quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

2021: UMA RETROSPECTIVA (?!)



A interrogação faz sentido. Retrospectiva? 2021 não merece. Êta ano chocho...

Poderia até ter sido o ano da Esperança, passar à História como o paladino da salvação, o ano da Vacina, a vitória final sobre o COVID. Esperava-se que o negror da Pandemia, o monstro que assombrou 2020 e marcou-o para sempre, se esfumasse depois das picadelas em todo o planeta. Qual o que...

O bichinho continua aí, ganhando apelidos gregos e driblando as imunizações, os cuidados, os lockdowns e os distanciamentos. Tudo indica que, como seu primo H1N1, não irá embora, ficará por aí nos assombrando, uma chatice crônica e incômoda. Estamos terminando o ano ainda às voltas com restrições, máscaras, dúvidas, terceiras doses e discussões sobre o passaporte sanitário.

Por isto, e por tudo o mais, este ano não aconteceu. E, no pouco que nos trouxe, foi dissimulado, evasivo e inconcludente.

A começar pela Política. Joe Biden não podia ser mais parecido com ele. Com um carisma de ameba desidratada, caiu como uma luva neste ano amorfo. E ainda carrega uma sombra imprevisível nas costas. Como dizem por lá, Kamala Harris is one heartbeat away (está a uma batida de coração) da presidência.

JOE BIDEN
Aqui, a polarização acirrou. Com Lula na liça, o confronto entre ele e Bolsonaro já inflama corações e mentes. Apesar de da mídia enraivecida e das CPI’s estapafúrdias, o Capitão ainda inspira o fervor dos mitos. A Terceira Via não está empolgando e conversas de bar e amizades estraçalham-se num debate virulento.

PRÉ-CANDIDATOS
Nos esportes, tivemos uma retomada da bola rolando, mas uma Olimpíada de estádios vazios. E, seguindo a linha de incompatibilidades políticas, já se apregoa um boicote aos Jogos de Inverno.

Nas artes, uma cerimônia de Oscars simplesmente desastrosa aconteceu num ambiente que mais parecia uma sessão de bingo para aposentados. Nomadland, o vencedor, é um filme sobre solidão. Nada mais emblemático. E foram embora queridas figuras, como Christopher Plummer e Sean Connery, lá fora, e Tarcísio Meira, Paulo Gustavo e Eva Wilma, aqui em Pindorama.

Foi-se também Phillip, o príncipe-modelo.  Angela Merkel terminou seu reinado. Erupções, tornados e aluviões somaram-se aos percalços da pandemia. Até a Web deu um soluço e o curto apagão nos mostrou o tamanho da nossa dependência.

Enfim, um ano que passou na sombra sinistra de seu antecessor. E que deixa em seu rastro uma Humanidade cansada e, em bom Português, de saco cheio.

Em algarismos romanos, o ano que vai nascer daqui a algumas horas escreve-se MMXXII. Tudo em dobro, como na visão do bêbado. Só espero que não seja repetitivo.  

UM FELIZ ANO NOVO PARA TODOS!

Oswaldo  Pereira

Dezembro 2021

domingo, 26 de dezembro de 2021

BOND 60: DR. NO (PARTE II)

 


A imagem da pescadora de conchas Honey Ryder, saindo das águas do Caribe com seu biquini branco e uma faca na cintura, marcaria para sempre, não só a filmografia de James Bond, como também a própria história cinematográfica da década de 1960. A cena seria repetida pelos anos afora, toda vez que alguém se predispusesse a oferecer uma resenha do cinema do século XX.

Depois do encontro nas areias de Crab Key, Bond, a garota e Quarrel escapam da perseguição inicial dos guardas de Dr. No, através dos rios e pântanos da ilha, mas acabam sendo confrontados com um dragão mecânico e armado com metralhadoras e lança-chamas.  Quarrel morre na refrega; Ryder e Bond são aprisionados e, após passarem por uma minuciosa descontaminação, drogados e paparicados, são levados à presença do vilão.

Após um sofisticado jantar, em um não menos sofisticado salão, durante o qual Dr. No procura em vão aliciar Bond para a sua organização criminosa, os convidados são aprisionados.

Bond, é claro, escapa da cela e, por um tortuoso sistema de dutos, consegue chegar à estação de controle, onde No se prepara para interferir no lançamento de um veículo espacial americano. Utilizando uma indetectável técnica chamada toppling, o propósito é fazer com que os russos levem a culpa e provocar um conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética, que é o master plan da SPECTRE.

