domingo, 23 de dezembro de 2018

NATAL 2018






FELIZ NATAL PARA TODOS!

AOS MEUS ABNEGADOS LEITORES, DESEJO UM NATAL CHEIO DE PAZ & AMOR

E, PARA NÃO PERDER A TRADIÇÃO, AÍ VAI MAIS UM

 CONTO DE NATAL 




“24 de dezembro. Oito da noite. Uma vila no norte da Estragônia Setentrional.

«Não acredito, não acredito, NÃO ACREDITO!!»
O pai e a mãe entreolham-se. E depois, olham para o filho, sete anos, na mais completa contestação. O pai tenta argumentar.
«Mas, filho, é claro que ele existe. Quem é que você acha que coloca os seus presentes ao pé da árvore, na noite de Natal, enquanto você dorme? E quem...»
O filho não o deixa terminar.
«Ora, papai, não me faça de bobo. Na escola, os meus colegas já me contaram tudo. Fizeram até troça de mim. Quem coloca os presentes são os pais!»
A mãe ainda tenta.
«Mas...»
«Que mais que nada. Vocês me enganaram!»
E vai correndo para o seu quarto, batendo a porta atrás de si.

O silêncio da consternação abate-se sobre a pequena sala. Até as luzes do pinheiro comprado há dias parecem abrandar sua intensidade colorida. A mãe pergunta.
«E agora? Sem ele crer nesta nossa encenação, a Noite perde o sentido...» Seus olhos estão úmidos. O pai procura racionalizar.
«Bem... Mais cedo ou mais tarde, ele iria mesmo descobrir que Papai Noel não existe. Acontece com todo o mundo, faz parte das dores do crescimento.» A mulher retruca.
«Pare já com este seu cinismo costumeiro! Se ia acontecer mais cedo ou mais tarde, por que não mais tarde? Por que perdermos mais esta magia? Nosso filho sonhando com o bom velhinho trazendo os seus presentes, a inocência de seu olhar, a alegria em seu coração menino...»
«Ora, vamos mas é parar com este drama. As coisas são assim mesmo. As pessoas crescem. Amadurecem. Perdem algumas fantasias, perdem...» A mulher está irada.
«Cale-se! Vá já mas é resolver este problema. Sem aparecer um Papai Noel aqui em casa, não vai haver ceia, ouviu bem?»
«Resolver?! Mas, como? São oito da noite. Está tudo fechado nesta vila. Está escuro e frio lá fora...» A mulher vira-lhe as costas.
«Não me interessa! Vire-se!»

Cinco minutos depois, ele já está do lado de fora da porta, o pesado capote com a gola levantada, o vento gelado quase arrancando seu gorro, as mãos enluvadas nos bolsos. Ninguém nas ruas. Para complicar, há uma névoa espessa. Ele quase não enxerga um palmo à frente do nariz. Mas, ele sabe que tem de tentar achar uma solução. Seu amor de pai cutuca-lhe o coração. E ele começa a caminhar sobre a neve.

Passado um quarto de hora, ele se sente perdido. O fog ficou mais grosso. Sabe que andou em direção à praça principal da vila, mas agora não tem mais certeza. Aos poucos, começa a enxergar um clarão alaranjado, muitos metros à frente. Vai chegando. E, então, ele vê.

Segurando um candeeiro, um homem alto e gordo está encostado num muro, como que à espera de alguma coisa. Com cautela, ele saúda.
«Olá... Como vai?»
O homem solta uma larga risada. Prestando mais atenção, ele nota que o desconhecido está vestido com calças largas e bufantes, um casaco curto com golas de pele e um barrete na cabeça. Vermelhos. As botas negras apoiam-se firmes na neve.
Ele arregala os olhos, enquanto o outro lhe pergunta, entre mais risadas.
«Surpreso?»
Ele sente-se um pouco inseguro.
«É... Desculpe, mas quem é você? E o que faz aqui?... Posso tentar chamar alguém e...»
O homem afasta-se do muro. Parece amistoso.
«É claro que você sabe quem eu sou. E o que estou fazendo aqui, agora.»
Ele procura resistir à sensação estranha que o invade lentamente.
«Não... Não sei...»
«Ora, vamos. Com esta indumentária, esta risada que mais parece um urso com soluços. E nesta noite? O que você acha?»
Ele se refaz um pouco.
«OK, qual é a pegadinha?»
O outro fita-o nos olhos.
«Pegadinha?! Não há nenhuma pegadinha, amigo. Sou eu mesmo. O próprio. Papai Noel, em pessoa.»
Ele começa a rir.
«Ora, cara. pensando que eu sou trouxa? Papai Noel não existe.»
Nova risada cavernosa.
«Não existo? Espere um momento...»
O homem endireita o torso e solta um curto assobio. Da escuridão, saem três renas. Estão com os chifres enfeitados e têm o olhar doce. Ele levanta o braço, num gesto de apresentação
«Prancer, Dancer e Vixen.»
«Bem... E daí? Às vezes, aparecem umas renas lá nas montanhas... Estas podem ter vindo da...»
O outro torna a assobiar. Mais uma rena aparece. Só que esta tem o nariz de um encarnado brilhante.
«E este é Rudolph... Venha»
Levantando o candeeiro, o homem dirige-se para o final da pequena rua. Uma sombra larga vai sendo clareada e revelando suas formas. É um imenso trenó, de desenho elaborado e festivo, com um enorme compartimento na parte de trás. Está atulhado de sacos vermelhos de vários tamanhos. Ao chegar perto, o homem aciona um botão e o trenó ilumina-se. São milhares de luzinhas de todas as cores, piscando incessantemente.
«E então?...»
Ele está desnorteado. Embora parte de seu cérebro lute contra, a magia do momento quer sucumbir seu ceticismo. Por que alguém estaria aqui, nesta noite agreste, fingindo ser Papai Noel? Quais as chances de isto acontecer numa vila perdida na Estragônia Setentrional?
O homem fala com voz alegre.
«Você me perguntou o que eu estava fazendo aqui. Pois estava esperando seu filho adormecer para lhe levar os presentes. Está na hora. Vamos.»

