Os primeiros
“guarda-metas” que vi em ação foi em um jogo na Gávea (para os modernos, “Gávea” era o nome do antigo estádio do Flamengo, às
margens da Lagoa Rodrigo de Freitas). Era a última partida do Campeonato
Carioca de 1944, um Flamengo e América só para cumprir tabela, pois o título já
era do rubro-negro. No gol do América, Batatais encerrava uma carreira
gloriosa, que o levara a defender a Seleção Brasileira na Copa de 1938. No do
Flamengo, outra lenda, o mineiro Luís Borracha.
Vi muitos guarda-metas, depois apelidados de guarda-redes, e atualmente simplificados
para goleiros, e sua figura solitária
sempre me fascinou. Seu uniforme era
diferente dos demais, era o único a quem se permitia usar as mãos num esporte
de pés, sua liberdade de ação estava constrangida ao quadrado de cal que
delimitava a Grande Área. Se a bola não rondasse por ali, era abandonado à própria
solidão. Nem nas comemorações dos gols de seu time ele era chamado, vibrando
sozinho em sua “prisão” regulamentar. Quando os campos ainda não tinham o
padrão atual de manutenção, debaixo das traves havia um semicírculo sem grama. O
motivo era evitar que a relva, às vezes molhada da chuva, pudesse trazer
escorregões fatais, mas a frase onde
goleiro pisa não nasce grama, magistralmente criada por Don Rossé Cavaca (o jornalista e
humorista José Martins de Araújo Filho), definiu a sina de maldição que ronda o
arqueiro (outro apelido em desuso)
desde a concepção do futebol.
Apesar de
tudo isto, em criança e adolescente, sempre preferi jogar no gol. É claro que
esta profunda decisão era também inspirada pelo fato de que, nas outras
posições, bem... De qualquer modo, cheguei a ter uns fugazes momentos de
brilho, na praia de Copacabana, onde guarneci, com atléticas defesas, metas
improvisadas com montinhos de areia em muitas sessões de linha de passe, hoje mais conhecida como altinho. Eram três passes e uma finalização...
Assim, até
hoje nutro uma especial admiração pela vocação de herói trágico, que se
equilibra entre os extremos de salvador da pátria ou escória da humanidade. Vi
Carbajal, Costa Pereira, Banks, Yashin, Higuita, Chilavert, Zoff, Kahn. Vi
Barbosa, Castilho, Gilmar Neves, Manga, Taffarel. Ainda vejo Ceni. E Czech.
Todos ícones, capazes, em seu tempo, de segurar o mundo inteiro debaixo dos
paus. E de, também, comer a poeira do desastre, uma falha imperdoável na agonia
de um segundo tempo...
Tudo isto é
para dizer que, em minha opinião, a Copa FIFA 2014 passará à História como a
Copa dos Goleiros. Zagueiros, laterais, meio-campistas e atacantes que me perdoem,
mas o que ficará nas retinas e nos documentários serão as soberbas, quase
sobrenaturais atuações de santos milagreiros como Júlio Cesar (Brasil), Guillermo
Ochoa (México), Claudio Bravo (Chile), David Ospina (Colômbia), Keylor Navas
(Costa Rica), Hugo Lloris (França), Vincent Enyeama (Nigeria), Rais M’Bolhi
(Argélia), Manuel Neuer (Alemanha), Thibaut Courtois (Bélgica) e, quebrando um
recorde que vinha desde o Mundial de 1978, o americano Tim Howard, com
inacreditáveis 16 defesas portentosas num só jogo. Evidente é que este fulgor
não vem de graça. Os candidatos à posição, atualmente, são homens com estatura
de jogador de basquete. Só para comparar, o belga Courtois mede 1,99m; Barbosa
tinha 1,70m. Some-se uma envergadura de quase 2 metros, mais agilidade e
reflexos treinados por intermináveis horas, e temos as “muralhas” de hoje. E o
requinte da seleção holandesa, que tem uma “muralha” destas que só entra para
defender pênaltis.
Deus salve os “guarda-metas’!
Oswaldo Pereira
Julho 2014
Oswaldo, vc é o rei da minúcia, do detalhe da atenção preciosa. Talvez por isso seus textos são muito bem vindos, mesmo qdo o assunto em si, não faz parte dos meus maiores interesses. É o caso deste Goleiros. A Copa está aí, não há como escapar, mas p/ mim, vale pq me alegra, me agrada, a beleza dos atletas, a elegância da dança em campo, a fúria do torcedor etc, não por conta do placar. Mas que mulher não se emociona com 2 mts de envergadura ? Ai ai. A começar pelo meu pai, qdo se plantava na sala com seu violino, enquanto se ouvia o coral da torcida ecoar pelas casas vizinhas. Pois é, tudo isso é futebol ! Fica na alma. Claudia
ResponderExcluirClaudia, violinos e cânticos da torcida...Espetáculo. Isto certamente dá poema...
ExcluirMuito bom, Oswaldo, lembrar os goleiros heroicos de nossa adolescência. Lembra dos dedos tortos do Castilho? Não tinha luva nem nada, e agarravam mesmo a bola, sem rebater, como hoje. Quanto à envergadura, em geral é maior do que a estatura, de modo que a do Courtois há de chegar aí pelos 2,10m. E você o goleiro holandês reserva, o tal de Krull, que entrou só na hora dos pênaltis e pegou dois? E olhe que tem "só" 1,93m de altura...
ResponderExcluirCastilho, além de ótimo goleiro era sortudo. Na época, o sinônimo para isto era "leiteiro"... E sua habilidade e "leiteria" faziam-nos sofrer, rubro-negros, nas tardes de domingo...
ExcluirFiqeui procurando algum goleiro que você tivesse esquecido, e lembrei-me de Ceja e Rodolfo Rodriguez, dois goleiros hispanos que defenderam o meu Santos, e também um outro, latino, Mazurkiewicz!!
ResponderExcluirSua descrição de goleiro é perfeita!!!
Há outro latino de saudosa memória. O paraguaio Sinfronio Garcia, que defendeu o meu Flamengo na década de 50.
ResponderExcluirO meu ponto de vista destas ultimas 4 copas tem sido muito alemao e concordo inteiramente com a afirmacao de que esta e a copa dos goleiros. O Manuel Neuer ja e aclamado como o melhor jogador do time alemao. As disputas de penaltis comprovam que a qualidade do futebol nao esta boa e que os goleiros tem que mostrar todo o seu talento para garantir a vitoria. Bruno
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