Bond consegue abortar a ação de No manipulando os instrumentos da estação e expondo um reator nuclear, o que dispara uma sequência de destruição que vai explodir todo o complexo de Crab Key. Não sem antes provocar a morte de seu inimigo numa luta final e libertar Honey Ryder. Os dois são encontrados horas mais tarde por Felix Leiter balouçando languidamente numa canoa ao sabor das ondas caribenhas. THE END.

 

O filme, apesar de seu diminuto orçamento (custou pouco menos de US$1 milhão – só para comparação, Cleopatra, produzido na mesma época, custou US$44 milhões), acabou por definir muitas das características que se tornariam permanentes na série e, principalmente, entronizar muitos dos atores nos papéis principais.

BERNARD LEE (M)







Bernard Lee, por exemplo, como M, o sisudo chefe do MI6, participaria de 10 filmes. Lois Maxwell, a inesquecível Moneypenny (fora inicialmente escolhida para o papel de Sylvia Trench, mas recusou por acha-lo sensual demais), continuaria por 14.

LOIS  MAXWELL (MONEYPENNY)


Alguns perderam o bonde, e decidiram abandonar seu personagem após Dr. No. Jack Lord (Felix Leiter) e Peter Burton (Major Boothroyd ou Q) não apareceriam nas próximas produções.

As figuras femininas, entretanto, foram um capítulo à parte. Pode-se dizer que o termo Bond girl nasceu no instante em que Ursula Andress, uma atriz suíça de 26 anos, emergiu do mar. Uma escolha de última hora (feita a partir do momento em que os produtores viram uma foto sua tirada pelo marido, o ator John Derek), Andress teve sua voz dublada no filme, dado o seu forte sotaque alemão.

Os ingredientes para o futuro estavam todos ali. E algumas notáveis coincidências. Dr. No estreou no London Pavillion em 5 de outubro de 1962. Costumo dizer que um raio cósmico deve ter cruzado os céus de Londres pois, no mesmo dia 5, era lançado, nas lojas de discos londrinas, o compacto de estreia de um novo conjunto, com P.S. I Love You de um lado e Love Me Do do outro. Eram os Beatles.

Onze dias depois, começava a Crise dos Mísseis Cubanos. Nem a SPECTRE poderia ter imaginado um cenário daqueles. A Guerra Fria esquentava. Nunca antes e, felizmente, nem depois, o mundo esteve tão próximo de uma guerra nuclear. A realidade copiava a ficção. E a ficção ganhava seu espaço. Até hoje, a bilheteria de Dr. No retornou 60 vezes o custo da produção. E contando....

(continua)

Oswaldo Pereira
Dezembro 2021

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

NATAL 2021




Um grande Natal para todos. E, em vez do tradicional conto, desta vez vai uma mini-peça.

Em algum canto do universo, há um clube onde os vírus importantes costumam se reunir. Lá, agora, estão apenas o H1N1 e o SARS-COVID

H1N1
Então, cara, não vai dar uma trégua?

SARS-COVID
Quem, eu?

H1N1
Só estamos nós dois aqui...

Uma pausa

SARS-COVID
Por que, você vai?

H1N1
Ué, quem sabe. Afinal, acho que eles merecem. Têm sofrido prá caramba, distanciamento social, lockdowns, máscaras o tempo todo... Acho que você devia... É Natal, poxa...

SARS-COVID
Olha quem fala. Não me consta que você teve esta consideração toda no seu tempo. Não deu a mínima para datas e efemérides, matou a valer no Natal, na passagem do ano...

H1N1
Ora, isto foi há mais de cem anos. Na época em que eu me chamava Espanhola. Já passou muito temp...

SARS-COVID
É, mas depois você mudou de nome e atacou de novo. Asiática... Como você consegue tanta mutação? Tenho até inveja...

H1N1
É, mas acabaram me neutralizando. Eu me mudo, e logo eles aparecem com uma vacina. Não meto mais medo a ninguém, nem aos velhinhos. Me tiram de letra. Já com você...

SARS-COVID (enchendo o peito com orgulho)
Pois é. Comigo o buraco é mais embaixo. E não adianta me darem nomes gregos. Não vão me pegar.

H1N1
Não se esqueça que todos os grandes laboratórios do mundo estão desenvolvendo vacinas a toque de caixa. Tem para todos os gostos. E pior. Contam com a ajudinha da OMS, dos Governos, da mídia...