Cinco minutos depois, o trenó está parando na frente da porta. A vinda foi tranquila, parecia que as renas sabiam de cor o caminho, mesmo através da neblina. Com cuidado, eles entram na casa.

Os olhos da mulher brilham, banhados em lágrimas de cristalina emoção. «Como você conseguiu?...» Ele leva os dedos aos lábios. «Shhh... Depois eu explico.» Com a mão, indica o quarto do menino. «Por aqui, Papai Noel...»
Os três entram. Enquanto os embrulhos são colocados ao pé da cama, o menino acorda. Olha com intensidade para a figura que despeja seu saco encarnado. Depois, com um pouco de contrariedade, resmunga.
«Ora, papai, não adianta tentar me enganar. É você vestido de novo de...»
O pai sai da sombra.
«Eu estou aqui, filho.»
O rosto do menino transforma-se num súbito encantamento.
«Papai Noel... Você existe...»

Enquanto o menino fica no quarto desempenhando-se da alegre rotina de abrir os presentes, os outros três dirigem-se para a porta de saída. O pai, ainda profundamente emocionado, fala.
«Obrigado, Papai Noel. Não sei como lhe agradecer.»
O outro solta um sorriso curto.
«Agradecer?!» Leva a mão ao bolso superior do casaco e tira um cartão. Nele, está escrito:

JOÃO DA SILVA
Personal Papai Noel

«São 250 dólares.»
O pai entra em choque.
«Mas, como assim?... Você então não é o...»
O outro olha, intrigado.
«Espera aí... Não acredito... Você pensou MESMO que eu era o Papai Noel de verdade?»

Oswaldo Pereira
Dezembro 2018

domingo, 16 de dezembro de 2018

INVERSÃO DE VALORES



Deu no GLOBO:

As lixeiras laranjinhas da COMLURB têm sumido das ruas da cidade. Repórteres do GLOBO percorreram 1,5 quilômetro da orla de Ipanema e encontraram apenas uma.
A COMLURB alega que parte foi furtada ou vandalizada. Diz também que algumas foram recolhidas para manutenção e serão repostas para o revéllion, as férias escolares e o carnaval.
Melhor pedir aos cidadãos que só descartem lixo em épocas de festas ou férias escolares.

Esta última frase é um exemplo típico da posição da mídia brasileira com relação a culpabilidades e responsabilidades. Quer dizer, uma parte da população quebra, estraga, rouba e destrói um bem público e o pequeno editorial empurra toda a culpa em cima da COMLURB. Isto, para mim, é uma tremenda inversão de valores.

E isso vem de longe. O posicionamento jornalístico (e estamos falando aqui de todas as formas de jornalismo, noticioso e editorial, falado, escrito e televisivo) brasileiro segue a linha da santificação do malfeitor, da glorificação do bandido, da glamurasização do ladrão romântico. Um episódio icônico foi o tratamento dado a um dos assaltantes do trem pagador britânico, o inglês Ronald Biggs, que aqui viveu foragido durante quase três décadas, bajulado pelos informativos nacionais com status de grande celebridade. Só voltou ao seu país no fim da vida, doente. E lá esperava-o a pena e a prisão pelo crime contra a sociedade que havia cometido.

