Era uma mosca azul
Filha da China ou do Indostão
Que
entre folhas brotou de uma rosa encarnada
Em
uma noite de verão
Estes são os primeiros quatro versos do poema “A Mosca Azul”, escrito por Machado de Assis em 1901. Leve, ligeiramente jocosa e ambientada nas terras mágicas do oriente, a poesia conta a história de um poleá, isto é, um plebeu no antigo Malabar, que certo dia vê zunir ao redor de si uma mosca de asas de ouro e granada.
Este inusitado acontecimento faz com que o pobre indivíduo, enlevado pelo zumbido e o fulgor do moscardo, imagine-se rei de Cachemira, com todas as riquezas, os prazeres e o poder inerentes à sua sublime posição. Ao leva-la para casa, e na tentativa de dissecá-la para poder apoderar-se de seus sortilégios, ele termina por matar a mosca que, ao final, revela-se um simples e desprezível inseto.
A partir daí, inspirada na composição poética de Machado, a figura mítica da mosca azul passou a ser aplicada às aspirações exageradas, aos sonhos ambiciosos e aos propósitos desmesurados. Irresistivelmente, a expressão avançou para o meio político e caiu como uma luva para descrever a miragem de poder que, muito comumente, inebria e enlouquece vários de nossos homens públicos.
A proximidade de eleições para a Presidência do país, por exemplo, tem o condão de povoar o ar nacional com enxames de moscas azuis. Os recentes meses brindaram-nos com a revelação das picadelas de que conhecidas figuras pátrias foram vítimas e dos efeitos, por vezes desastrosos, que tal infecção lhes causou.
Luiz Henrique Mandetta infectou-se, mas logo os anticorpos da racionalidade eliminaram os efeitos da mordida. Rodrigo Maia teve febre alta depois da picada, mas, internado num asilo político, curou-se. A mosca rodou durante algum tempo a cabeça de David Alcolumbre, mas não lhe chegou à epiderme, dispersada que foi por potentes sprays desinfetantes. Ciro Gomes foi atacado pela mosca há anos e desenvolveu uma síndrome crônica. Para ele, não há remédio que resolva. Arthur Lira foi o mais recente caso de infestação. Ainda é cedo para diagnosticar a evolução de seu caso.
João Dória é o paciente mais curioso. Não se tem conhecimento de quantas picadas já sofreu, mas tudo leva a indicar que a dose absorvida por ele já revela níveis perigosos de distanciamento da realidade. Um caso quase perdido.
A ocorrência mais grave da doença da mosca azul, entretanto, foi a que acometeu o ex-Ministro Sérgio Moro. Talvez convencido de que sua resposta imunológica o defenderia de um desenvolvimento mais sério da enfermidade, deixou-se picar várias vezes. Hoje, está numa UPA (Unidade de Político Abandono) sem previsão de alta.
Há dias, entretanto, um fato novo veio alvoroçar a nuvem dos insetos azulados e, praticamente, afugentá-los. A reaparição no cenário sucessório (ia dizer brejo, mas deixa para lá...) de um sapo (outra vez, estou usando a imagem para se coadunar com a narrativa figurada deste texto. Longe de mim...), um gigantesco sapo, que irá engolir de uma só bocada todas as moscas e os por elas afligidos.
Oswaldo Pereira
Março
2021