SARS-COVID
São uns diletantes. E é tudo experimental. Não têm ideia do que estão fazendo. A OMS não sabe o que está falando. Resumindo, ninguém sabe droga nenhuma. E podem ir preparando outro alfabeto, para quando os alfas e betas acabarem. Que tal o sânscrito, ou o cirílico?...

H1N1
Cara, não seja assim... Que raiva da humanidade é essa? Por que não aceitar uma relação de respeito mútuo, como eu consegui. Apareço todos os anos, provoco um surto aqui, outro ali, todo mundo toma mais uma dose da vacina contra a gripe, os laboratórios ganham seu dinheiro e fica todo mundo feliz...

SARS-COVID
Não é tão simples assim. Não conte para ninguém, mas é que há interesses por trás disto tudo. Tem muita gente graúda que está lucrando zilhões comigo, além de alguns projetos de poder em andamento.

H1N1
Ora, caro SARS. Não me diga que você ainda crê em toda essa teoria da conspiração. Isto é balela para você se sentir mais importante. E, mesmo que fosse, não acha degradante se sentir usado? Pula fora desta ciranda política. Dá uma modulada nas suas atividades. Deixa a turma curtir o fim do ano em paz. Em 2022, você volta lá pelo verão europeu, joga uma quinta onda maneira, o pessoal leva mais uma picadinha e continua nas praias.

SARS-COVID
Sei não, H1N1. Talvez você tenha razão. Afinal, é bem mais velho que eu. Deve saber das coisas. Vou pensar...

E, enquanto ele pensa, vamos aproveitar o nosso Natal com muita Paz, Amor e, esperemos, muita Saúde.

FELIZ NATAL

Oswaldo Pereira
Natal de 2021

 

Obs.

Se você quiser curtir os meus escritos dos Natais passados, é só clicar no ano correspondente.


segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

BOND 60: DR. NO (PARTE I)







“Um bebop com uma vibração swing, acoplada a um solo perverso, sinistro e distorcido de uma guitarra elétrica....”. Assim descrevia o compositor David Arnold a composição que Monty Norton acabara de produzir. E aduzia que era perfeita para emoldurar a personalidade arrogante, presunçosa, confiante, perigosa, insinuante, sexy e incontrolável do personagem a que a peça musical iria servir de introdução.

Norton a compusera em apenas dez minutos. E, servindo de fundo à primeira gun barrel scene (a cena do cano do revólver) da série, a melodia eternizar-se-ia como o “Tema de James Bond”, os acordes que iriam, onde quer que tocados pelas próximas décadas, acoplar-se indelevelmente à figura do mais famoso agente secreto de todos os tempos.

E é assim que começa Dr. No. A seguir, a sequência dos créditos iniciais, talvez datada para os olhos de hoje, tornou-se um marco para a época. O trabalho de Maurice Binder iria servir de parâmetro e inspiração para uma dinastia de programadores visuais da década que se iniciava.

O roteiro do filme era baseado no sexto livro de Ian Fleming sobre seu herói, escrito em 1958. Os roteiristas, Johanna Harwood e Berkely Mather, procuraram seguir o plot básico de Fleming, mas muita coisa teve de ser adaptada, não só em função do limitadíssimo orçamento, como também devido ao panorama internacional. Estávamos em plena Guerra Fria e identificar os russos como inimigos era um ponto sensível. Assim, Harwood e Mather resolveram antecipar o aparecimento da temível organização terrorista SPECTRE, coisa que só aconteceria no livro Thunderball, escrito em 1961, e livrar a cara dos soviéticos como responsáveis pelas forças do mal.

FLEMING E CONNERY

Além disso, alguns preciosos detalhes da persona de Bond acabariam por ser introduzidos por Terence Young, o diretor escolhido pelos produtores Harry Saltzman e Albert Broccoli. Young era um bon vivant.  Conhecia bem seus vinhos, seus cigarros, seu guarda-roupa apurado e o refinado estilo de vida do jet-set internacional. Assim, ele acabou por instilar na imagem de Bond muito da natural sofisticação que iria marcar o comportamento de 007 nas produções seguintes.

