terça-feira, 4 de junho de 2013

UM HERÓI




João Barone, baterista da banda Paralamas do Sucesso, é, reconhecidamente, um dos brasileiros que mais entendem de um assunto que também sempre me interessou – a Segunda Guerra Mundial. Ele, talvez porque seja filho de um soldado que participou do conflito. Eu, talvez porque tenha nascido em plena guerra e minhas primeiras lembranças me remetam a discussões que presenciei entre meu pai e seu professor de inglês, um austríaco que lutara ao lado dos alemães entre 1914 e 1918 e defendia que Hitler ganharia. Meu pai confiava em Churchill. Embora, ainda muito pequeno, eu não conseguisse decifrar o que se passava, já percebia que o assunto era importante, solene e que algo de muito sério iria acontecer se papai estivesse enganado.

Além disso, nas sessões da manhã de domingo, o Cineac Trianon (Nota do tradutor: Cineacs eram salas de cinema que apresentavam sessões contínuas de variedades, jornais cinematográficos e documentários. Era um must para a criançada. O Trianon ficava na Avenida Rio Branco, perto de onde hoje é o Edifício Avenida Central), entre uma aventura animada do Super-Homem e um desenho do Pato Donald, passava filmes das ações armadas na Europa e no Extremo Oriente.  Sempre em preto e branco - para nós, a cor da guerra.

Em maio de 1944, assisti ao desfile de despedida das tropas que iam para a Itália. No ano seguinte, também estava no centro da cidade para ver o retorno dos “pracinhas”.
Portanto, era inevitável.

Mas, voltando a João Barone, soube recentemente que ele irá lançar seu segundo livro (o primeiro teve por título A Minha Segunda Guerra) sobre a atuação dos brasileiros em combate e em outras situações militares durante a conflagração. Chama-se 1942: O Brasil e sua Guerra Quase Desconhecida. Como a obra não chegou ainda às bancas, não tenho como saber se ele incluiu em seu texto a história de um excepcional herói, um carioca que viveu na penumbra do esquecimento até sua morte e, ainda hoje, só é lembrado por um punhado de admiradores. Chamava-se Apollo Miguel Rezk.

Para dar uma ideia de quem era Apollo Rezk, vou copiar abaixo a tradução de duas citações de combate expedidas pelo Exército Americano em 1945. A primeira, como ato de concessão da Silver Star (Estrela de Prata):

Por bravura em ação, em 12 de dezembro de 1944, em Monte Castelo, Itália. Comandando seu pelotão, através de fogo intenso de metralhadoras e morteiros, chegou até uma posição alemã, assaltou-a e continuou seu avanço. Chegando a Fornelo, seu pelotão recebeu intenso fogo de frente, de flanco e da retaguarda, porém o Tenente Apollo tenazmente manteve a posição até ser forçado a retrair, em virtude de pesadas perdas. O seu bravo exemplo no combate reflete as elevadas tradições dos exércitos aliados.”


ITÁLIA, 1945. CONDECORAÇÃO DO TEN. REZK
A segunda, pela entrega da Distinguished Service Cross (Cruz de Serviços Notáveis). Aí vale notar que esta Cruz é a segunda maior condecoração do exército dos Estados Unidos, sendo superada apenas pela Medal of Honor (Medalha de Honra), cuja atribuição é prerrogativa do Congresso americano.

“Por heroísmo extraordinário na ação de vinte e quatro de fevereiro de mil novecentos e quarenta e cinco, em La Serra, Itália. Foi confiada ao Primeiro Tenente Rezk a missão de comandar o seu pelotão no ataque e ocupação de La Serra, na frente de determinada resistência inimiga. A despeito de campos de minas desconhecidos, terreno excessivamente difícil e forte oposição, o Primeiro Tenente Rezk conduziu galhardamente os seus homens através uma cortina de fogo de metralhadoras, morteiros e artilharia para assaltar e arrebatar o objetivo inimigo. Embora gravemente ferido quando dirigia o ataque, nunca hesitou; pelo contrário, continuando firmemente o avanço. Depois de colocar o seu pelotão em posição, repeliu três fortes contra-ataques, infringindo pesadas perdas aos alemães pela sua habilidade na direção de tiro. Depois, embora em posição vulnerável ao fogo das casamatas do inimigo circundante e a despeito das bombas que caíam e da gravidade dos seus ferimentos, o Primeiro Tenente Rezk defendeu resolutamente La Serra contra todas as tentativas fanáticas dos alemães para retomar a posição.”

