sexta-feira, 7 de junho de 2013

FUTEBOL NO MOTEL






Dia de jogo. Brasil em campo, pátria de chuteiras, hino nacional, todo mundo de camisa amarela em frente a TVs espalhadas por lares, bares, etc., etc.
«Vem cá, amorzinho...»
«........»
 Se o penhor desta igualdade... o letreiro na telinha vai acompanhando a música que ecoa no estádio.
«Amorzinho...»

 Close nos jogadores, uns poucos cantando, seguros da poesia intrincada, outros fazendo um lip sync hesitante para escapar do vexame de não saber a letra.

 «Vem, amorzinho... Já nuinha...»

 Foguetório. Fotografias. Últimas entrevistas: vamos dar do nosso melhor... o time tá preparado...  quero agradecer a galera....

 «Então, Josué?!...»

«Peraí, fofinha...»

«Que peraí é esse?» 

«É que o jogo vai começar...»

«Não me diga que você me trouxe para o Motel para ver jogo de futebol...»

«Não, mas é que é a seleção...»

«É um amistoso contra a Tailândia, que você mesmo falou que não estava nem aí.»

«Mas, é preparação para a Copa...»

«Que Copa, Josué? A Copa é daqui a três anos, nem começaram as eliminatórias ainda...»

«É, mas... É preciso já ir vendo como é que o time jogando, se o Pato e o Ganso se entrosam...»

«Que mané Pato e Ganso? O Ganso machucado e o Pato nem o Milan liberou para um amistoso tão fuleiro...»

 O jogo começa. O Brasil engrena logo um ataque, o volante escapa pela direita, centra, o atacante emenda com força, a bola passa a um centímetro da trave. Uuuuuu, o rugido do estádio enche o quarto.

 «Viu, quase gol...»

«E daí. Desliga esta porcaria. Ou então, procura um canal de sacanagem, pra ver se você entra no clima...»

«Eu no clima...»

«nada, eu aqui nua em cima da cama e você nem olha...»

 Falta ríspida no zagueiro brasileiro.

 «Porra! Cartão vermelho, seu juiz, bota esse assassino na rua! Esses babacas são uns cabeças de bagre e vão acabar machucando a gente...»

«OK, entendi. Você perdeu o interesse por mim...»

«Que é que foi?»

«Você perdeu o interesse por mim...  Não faz nem um ano que a gente sai, e você já perdeu o interesse por mim.»

«Não diga bobagens... caraca!»

 O chute do meia armador bate na trave.

 «Não diz bobagem, fofinha...»

«Não, eu sei como é que é. No início é aquele tesão todo: deixa eu fazer isso, deixa eu botar naquilo, me pega aqui... Depois que já viu tudo e já fez tudo, é isso que se vê. Assistindo a um Brasil e Finlândia num quarto de motel e eu pelada aqui, jogada às traças...»

«Brasil e Tailândia...»

«Tailândia, Finlândia, Islândia...quero lá saber. Se você não quer mais nada comigo, porque me trouxe para cá?»

«Mas eu quero. É claro que eu quero.»

«Quer nada. O que é que foi? Engordei?»

«Hein?»

 Ataque perigoso do time tailandês. Doni salva por milagre.

 «Caraca... quase...»

«Então, engordei, não foi?»

«O quê, engordou, como assim?...»

«Pois fique sabendo que ainda sou muito gostosa, ouviu? Mesmo com essas celulitesinhas, ainda tem muito cara olhando para a minha bunda na praia, ouviu?»

«Sim, sim, claro...»

 Novo ataque tailandês.

 «Os caras estão começando a gostar do jogo...»

«Olha, quer saber, eu vou embora. Chama um táxi e fica aí vendo o teu jogo.»

 Há uma interrupção na partida, para socorrer um jogador se contorcendo no gramado.

 «bom, bom, eu indo.»

«Não precisa vir. Se não com vontade, eu não quero nada forçado.»

«Não com vontade? Então o que é isso aqui...»

 O amistoso continua parado no estádio, mas, na cama, o jogo finalmente começa. Por uns dez minutos, a voz do locutor, os ecos da torcida, as opiniões dos analistas servem apenas de backing vocal para o solo de gemidos e sussurros que domina o quarto.

 De repente,

 É gooool! Gooooolll da Tailândia!!  Sulimar Bhopal, camisa número nove, aproveitando uma verdadeira lambança da defesa brasileira...

 «Você ouviu?»

«O quê, o quê?»

«Gol da Tailândia.»

«, mas não para não, fofinha, eu quase gozando...»

«Como não para não? É gol da Tailândia, cara.»

«Sim, bem, mas...»

«Que bem que nada. O Brasil perdendo.» 

«Tá. Depois a gente vê o replay no intervalo. Não...não me tira agora... vem cá, poxa...»

«Cê tá maluco?! O Brasil perdendo da Tailândia, Josué, e você pensando em sexo?!»  

 E ele ficou ali, sozinho, na cama, até o final da partida. O Brasil perdeu. E Josué não saiu do zero a zero.   


Oswaldo Pereira
Maio 2010

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