Continuando, não quero aqui dizer que a nossa Polícia Militar seja isenta de problemas. Dentro da corporação, há, sabidamente, elementos tão mal-intencionados como os criminosos que ela tem como dever perseguir e prender. (Como parênteses, quero revelar que, nas duas únicas vezes nas quais tive contato pessoal em situação de emergência com policiais militares, uma delas num momento de muita tensão durante um assalto ao prédio onde moro, o seu comportamento foi de extrema competência e profissionalismo.) Sua atuação, entretanto, nos sangrentos confrontos, que se tornaram o dia-a-dia de muitas comunidades nos grandes centros, revela, às vezes, o despreparo de seus soldados e oficiais e a truculência de seus métodos.

E, quase sempre, é só este lado negativo que a nossa imprensa se compraz em divulgar, como se os pecados cometidos pela PM servissem de absolvição para as ações dos bandidos.

Se queremos viver em segurança, é preciso entender que o crime é uma ruptura da ordem. Nos países em que vivi fora do Brasil, a sociedade percebe e aceita a noção de que, ao se propor iniciar um comportamento que ponha em perigo ou traga intranquilidade aos cidadãos, o indivíduo é responsável pela reação das forças de preservação da Lei, que, afinal, são pagas por aqueles próprios cidadãos.

Assim, culpar somente a coitada da COMLURB pela escassez de latas de lixo é isentar de responsabilidades aqueles que as depredam e roubam. É contra eles que o pequeno editorial do GLOBO devia ter-se voltado.

Oswaldo Pereira
Dezembro 2018

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

BIOGRAFIAS





Semana passada, morreu um dos mais conhecidos diretores de cinema europeus, o italiano Bernardo Bertolucci. Da mesma privilegiada safra que revolucionou a arte de fazer filmes, Bertolucci pode ser equiparado sem reservas a Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Franco Zefirelli e Sergio Leone. Entre as décadas de 1950 e 1980, só para ficar na Itália, eles fizeram o diabo, reescrevendo o manual de como contar estórias através da telona, mudando o ritmo, espantando conceitos, revirando de pernas para o ar as regras da métrica adotada, desde os anos 30, por Hollywood.

Foram várias as homenagens, como não podia deixar de ser, a um mago da sua estirpe. Cenas de suas premiações anteriores, extratos de suas filmagens, mensagens de atores, críticos e colegas diretores inundaram os noticiários, mundo afora.

Em todas as suas alusões biográficas a Bertolucci, entretanto, a mídia internacional considerou como momento indispensável, como instante fulcral de uma carreira que teve exemplos de extrema maestria em 1900, O Céu Que Nos Protege, Beleza Roubada, La Luna e o premiadíssimo O Último Imperador, a tristemente famosa “cena da manteiga” de O Último Tango em Paris, em que Marlon Brando e Maria Schneider encenam um episódio de sexo anal. Presente em quase todas as citações à obra do grande cineasta, deixa a sensação de que, às vezes, a imagem para a posteridade de uma pessoa pública é construída a partir de um momento menor, um descuido inconsequente que se sobrepõe ao verdadeiro valor de uma obra extensa e meritória.

Se assim podem ser as biografias, eternizando talvez apenas dez por cento de uma vida de grandes conquistas, deixando para a poeira do esquecimento os outros noventa, fico pensando nos cuidados que alguém, colocado num pedestal que lhe assegura um lugar nos livros da História, deve ter para que o futuro o registre favoravelmente. E, aí, pensei em Michel Temer.

Como Presidente do Brasil, Temer certamente será uma rubrica nos alfarrábios pátrios. Daqui a centenas de anos, seu nome estará na lista de governantes brasileiros, como hoje encontramos os nomes de Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Prudente de Morais, Hermes da Fonseca, homens que fincaram sua marca no solo político nacional. Todos têm seus verbetes nos compêndios bibliográficos. Qual será o verbete de Michel Temer? Será que ele se preocupa com isto?

Bem, pelos seus últimos atos, no ocaso de um governo inodoro, insípido e inoperante, parece que não. Ao aprovar um aumento inoportuno para os juízes do Supremo Tribunal Federal, cujo efeito em cascata onerará o orçamento da União em R$6 bilhões nos próximos anos, ceifando ainda mais o combalido estado de nossas infraestruturas na Saúde, na Educação e na Segurança, ele põe um ponto final vergonhoso em sua medíocre crônica pessoal.

E ao adicionar o post scriptum de um indulto de Natal que, praticamente, livra das garras da justiça algumas levas de corruptos, ele demonstra seu desapego quanto à imagem que deixará para o porvir. Em vez de rematar sua vida pública com honra, ele prefere o toma lá dá cá que o poderá proteger de ações penais que lhe deverão ser imputadas.

Um nojo.

Oswaldo Pereira
Dezembro 2018