O tenente Rezk recuperou-se de seus ferimentos e retornou ao Brasil ao fim da guerra. Apesar de ter sido recebido inúmeras citações de combate, elogios de todos os seus comandantes, brasileiros e estrangeiros, e terem-lhe sido entregues todas as condecorações do nosso exército, só foi promovido a capitão seis anos depois, já no Batalhão de Guardas. Depois de, a seguir, ter cumprido algumas funções burocráticas, foi reformado em 1957, aos 39 anos, no posto de major. As forças armadas começavam a esquecê-lo. O país já o havia feito há muito, à exceção de uma homenagem num programa de rádio e uma reportagem da revista O CRUZEIRO. Só.

Conheci-o em 1997. Um grande amigo meu, Sérgio Pinto Monteiro, então Presidente da Associação de Oficiais da Reserva, iniciara dois anos antes o resgate do velho soldado. Numa cerimônia durante as comemorações do cinquentenário do término da Segunda Guerra, que reunira cerca de quarenta oficiais da Força Expedicionária Brasileira oriundos do CPOR, o Major Rezk, já semiparalítico e cego pelo diabetes, fora-lhe apresentado como o mais destacado combatente da FEB. Sérgio tomou a si a missão de tirá-lo do ostracismo e recuperar sua história, escrevendo, inclusive, um livro. Seu nome foi dado à sede da Associação; palestras foram feitas contando sua saga; matérias foram publicadas em veículos de informação das forças armadas.

No dia de seu funeral, em janeiro de 1999 fui um dos primeiros a chegar ao cemitério do Caju. Já lá estavam Monteiro e um oficial da Marinha americana. Era o enviado do Adido Militar dos Estados Unidos e primeiro representante fardado a comparecer ao enterro. O seu país não se esquecera daquele que recebera uma de suas mais altas condecorações.  
Se tivesse nascido lá, talvez a vida do Tenente Apollo fosse tema para grandes produções de cinema do tipo Resgate do Soldado Ryan, Sargento York, Patton ou um caprichado seriado de TV como Band of Brothers. Os feitos do nosso soldado nada ficam a dever aos atos mostrados na tela.

A diferença é que lá os heróis são cultuados, não só como homenagem ao passado mas, principalmente, para servirem de exemplo ao futuro. Aqui....


Oswaldo Pereira
Junho 2013






     

4 comentários:

  1. Aqui ... Temos você, caro primo, e alguns outros que sabem reconhecer e o valor de divulgar tais exemplos.
    Abraços,
    Geraldo

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  2. Ainda bem que temos alguém, com a sua sensibilidade para resgatar os valores esquecidos por nosso pais, nosso governo ... que lastima de se ver um "heroi nosso" ser reconhecido e respeitado por um outro pais, e não pelo seu ...

    Fifi

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  3. Suas palavras dizem muito bem o que se passa no Brasil, com um herói de primeira grandeza. Infelizmente esta é a realidade do nosso pais. Mas tenha certeza que se fosse um jogador de futebol da seleção a repercussão seria outra. Decididamente De Gaulle estava certo: o Brasil não é um pais sério. Abraço do Thomaz.

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  4. Cega-nos o sol
    com o qual
    a polvora nos assalta

    e define um eclipse

    La ou aqui, onde alguem
    que atira, hora acerta, hora erra

    é assim a coragem
    é assim o medo
    desde de que o mundo é mundo;
    Guerra! é guerra!

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