João Barone, baterista da banda Paralamas do Sucesso,
é, reconhecidamente, um dos brasileiros que mais entendem de um assunto que
também sempre me interessou – a Segunda Guerra Mundial. Ele, talvez porque seja
filho de um soldado que participou do conflito. Eu, talvez porque tenha nascido
em plena guerra e minhas primeiras lembranças me remetam a discussões que
presenciei entre meu pai e seu professor de inglês, um austríaco que lutara ao
lado dos alemães entre 1914 e 1918 e defendia que Hitler ganharia. Meu pai
confiava em Churchill. Embora, ainda muito pequeno, eu não conseguisse decifrar
o que se passava, já percebia que o assunto era importante, solene e que algo
de muito sério iria acontecer se papai estivesse enganado.
Além disso, nas sessões da manhã de domingo, o Cineac
Trianon (Nota do tradutor: Cineacs
eram salas de cinema que apresentavam sessões contínuas de variedades, jornais
cinematográficos e documentários. Era um must
para a criançada. O Trianon ficava na Avenida Rio Branco, perto de onde hoje
é o Edifício Avenida Central), entre uma aventura animada do Super-Homem e um
desenho do Pato Donald, passava filmes das ações armadas na Europa e no Extremo
Oriente. Sempre em preto e branco - para
nós, a cor da guerra.
Em maio de 1944, assisti ao desfile de despedida das
tropas que iam para a Itália. No ano seguinte, também estava no centro da
cidade para ver o retorno dos “pracinhas”.
Portanto, era inevitável.
Mas, voltando a João Barone, soube recentemente que ele
irá lançar seu segundo livro (o primeiro teve por título A Minha Segunda Guerra) sobre a atuação dos brasileiros em combate
e em outras situações militares durante a conflagração. Chama-se 1942: O Brasil e sua Guerra Quase
Desconhecida. Como a obra não chegou ainda às bancas, não tenho como saber
se ele incluiu em seu texto a história de um excepcional herói, um carioca que
viveu na penumbra do esquecimento até sua morte e, ainda hoje, só é lembrado
por um punhado de admiradores. Chamava-se Apollo Miguel Rezk.
Para dar uma ideia de quem era Apollo Rezk, vou copiar
abaixo a tradução de duas citações de combate expedidas pelo Exército Americano
em 1945. A primeira, como ato de concessão da Silver Star (Estrela de Prata):
“Por bravura
em ação, em 12 de dezembro de 1944, em Monte Castelo, Itália. Comandando seu
pelotão, através de fogo intenso de metralhadoras e morteiros, chegou até uma
posição alemã, assaltou-a e continuou seu avanço. Chegando a Fornelo, seu
pelotão recebeu intenso fogo de frente, de flanco e da retaguarda, porém o
Tenente Apollo tenazmente manteve a posição até ser forçado a retrair, em
virtude de pesadas perdas. O seu bravo exemplo no combate reflete as elevadas
tradições dos exércitos aliados.”
ITÁLIA, 1945. CONDECORAÇÃO DO TEN. REZK |
A segunda, pela entrega da Distinguished Service Cross (Cruz de Serviços Notáveis). Aí vale
notar que esta Cruz é a segunda maior condecoração do exército dos Estados
Unidos, sendo superada apenas pela Medal
of Honor (Medalha de Honra), cuja atribuição é prerrogativa do Congresso americano.
“Por heroísmo extraordinário na ação de vinte e quatro de
fevereiro de mil novecentos e quarenta e cinco, em La Serra, Itália. Foi
confiada ao Primeiro Tenente Rezk a missão de comandar o seu pelotão no ataque
e ocupação de La Serra, na frente de determinada resistência inimiga. A
despeito de campos de minas desconhecidos, terreno excessivamente difícil e
forte oposição, o Primeiro Tenente Rezk conduziu galhardamente os seus homens
através uma cortina de fogo de metralhadoras, morteiros e artilharia para
assaltar e arrebatar o objetivo inimigo. Embora gravemente ferido quando
dirigia o ataque, nunca hesitou; pelo contrário, continuando firmemente o
avanço. Depois de colocar o seu pelotão em posição, repeliu três fortes
contra-ataques, infringindo pesadas perdas aos alemães pela sua habilidade na
direção de tiro. Depois, embora em posição vulnerável ao fogo das casamatas do
inimigo circundante e a despeito das bombas que caíam e da gravidade dos seus
ferimentos, o Primeiro Tenente Rezk defendeu resolutamente La Serra contra
todas as tentativas fanáticas dos alemães para retomar a posição.”
