Uma das consequências imediatas da
decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, que anulou todos
os processos contra o ex-Presidente Lula no âmbito da Lava-Jato, foi o
acirramento da polarização que já crepitava em fogo não muito brando na
sociedade brasileira.
Se o objetivo era botar mais lenha na
fogueira, Fachin acertou em cheio. Corremos o risco de, daqui até outubro de
2022, convivermos com um país rachado, dividido e briguento. Como se a pandemia
já não fosse suficiente. Portanto, apertem mais os seus cintos...
O jeito, pelo menos o meu, é tentar achar paz e tranquilidade dentro de mim mesmo, aproveitando os minguados nichos de tempo entre discursos e estatísticas, vociferações e controvérsias, lives e outras toneladas de notícias que tentam nos soterrar, para gozar da companhia de algum bálsamo de espírito. O meu preferido são os livros. Sempre foram meus amigos. Mesmo os mais chatos, os de mal com a vida e com o leitor, os irremediavelmente sonhadores têm seu lugar na minha estante. São como aquelas amizades forjadas na infância e na adolescência, das quais o nosso coração está sempre disposto a aceitar, e perdoar, as falhas e os defeitos.
Assim como revisitei Fernando Sabino há dias, desta vez meu encontro foi com “Os Vivos e os Outros”, do escritor angolano José Eduardo Agualusa (aliás, na minha ingênua concepção, alguém com este poético sobrenome só podia ser escritor...)
Não sei quantos os que lerão este texto já conhecem a literatura de Agualusa. Se você for daqueles que ainda não teve este prazer, e aprecia as delícias de uma rica descoberta intelectual, pelas mãos de uma prosa ágil e cativante, acione suas plataformas de busca na net e encomende esse livro.
Agualusa nasceu no Huambo, em 1960, e, ao lado do moçambicano Mia Couto, forma o pelotão de frente da extraordinária geração de autores surgida neste século na África de língua portuguesa.
“Os Vivos e os Outros” tem como trama central um festival de escritores africanos na ilha de Moçambique. Uma feroz e demorada tempestade acaba isolando-os do continente e do mundo. Confinados na ilha, passam a conviver uns com os outros e com seus personagens, embolando realidade e ficção em vários planos intertemporais, magistralmente criados por Agualusa.
É claro que não vou adiantar mais. Apenas revelo que o livro está semeado de diálogos simplesmente primorosos. São verdadeiros diamantes travestidos de palavras caídas do céu. Algumas dessas joias.
Se não for a tempo inteiro, ninguém chega a poeta – contesta Luzia, adiantando-se a Ofélia – Poeta não é ofício, é condição.
Somo escritores. Nosso trabalho consiste em absorver a luz, como as plantas. Em transformar a luz em matéria viva. Consegues escrever sem primeiro te encantares?
Não devemos ter medo dos lugares-comuns – diz Uli – Todo homem é um lugar-comum. Além disso, qualquer lugar-comum pode ser o mais raro dos lugares. Basta saber olhar.
Somos nós que construímos os mundos – grita Moira – Somos nós! Os mundos germinam dentro de nossas cabeças e crescem até não caberem mais, então soltam-se e ganham raízes. A realidade é isso, é o que acontece à ficção quando acreditamos nela!
Por estas e por muitas outras, “Os Vivos e o Outros” pode ser o companheiro ideal para atravessar uma tarde na penumbra de um abajur suave, um concerto ao fundo e com os ruídos do mundo do lado de lá desta nossa ilha...
Oswaldo Pereira
Março
2021
Estamso enxergando coisas e sentimentos insuspeitáveis!
ResponderExcluirA isto chama-se Descoberta...
ExcluirQuanto à isso atente-se para uma afirmativa já "antiga" porem cada vez mais pertinente: INTERNET NÃO É CÉREBRO.
ResponderExcluirNem de longe...
ExcluirAgualusa e Mia Couto são uma dupla única. Vio-os juntos numa entrevista em que compartilhavam um único microfone com um formato nitidamente sugestivo. Lá pelas tantas caíram os dois na risada incontrolável; num frouxo de rriso contagiante. Sóbrios de repente riam como dois garotos. Ambos tem uma obra vasta e rara. Li tudo!
ResponderExcluirAtualmente gostaria mto que se reeditasse, creio q o primeiro titulo de Agualusa.
NO CORAÇÃO DOS BOSQUES, uma coletânea de poemas. Já disse isso a ele no Face... mas...a vida corre mais q a gente.
Corre mais e nem sempre na direção certa...
ExcluirObrigado Oswaldo mais uma vez pela sugestiva indicacao.
ResponderExcluirTentarei encontrar na internet neste feriadao.
Att.
Emilio Telleria