TERENCE YOUNG & SEAN CONNERY








O filme começa com o assassinato de John Strangways, chefe de operações do MI6 na Jamaica, o que determinará a ida de James Bond para Kingston. A convocação do agente por um funcionário da agência de espionagem britânica no Le Cercle de Londres tornou-se uma das cenas mais icônicas de sua época. Bond está numa mesa de chemin de fer, uma variante do jogo baccarat. Sua “adversária” é uma socialite chamada Sylvia Trench, que está a fim de apanhá-lo, não apenas nas cartas. No início, só as mãos de Sean Connery aparecem, manuseando o dispensador de cartas e uma cigarreira de prata. É somente quando Trench pergunta seu nome que o rosto surge. E aí, Bond... James Bond, uma das mais famosas falas cinematográficas de sempre (em 2001, foi eleita  the best-loved one-liner in cinema, a mais amada frase curta do cinema) acontece, sublinhada em surdina por alguns andamentos do James Bond ThemeSe quiser rever a cena, clique neste  LINK.

O enredo prossegue com Bond encontrando-se com Felix Leiter, agente da CIA americana e envolvendo-se cada vez mais no mistério que cerca Crab Key, uma ilha ocupada pelo vilão Dr. No. Nesse percurso, ele conscientemente enfrenta uma armadilha preparada por um assecla de No, o geólogo Professor Dent. A eliminação de Dent, já sem balas em seu revólver, por Bond causou um verdadeiro frisson. Era a primeira vez que um representante do Bem matava um inimigo a sangue frio e sem ser em legítima defesa.

A essa altura, Bond já contabilizara aventuras amorosas com a própria Sylvia Trench e com Miss Taro, uma secretária cúmplice de Dent. Nada comparável, entretanto, com o que viria a seguir. Depois de passar uma noite dormindo nas areias de Crab Key, para onde ele navegara durante a noite acompanhado de Quarrel, um pescador arregimentado pela CIA, Bond é acordado por uma cantarolante voz feminina. Iria ter início uma aparição que ajudaria a perpetuar o cinema dos anos 1960.

(continua)

Oswaldo Pereira

Dezembro 2021

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

ÔMICRON


Não era para ser Ômicron.  Aliás, no início, as variantes do coronavírus eram identificadas por letras e números. O Sars-CoV- 2, o primeiro a ser catalogado em Wuhan, nos idos de 2019, foi batizado com a letra A. 

Com a rápida profusão, entretanto, de mutações do famigerado bichinho, números começaram a ser acoplados ao alfabeto, procurando estabelecer uma referência que indicasse a sua procedência, sua cepa e sua linhagem.

Logo, o sequencial iniciado por A.1, A.2 e assim por diante foi acumulando uma sopa de letras e números que incluíam B.1.2, C.30.1, criando uma enorme confusão nos órgãos responsáveis pelo controle da pandemia, na imprensa especializada e no público em geral.

O jeito foi lembrar do velho alfabeto grego. Alfa, beta, gama e família sempre foram os tradicionais aliados da ciência nas suas classificações e na sua nomenclatura.

Assim, o tenebroso vírus passou a ter seu sobrenome helênico o que, se não diminuía o incômodo de sua presença entre nós, pelo menos lhe emprestava uma certa respeitabilidade. Os delta, por exemplo, tiveram midiática exposição e tornaram-se celebridades perigosas.

Mas, alguma coisa aconteceu no caminho. Quando se esperava que, após o citado delta, viessem o épsilon e o zeta, as variantes descobertas a seguir no Peru e na Colômbia foram inexplicavelmente nomeadas como lambda (11ª letra do alfabeto grego) e mu (a 12ª). Por que? Ninguém sabe.

E aí aconteceu algo ainda mais inusitado. Tendo como irreversível a pulada de ordem praticada, a letra seguinte, quando surgisse mais uma mutação, seria nu (também conhecida como ni). Só que a proximidade de sua pronúncia, principalmente nos países de língua inglesa, com a palavra new poderia provocar ainda mais balbúrdia no já conturbado universo de denominações. 

Pulando mais essa, a próxima na lista seria xi. Mas, como Xi é o sobrenome mais usado na China, achou-se que seria politicamente incorreto, e insultuoso com a maioria dos chineses, ter um coronavírus mutante com o seu nome.

Tentando dormir com um barulho destes, a comunidade científica da OMS partiu para a escolha do ômicron. Coitado, acabou vendo-se odiado mundo afora, logo ele que achava que nunca seria chamado.

Para mim, o que realmente interessa é chegarmos logo à variante Õmega, a letra final, o adeus definitivo desta chatice. E que possamos ouvir a letras gregas apenas como referência cultural, vê-las em pórticos e colunas de uma paradisíaca ilha do mar Egeu ou das planícies do Peloponeso.

Oswaldo Pereira

Dezembro 2021