O tenente Rezk
recuperou-se de seus ferimentos e retornou ao Brasil ao fim da guerra. Apesar
de ter sido recebido inúmeras citações de combate, elogios de todos os seus
comandantes, brasileiros e estrangeiros, e terem-lhe sido entregues todas as condecorações do
nosso exército, só foi promovido a capitão seis anos depois, já no Batalhão de
Guardas. Depois de, a seguir, ter cumprido algumas funções burocráticas, foi
reformado em 1957, aos 39 anos, no posto de major. As forças armadas começavam
a esquecê-lo. O país já o havia feito há muito, à exceção de uma homenagem num
programa de rádio e uma reportagem da revista O CRUZEIRO. Só.
Conheci-o em 1997.
Um grande amigo meu, Sérgio Pinto Monteiro, então Presidente da Associação de
Oficiais da Reserva, iniciara dois anos antes o resgate do velho soldado. Numa
cerimônia durante as comemorações do cinquentenário do término da Segunda Guerra,
que reunira cerca de quarenta oficiais da Força Expedicionária Brasileira oriundos
do CPOR, o Major Rezk, já semiparalítico e cego pelo diabetes, fora-lhe
apresentado como o mais destacado combatente da FEB. Sérgio tomou a si a missão
de tirá-lo do ostracismo e recuperar sua história, escrevendo, inclusive, um livro. Seu nome foi dado à sede da
Associação; palestras foram feitas contando sua saga; matérias foram publicadas
em veículos de informação das forças armadas.
No dia de seu
funeral, em janeiro de 1999 fui um dos primeiros a chegar ao cemitério do Caju. Já lá
estavam Monteiro e um oficial da Marinha americana. Era o enviado do Adido Militar
dos Estados Unidos e primeiro representante fardado a comparecer ao enterro. O
seu país não se esquecera daquele que recebera uma de suas mais altas condecorações.
Se tivesse nascido
lá, talvez a vida do Tenente Apollo fosse tema para grandes produções de cinema
do tipo Resgate do Soldado Ryan, Sargento
York, Patton ou um caprichado seriado de TV como Band of Brothers. Os feitos do nosso soldado nada ficam a dever aos
atos mostrados na tela.
A diferença é que lá
os heróis são cultuados, não só como homenagem ao passado mas, principalmente,
para servirem de exemplo ao futuro. Aqui....
Oswaldo Pereira
Junho 2013
Aqui ... Temos você, caro primo, e alguns outros que sabem reconhecer e o valor de divulgar tais exemplos.
ResponderExcluirAbraços,
Geraldo
Ainda bem que temos alguém, com a sua sensibilidade para resgatar os valores esquecidos por nosso pais, nosso governo ... que lastima de se ver um "heroi nosso" ser reconhecido e respeitado por um outro pais, e não pelo seu ...
ResponderExcluirFifi
Suas palavras dizem muito bem o que se passa no Brasil, com um herói de primeira grandeza. Infelizmente esta é a realidade do nosso pais. Mas tenha certeza que se fosse um jogador de futebol da seleção a repercussão seria outra. Decididamente De Gaulle estava certo: o Brasil não é um pais sério. Abraço do Thomaz.
ResponderExcluirCega-nos o sol
ResponderExcluircom o qual
a polvora nos assalta
e define um eclipse
La ou aqui, onde alguem
que atira, hora acerta, hora erra
é assim a coragem
é assim o medo
desde de que o mundo é mundo;
Guerra! é guerra!